Wednesday, May 30, 2012

Com vista para a Almedina



Nunca compreendi verdadeiramente aquelas pessoas que só publicam nos seus blogues textos solenes, pesados, densos – sobre temas igualmente profundos e sérios    sem ensaiarem qualquer outra abordagem aos assuntos graves que neles tratam do que a que proporciona uma análise circunspecta. 
A questão é perguntar: mas porquê? Porquê ficar, quase atavicamente, “atado” a uma só forma de encarar uma questão?
Bom… eu não sou especial defensor de tal escola, pelo que – e apesar de sempre soarem vozes discordantes que, cheias de boas intenções (creio…), me procuram chamar à razão (invocando vários motivos: “enfim, porque, afinal de contas, tu ÉS professor de direito, pelo que tens uma certa imagem a preservar”, “bom, tu pertences a um determinado grupo, pelo que deves manter uma certa atitude”) – vou, alegremente, nestes verdejantes prazos serrazinescos, falando do que quero, e como quero. Mesmo que se trate de assuntos aparentemente insignificantes, mas com importância para o meu dia-a-dia.
E, hoje, depois de um dia passado entre aulas (de reposição, em virtude de um colóquio que teve lugar na passada semana em Lisboa) e Goa, apetece-me falar de…quando corto o cabelo.
Todos os que me conhecem, pensarão: “Ora, mas que parvoíce! Se tu pelo menos ensaiasses vários cortes de cabelo, tivesses rastas ou pintasses as melenas de azul, isso poderia ser interessante”. E essa é a crua verdade: desde os meus late teen´s, quando tive o cabelo comprido (e foi já há quase tanto tempo que, se não tivesse umas fotos para relembrar, já quase não tinha memória do facto) que os meus “penteados” oscilam, numa constante monotonia, entre o aparado curtinho, à moda de corta-relva (ajuda ter o cabelo naturalmente espetado! ;) ) e o ligeiramente comprido e empastado com um bocado de gel na franja. Nunca me converti ao clássico risco-ao-lado (houve amigos, e amigos grandes, que me aconselharam a mudança, também por eles ensaiada, depois da conclusão do curso), não só porque não me revia no modelo, mas também por … o meu cabelo espetado, na verdade, não colaborar muito.
Então, para quê falar de temas capilares (eu, que nem nunca ensaiei, por outro lado, um bigode, e que mantenho uma face glabra face chuva ou faça sol)?
Na verdade, porque eu GOSTO de cortar o cabelo! 
Não tanto pelo corte em si – o qual não deixa de ser agradável, claro, desde logo por preferir usar o cabelo “versão muito curta” (e isto não obstante algumas vozes críticas, que tentam apelar ao meu ego dizendo “ficas tãaao melhor com ele ligeiramente mais comprido”) – nem tão pouco por achar que fico muito mais aceitável quando venho da tosquia. Na verdade, gosto de cortar o cabelo por causa de quem mo corta. E esse alguém é a Leonor. Eu explico-me melhor: desde os 6 meses – segundo rezam as crónicas, data em que pela primeira vez me apararam os cabelos, que na altura ainda eram louros – até aos meus presente 34 anos – ou seja, num espaço de tempo longo o suficiente para os ditos se tornarem de um comum castanho e, mais, agora já irem ganhando umas ocasionais “brancas” – foi sempre a Leonor que me domou os remoinhos e o espeto capilar que orgulhosamente exibo. Longas ausências de Coimbra? Paciência: quando regressar, a primeira coisa a fazer, depois de dizer olá à família e arrumar as malas, é ir à baixa, à Leonor. Anos passados em Lisboa? Felizmente, a Leonor também abre o seu mítico “Cabeleireiro Monteiro” aos sábados de manhã! Proposta de corte baratíssimo no barbeiro mais badalado? Sorry, para os meus cabelos, quero apenas a tesoura e a máquina nas mãos da Leonor.
Ou seja, há 34 anos, a Leonor – que já dobrou os 80 mas ainda mantém uma energia invejável e uma vontade de trabalhar imensa, resultando do muito que gosta do que faz (e acho que trabalhará até ao fim, se lhe for possível) – tem sido uma referência na minha vida. Isto porque, como sucede a todas as pessoas de quem se é amigo há mais de três décadas, para mim, ir cortar o cabelo, é também pôr a conversa em dia, e, graças a uma hora de intensa conversa, relaxar, por uns momentos, de Goa, dos alunos e dos seus problemas, da crise que nos faz apertar o cinto, e de mil outras coisas que, saudável e rotineiramente, nos vão preocupando. Isto por uma série de razões. Por um lado, porque ambos (a Leonor e eu) somos almas conversadoras, e nada do género de nos mantermos calados mais do que 30 segundos. Muitas pessoas me dizem “se estiveres só tu e uma pedra, tu és capaz de conversar com a pedra!”. Bom, quando dois deste modelo se juntam, o resultado é previsível. Por outro, porque ambos gostamos muito de Coimbra, e nos procuramos manter sempre a par do que por cá se passa. Em paralelo, porque ambos gostamos imenso de história, e a Leonor conta-me sempre episódios divertidíssimos da Coimbra de outrora: cenas que viveu, ambiências de que se recorda, personagens ilustres que passaram pelo seu “Cabeleireiro Monteiro” (noutros tempos um dos mais requintados da cidade, com clientela bastante selecionada), gentes de que não se esqueceu, obras que marcaram a cidade e a “sua” baixa, etc, etc. Por fim, porque somos os dois almas curiosas, e não fazemos cerimónia nenhuma em dizer “olhe, não conhecia isso. Explique-me lá, pode ser?”.
E o certo é que, quando termina mais uma destas sessões, que me aliviam de cabelo em excesso e de   preocupações acumuladas, saio mais leve, e com outra vontade de encarar os problemas do quotidiano. De facto, por muito mal disposto que tenha entrado (quando estou “depre”, “ir à Leonor” é um dos meus melhores remédios), saio logo francamente reconciliado com as gentes e com a baixa, que vejo da vista privilegiada das janelas do velho “Cabeleireiro Monteiro”, um primeiro andar debruçado sobre o “canal” e enfrentando a porta de Almedina. E a verdade é que mesmo a vista dessa estremecida Almedina, antes e depois de aparadas as melenas, antes e depois de mais uma boa sessão de conversa com a Leonor, antes e depois de subir as vetustas escadas (ornadas com os seus  putti de madeira de nariz já esboroado) que me levam àquele primeiro andar, muitas vezes me parece bem diferente.

Com cabelos a menos, um livro a mais debaixo do braço (é difícil resistir às livrarias da baixa!) e um café no Nicola – tudo ali, afinal, naquele microcosmos à beira da porta de Almedina – se lava a alma e se renova a boa disposição de certo jurista de cabelos espetados e cabeça quadrada.
Uma receita “artesanal” e arcaica que, nesta época de psiquiatras e terapias, ainda se mostra avassaladoramente eficaz.

PS: ah! E para os que, apesar de tudo, considerarem o tema deste “post” pouco profundo
… fiquem sabendo que já resolvi muitos “nós” e planeei uma boa série de trabalhos em tais deambulações! ;)

Friday, May 18, 2012

A vida num expresso


Todos aqueles que me acusam de viver numa “bolha” (e, mais ainda, me apontam o dedo por o fazer conscientemente) deviam saber que eu, ciclicamente – pelo menos duas vezes por semana – desço dessa torre de marfim (indo-português, naturalmente), ultrapasso a chusma de brâmanes católicos juristas que a rodeiam, salto por cima das cadeiras “de preguinhos”, aceno à Solum e ponho-me a caminho da rodoviária, ou rumo a Leiria, ou de regresso da cidade de entre-Liz-e-Lena.

É um mundo misterioso, o das rodoviárias: não só o dos seus terminais, mas também o dos funcionários que por lá se passeiam e, ainda, os utentes habituais daquele meio de transporte – que, em teoria (bom, e na prática também…basta ver a frequência dos mesmos), ainda são considerados quase como um serviço ao dispor dos “pobres”, ou, se quisermos ser mais politicamente correctos, dos remediados.

Os meus “poisos” habituais, nestas idas e vindas, se têm, por um lado, inúmeros pontos em comum (a sujidade é um deles, bem como os maus cheiros que por lá sempre abundam, apesar de se verem, efectivamente, empregados solícitos a, continuamente, tentarem arrancar a imundície sebosa e fedorenta que teima em não querer abandonar toda a garagem), também contam com inúmeras particularidades. Uma delas é o pessoal. Não falo tanto das meninas e senhoras que vendem os bilhetes – as quais (estranho seria o contrário, com a quantidade de vezes que as vejo!) já conheço pelos nomes, e já vou dominando os tiques e manias (com esta tenho de ser mais sorridente, aquela é sorna, àquela tenho de perguntar pelo curso, aqueloutra só começa a funcionar em condições a partir do meio dia, etc) – mas sobretudo da demais fauna local. Em Leiria, temos o senhor que anuncia as camionetas gritando – mas gritando mesmo! – ao microfone. Ora, como o microfone está meio partido (coitado! sucumbiu com os gritos) e o homenzinho prossegue com a sua berreira, não se percebe nada do que diz… ou grita! Portanto, o altíssimo som de fundo é uma algaraviada ininteligível, da qual se percebem, de quando em vez, uns destinos esparsos (“ok, esta passa pela Caranguejeira, aquela vai para os Milagres...mas não compreendi NADA das restantes quinze paragens que o tipo gritou!). Em Coimbra, não é assim… o tom é mais cordato, mas, não raro, pouco pontual (!). Será devido ao mítico quarto de hora académico? Certo é que, se não estivermos alerta e convenientemente próximos daquele que calculamos ser o cais de embarque – algo que se vai tornando bastante inato com o passar do tempo – talvez ouçamos anunciar a chegada da nossa camio quando esta se prepara para partir.

 Em paralelo, em Coimbra a geração nova (em todo o lado mais cuidada) também anda mais engravatada. É o caso do “Barney da carreira”. Ora, quem é este rapaz, e porquê tal epíteto? É fácil: todos conhecem o Barney Stinson do HIMYM, e todos têm presente o seu estilo de vestir: sempre de fato, com aquelas gravatas esterlicadas. No que diz respeito ao seu homónimo “da carreira” – não sei (nem me interessa nada, na verdade) se também adota uma postura de “homem fatal” dos dias que correm – mas a verdade é que procura reproduzir, dentro dos limites severos que a vida em Coimbra e um cargo na gestão de uma empresa rodoviária impõem – o guarda-roupa de Stinson. E lá vemos, todos os que esperamos pelo nosso bus, calcorreando o cais de embarque, reservando uma graçola para as funcionárias, um aperto de mão aos funcionários e um comentário mais ponderado para as chefias, o nosso Barney, de gravatinha fina a esvoaçar, com o fato imaculado contrastando violentamente com a atmosfera geral pardacenta de pouca limpeza e pouca liquidez.

Por outro lado, há o misterioso mundo dos motoristas. À primeira vista, parecem todos iguais, mas, depois, com o treino que as múltiplas viagens emprestam, o utente deste meio de transportes vai percebendo diferenças que podem influir de forma significativa no conforto da sua deslocação. Temos, desde logo, os pontuais, os escrupulosamente pontuais (o da camionete para Peniche de manhã é um deles), e os que, despreocupadamente, não partem senão vinte minutos depois da hora marcada. A seguir, há que ter presente a posição do motorista nesse “desporto” para muitos dos que frequentam regularmente o mundo dos expressos denominado “onde me vou sentar”. Também aqui temos diferentes tipos de posturas, antes de mais, dos utentes: há-os que lutam escrupulosamente para ficar no lugar marcado no bilhete (mesmo que o número de pessoas durante a viagem não ultrapasse a meia dúzia) – e, neste segmento, temos os casos-de-força-maior (paradigma dos quais é a rapariga-que-enjoa-tanto-que-até-traz-um-atestado médico), os casos-de-senilidade-maior (as velhinhas e velhos que lutam pelo seu lugar, mesmo que já lá esteja sentada uma grávida, como se se tratasse da porta do paraíso), os casos-de-bronquice-maior (pura e simplesmente os cromos que gostam de causar problemas, que sempre existem no bas-fond, pelo que, também, nos terminais rodoviários) e, finalmente, os casos-de-burrice-insanável (basicamente, as pessoas que, tendo vinte lugares à disposição, não percebem que não há QUALQUER problema em sentarem-se em qualquer um deles). Ora, coexiste com tudo isto um costume – é-o verdadeiramente, com verdadeiros “animus” e “corpus” – que determina que, havendo espaço, quem quer pode sentar-se onde quiser nos fundos da camio, ou seja, para lá da metade. Eu, confesso, sou um dos que me aproveito desta regra consuetudinária! Mas a verdade é que o motorista tem uma palavra a dizer em tudo isto: ele pode determinar que nos tenhamos de sentar no lugar marcado, por exemplo. Para obviar isso, meus caros amigos, os conhecimentos nas bilheteiras servem de muito: em regra, as meninas/senhoras das ditas (sim, ainda persiste uma divisão bastante sexista de trabalhos neste mundo!) já nos vendem os lugares de que sabem gostarmos! Eu, por exemplo, sou um rapaz dos vintes! Finalmente, e no que toca aos motoristas e seus m.o., há ainda a questão do que posso eu levar na bagageira, e do que tem de ficar na mala. Bom, existem, também aqui, os escrupulosamente rigorosos:

-Jovem, o que leva aí??!!
- Err… a minha mochila, e isto é uma raquete de ténis.
- Jovem, coloque na bagageira.
- Não posso, a mochila tem o computador (se preciso, mostra-se o portátil, e eles são simpáticos!)
- Jovem, e a outra saca?
- Já expliquei: tem a raquete.
- Jovem, para a bagageira!
- Mas depois podem amolgá-la!
- Jovem, já disse!

E lá vai o “jovem” colocar a dita raquete na bagageira, resmungando para si mesmo que, se não fosse preguiçoso e comprasse menos livros, já teria euros suficientes para comprar uma carripana. O problema é que se esquece destes bons e ponderosos motivos uns 15 minutos depois!

Sunday, May 13, 2012

Esplanadando em Quiaios

"Pratinhos de farinheira com queijo!!", gritava ontem, no Victor, em Quiaios, uma gordíssima e estrídula senhora, anunciando tal receita como ideal para... emagrecer! No meio das enormidades vociferadas por tão opinativa baleia, e que todos os demais foram forçados a ouvir ("O João deve ser deserdado", "A minha mãe não me olhava direito", e coisas assim), esta terá sido a mais bizarra!
Lembrei-me, de imediato, de A.M., antiga empregada cá de casa, que, quando não declarava a chuva (que todos nós, lagartos latinos, odiamos) como sendo "oiro que cai do céu", afiançava, cheia de boa-fé e confiança, apesar de não perceber porque é que os resultados, afinal, não se viam:

"Menino, para perder peso, o ideal é uma dieta leve. Eu cá aconselho pão-de-ló com queijo da Serra!".


Lembrando Pombal

Hoje assinala-se o aniversário do nascimento de um homem e político no mínimo polémico. Mas os Prazos não podem deixar passar uma referência ao autor do alvará de 7 de Abril de 1761:

Relativamente àqueles que chamassem “negros” ou “mestiços” aos “naturaes da Índia”, seriam, de acordo com o dito Alvará, alvo de sanções extremamente pesadas: “Sendo pessoa que tenha o Fóro de Fidalgo da Minha Casa perca o Fóro, que nela tiver, além das mais penas, que reservo a Meu Real Arbítrio: Sendo Nobre perdera a Nobreza, que tiver, ficando reduzido á ordem dos peões, com a multa de duzentos pardáos para a parte offendida,e  quatro mezes de prizão debaixo de chave na Cadeia publica, dobrando, e triplicando todas as referidas penas cumulativamente á proporção das reincidências da sobredita culpa: Sendo Cavalleiro de qualquer das Ordens Militares, mando, (como Grão Mestre, e perpétuo Governador dellas) que além das sobreditas penas em todas as partes, que lhes são aplicáveis, seja suspenso o uso do   Habito, que tiver, até se me dar conta, para Eu determinar o que Me parecer justo: E sendo Peão, será condemnado nas mesmas penas pecuniárias, e de prizão, da qual irá degradado para Moçambique por tempo de cinco annos pela primeira vez; e se lhe agravará as penas pelas outras reincidências na sobredita fórma (...)”


A partir daqui, ainda que com muitos retrocessos a temperar as tentativas de avanço, nada voltou a ser igual em terras de Goa! ;)


PS: e é impossível esquecer que Carvalho e Melo também foi atencioso para com os PL: Manuel PL, o primeiro a usar o apelido, ascende às cátedras jurídicas coimbrãs (foi o primeiro prof da novíssima cadeira de direito natural) e o seu irmão, Joaquim, é nomeado castelão de Diu!

Saturday, May 12, 2012

O candeeiro de Afonso


Uma, à partida, difícil conjunção de três coordenadas da minha vida tem, desde já há algum tempo, tido lugar no vetusto terreiro da capital de entre-Lis-e-Lena: bibliotecas (e papéis velhos), Goa e Leiria conseguem amalgamar-se com algum sucesso na Biblioteca Municipal local. Ora, como é isto possível? A resposta é fácil de dar: um dos mais conhecidos núcleos daquele acervo é o constituído pelo fundo de uma das glórias da urbe, Afonso Lopes Vieira; o poeta possuía, no seu espólio – ainda não percebi muito bem, contudo, as razões para a existência de tal coleção (as dedicatórias autógrafas são um tanto ou quanto vagas, mas propendo a acreditar que os autores do ex-Estado da Índia enviavam os seus trabalhos para Lopes Vieira sobretudo por uma questão de admiração pessoal) várias obras compostas por goeses, de entre os quais algumas, de natureza jurídica, difíceis de encontrar no nosso país; e vou a Leiria semanalmente, onde dou aulas na ESTG.

Na passada semana, estava eu em demanda de um exemplar das divertidíssimas “Jornadas” de Tomás Ribeiro (das quais eu sabia haver um exemplar no fundo ALV), quando uma série de incidentes bizarros me levou a conhecer um espaço extraordinário. Vamos por partes:

a) por um lado, a net da minha residência deixou de funcionar (já andava de saúde cambaleante, e terá sucumbido de vez), para indignação dos moradores e desespero dos administradores (com Éric S. à cabeça). Ora, sem net, não havia possibilidade de, em casa, confirmar a cota das “Jornadas”. “Não há problema”, pensei, “trato disso na biblioteca”;

b) no entanto, mal lá cheguei – e tendo achado imediatamente suspeito um ajuntamento de grande parte das funcionárias no hall de entrada, todas ostentando ar de grande inércia – descobri que os servidores de net da CML estavam todos “em baixo”, e que os engenheiros da Câmara (pela “celeridade” com que atalham os problemas que se lhes colocam, talvez os mesmos da Residência! ) afirmavam ser problema “para durar” (expressão vaga e, por isso mesmo, suscetível de gerar apreensão!)!

c) na verdade, todos os que costumam frequentar com assiduidade bibliotecas não se assustam com estas falhas informáticas. A pergunta que, em tais ocasiões, imediatamente se faz é “ok, não há problema, eu sei o título e o autor, pelo que vou ver ao ficheiro manual. Onde está?”. É então que se dá mais um momento insólito, quando a funcionária retorque, sem hesitação nem rebuço: “Ah, mas nós não temos ficheiro manual!”. Lá tentou o Luís rebater, argumentando da forma mais lógica possível “Bom, terão certamente… é o ficheiro antigo, o que usaram como base do atual… são umas fichas, está a ver… compreendo que não deva estar à vista, devem tê-lo guardado numa sala menos usada…”. Não fiquei, porém, sem resposta pronta: “Não, não! Já não o temos… deitámo-lo fora, mal se acabou a nova versão!” (!!!!!!!!!!!!!!!). Nessa altura, quase explodi “QUEM deita fora um ficheiro!!??” Por amor de Deus! Em todas as bibliotecas dignas desse nome, mundo fora, os velhos ficheiros em papel são cuidadosamente conservados, e revelam-se, por vezes, de grande utilidade. As respostas que obtive – quer da funcionária, quer da bibliotecária, cuja presença invoquei – foram no mínimo bizarras: “Deitámo-lo fora porque ocupava muito espaço” (um ficheiro?? e a biblioteca, que não tem assim tantos livros, está instalada num solar enormíssimo!); “Deitámo-lo fora porque, à medida que introduzíamos os dados das fichas na base, lançávamo-las para o lixo” (porque diabo não voltaram a arrumá-las??!!).

d) já desesperado, lembrei-me de sugerir uma ida ao depósito, para ver se se encontravam as malfadadas “Jornadas”. Eis quando a bibliotecária – senhora super solícita, acrescente-se, que tomou (como não podia deixar de ser, depois da argolada do ficheiro deitado fora, ainda que feita em tempos passados!) como sua a causa de encontrar, entre os livros de Lopes Vieira, as impressões goesas de Tomás Ribeiro – se recordou que, afinal, e como se tratava de uma obra que pertencera ao poeta da Vieira, sempre podíamos consultar o ficheiro da sua biblioteca particular, a tal que fora doada ao município, e cujo ficheiro, felizmente, o município tivera por bem conservar!

e) foi neste enquadramento que, a meu pedido – e talvez para me compensar de todos estes desaires –a bibliotecária, muito gentilmente, me deixou acompanhá-la a um dos espaços mais interessantes que já conheci em Leiria! Imagine-se uma grande sala nua, na qual – exatamente como se se tratasse de um cenário, mas sem “abertura para o público” se montaram as estantes (que na divisão original iam do chão até ao teto, rodeando integralmente toda a divisão) que outrora pertenceram a Lopes Vieira. Entramos, assim, pelo espaço reservado à porta na sala inicial. Trata-se de uma reconstituição, o mais fiel possível, do espaço de trabalho original do autor, com as mesmas estantes pintadas de verde, os mesmos livros, dispostos na ordem que Lopes Vieira os mantinha, os retratos que pendiam nos pontos mais altos. A um canto, a mesa de trabalho do poeta; noutro extremo, um bufete de torcidos e tremidos que, não sendo embora o original, o substitui na perfeição (eles também são todos mais ou menos parecidos, na verdade). A diferença reside numa vitrina discreta, onde se exibem alguns objetos pessoais do doador: coisas banais, mas curiosas por terem sido suas, como tinteiros, facas de papel, relógio, retratos em miniatura, uma (bastante feia, como eram naquela época quase todas!) pasta de curso forrada a veludo e com uns arrebiques de prata.

Ou seja, naquela casa conseguiu-se fazer o que de pior e melhor se pode fazer numa biblioteca municipal: por um lado, deita-se fora o ficheiro em papel; por outro, mantém-se aquele notável espaço. E, naquela velha sala inserta num espaço moderno, sentindo em todos os cantos a presença do autor tão celebrado em Leiria (nem a fotografia, em velha moldura, do seu admirado tio Rodrigues Cordeiro foi esquecida), houve alguns aspetos que me deixaram uma impressão mais profunda. Desde logo, a própria ambiência. Nenhum bisneto desse fanático do movimento integralista que foi “Sílvio Luso” e nenhum filho do impenitente monárquico ACO pode – mesmo que não partilhando de tais ideais – ficar indiferente a um espaço onde se “cheira” integralismo lusitano e em todos os cantos se entoam loas à monarquia. 
Depois, a ideia – brilhante, brilhante! – de usar um pequeno contador (banal, nada de peças indo-portuguesas de grande valor; uma coisa do século XIX, com bom ar) como ficheiro do catálogo dos livros! J Eu já tinha vontade de, um dia, quando tiver espaço para isso, aproveitar um para guardar (para além dos clássicos para arrumação de papelada) peúgas e afins. Agora, fiquei com vontade de afetar outro a este fim de móvel-catálogo! Bem pensado, ALV! 
Mas – odores integralistas e contadores à parte – o que me chamou mais a atenção foi o candeeiro do poeta. É, claro, uma peça veneranda, pelo que já um tanto estragada. Mas é TÃO excelente exemplo do orientalismo português do séc. XIX e da forma, fantasista e colorida, como, então, eram entendidas as já tão pequenas Goa e Macau que se torna notável! O corpo resulta da adaptação de uma velha jarra macaense. O abajur – a minha parte preferida! – é constituído por uma estrutura metálica que, adaptando-as a outro fim que não aquele para que foram concebidas, encaixilha uma quinzena de velhas gravuras (no jeito das do Herédia) com vetustas representações dos mais “lendários”… vice-reis da Índia! J

Um dos vice-reis já caiu da armação, e a porcelana de Macau já não terá o brilho de outrora. Mas é extraordinário encontrar, em plena Leiria, e dentro daquela sala/cenário notável, num canto relativamente resguardado e obscuro, um objeto que de forma tão veemente ilustra um Estado da Índia como talvez nunca tenha existido mas como, por vezes, gostamos (ou caímos na tentação de) o imaginar.

No centro de Leiria, senti uma brisa quente chegada diretamente dos solares das elites católicas brâmanes de Loutolim… e atirei-me à análise das “Jornadas” com redobrado fervor! ;)

Friday, May 11, 2012

Vidas apartadas

Soube, há muito pouco tempo e quase por acidente, da separação de uma conhecida minha e do seu companheiro de longa data. Para não variar - já se sabe que eu sou a cabeça mais despistada nessas matérias, e que nunca percebo quando os relacionamentos dos que me rodeiam terminam, hibernam, começam, alternam (pelo que passo o tempo a surpreender-me, e a dar respostas do génere "A sério? Imagina que não me tinha apercebido de nada!") - tudo me tinha passado ao lado (na verdade, também não falamos de pessoas que eu acompanhe muito proximamente).
Mais: eu achava que o par em causa formava, digamo-lo de uma forma um tanto ou quanto oitocentista, um "casal perfeito"!
Eram os dois da minha zona da cidade, tinham feito o seu percurso escolar "normal" e muito bem sucedido, ambos tinham encontrado bons empregos e viviam com conforto. Namoravam (isso eu já achava um pouco menos comum, mas acreditava piamente que todas as regras têm a sua excepção, e que era possível que eles tivessem tido a sorte(?) de ter encontrado o "match" certo cedo) há 749 anos (isto é, basicamente desde o 10º ano), e tinham já uma criança. Ou seja, eram - ou melhor, pareciam ser - o que se diz ser "perfeitos um para o outro". Em tudo compatíveis.

No entanto, não funcionou. Pior: aparentemente, já não funcionava bem há algum tempo. E, para não variar, o "cego" do Luís ficou espantadíssimo.

Nestas alturas, está claro, todos alvitram, e todos têm o seu alvitre pelo mais acertado, e o seu juízo o mais bem fundamentado. Vários consideram que um namoro excessivamente longo pode impedir-nos de abrir portas. Outros, advogam que, por vezes, somos tentados a manter - por razões tão diferentes como comodismo, pressão social (o achar-se que se é um "casal perfeito", como eu achava, não deixa de ser uma forma de pressão), ou mesmo por uma das partes gostar mais da outra do que vice-versa - as relações mesmo quando já sabemos que elas não são tão motivantes quanto gostaríamos (e, acrescento, quanto devem ser).

Não ponho em causa estes considerandos... mas penso noutro reflexo desta questão. Será que o problema é os dois serem "demasiado perfeitos" um para o outro? Assentará o busílis no facto de ambos formarem demasiado bem e demasiado facilmente um "casal ideal"? Pois... será que isso "mata" aquele extra de qualquer boa relação que é a contraparte ser - mais do que adequada ao que procuramos (isso é básico, certo?...) - um permanente desafio? O ter pontos fortes de contacto connosco mas, em simultâneo, manter diferenças que, a nossos olhos, tornam o outro (ainda) mais interessante e fascinante? O ter qualidades e talentos que não temos - e que podem ou não ser complementares dos nossos interesses - e que isso nos faça, por um lado, ter imenso orgulho nas capacidades daquela pessoa, e, por outro, pôr as nossas a render ao máximo, para mostrarmos constantemente o nosso valor?
Pensando mais do que dois minutos sobre o assunto (eu disse que a notícia me tinha apanhado desprevenido!), acabo por quase concluir que as relações mais duradouras e felizes que conheço (eu, que acredito piamente na felicidade constante de uma looooonga relação) são, na verdade, entre pessoas que, não obstante partilharem de afinidades essenciais, têm vários pontos em que divergem, bem como vários interesses que, aparentemente, não se coadunam facilmente.

Se calhar, os casais "ideais" são esses, e não aqueles que, parecendo tão terrivelmente o espelho um do outro, acabam por se perder nas águas paradas dessa mesma compatibilidade.

Wednesday, May 09, 2012

Verdade, bem verdade!

agruras de um investigador! ;)
Mas o sol magnífico que hoje começou a brilhar certamente dissipará muitas dúvidas e hesitações!

Monday, May 07, 2012

As festas da Judith

Foi com surpresa que li, na última edição da revista do Expresso, uma breve - daquelas meio "coloreadas" - que dava conta de "A mais recente tendência dos encontros rápidos para encontrar parceiro são as chamadas festas das feromonas". E como se a coisa não fosse já suficientemente estranha, acrescenta-se que "nas quais (ditas festas) se tenta encontrar o par ideal cheirando as suas roupas" (!!).
A ideia - no mínimo, peregrina - terá derivado da mente de uma norte americana de 25 anos chamada Judith Prays. Ora, sustenta a Judith (que creio não dever ser muito bem sucedida no que a relacionamentos diz respeito) que tudo isto tem uma base científica ("A tese é a de que, sendo as feromonas substâncias químicas segregadas pelo corpo humano que interferem no estímulo sexual, nada melhor do que o cheiro para encontrar par") e empírica - baseada na sua experiência pessoal , explicando que "a primeira vez que saiu com alguém por razões puramente físicas" (!! prefiro não comentar...) o fez com uma pessoa cujo odor a inebriou. Terá sido, no mínimo, uma experiência agridoce, pois, segundo a mentora deste novo movimento, o odor de tal companheiro "excitava-me, mesmo sendo objetivamente repulsivo". Enfim, valeu-lhe certamente o ter sido uma "saída puramente física"!
Bom, o certo é que Judith - talvez por saber que a melhor forma de ultrapassar um trauma é banalizando-o - começou a promover meetings onde, em vez de interesses comuns ou mesmo da clássica empatia , se privilegia, acima de tudo, a compatibilidade de odores.
Mas... como fazê-lo? Como poderemos nós embalar os nossos odores de forma a descobrir os matches mais adequados? Pavoneando-nos depois de uma partida de ténis? Ficando uma semana sem dormir? Judith, alma inspirada, descobriu a solução. E passo a citar novamente:

Eis a receita:
"Comprar uma camisa de algodão, e dormir três dias seguidos com ela, para que fique bem impregnada do cheiro do utilizador. Levá-la (para a pheronome party a que se deseja ir) num saco de plástico hermeticamente fechado (cor de rosa se for mulher, azul se for homem)".

Depois: os sacos são numerados, e estão prontos para ser cheirados por quem bem o quiser fazer. Se, após muitas snifadelas, encontrar um cheiro que lhe parece interessante (ou terá de ser excitante, mesmo sendo objetivamente repulsivo, como o do amigo da Judith?.... confesso que fiquei sem ter certezas...), basta avançar, destemido, para o dono/dona da camisa. Mesmo que seja um ogre, nada tema! As feromonas compatíveis garantir-lhe-ão pelo menos uma noite em que pode sair com o ogre "por razões puramente físicas".

Confesso, sinceramente, que já há muito não lia uma coisa tão deprimente! Há, realmente, gente muito desesperada mundo fora, para, de forma intencional e premeditada, andar a cheirar roupa suja de estranhos! E a seguir dicas de uma desmiolada como Judith Prays!
Confesso, também, que até sou um rapaz que se guia muito por cheiros, e para quem muito depende também do mundo dos odores. Existem os que inebriam por completo, e os que repelem absolutamente, mesmo que exalados por seres fascinantes sob outros prismas... E não, tal não acontece apenas quando estou com as minhas cíclicas e chatas enxaquecas, que me transformam num perdigueiro de olfacto tremendo! Já houve cheiros que me conquistaram, e creio que assim continuará a acontecer. Mas jamais, jamais mesmo!, me passaria pela cabeça de pedir a alguém em quem tivesse um mínimo de interesse "olha, vai ao cesto da roupa suja, arranja uma camisa que esteja lá bem no fundo, e dá-ma cá, para eu lhe dar uma boa cheiradela. Sem isso, nada feito". Se assim fosse, em vez de somente o olfacto de perdigueiro, todo o meu comportamento seria verdadeiramente... canino!




Floc'h para Cartier

Uma vida fácil! ;-) (talvez demais?!)

João Ricardo Pedro e Dona I, ou a dupla face da LeYa

É uma das notícias de hoje: João Ricardo Pedro, o engenheiro desempregado que, dedicando-se à escrita, compôs "O teu rosto será o último" receberá o prémio LeYa, das mãos do primeiro ministro. O montante em questão são uns muito significativos 100.000 euros, que não só recompensarão o labor do jovem escritor como espelharão a pujança da editora e patrona e, de alguma forma, a sua magnanimidade.
Não quero pôr, de forma alguma, em causa os talentos de Pedro (de quem jamais li uma linha, o que é, indubitavelmente, uma falta minha), nem a justeza da iniciativa da LeYa. Jamais poderia levantar o dedo a quem, colocando em prática uma parábola do meu especial agrado, "põe os seus talentos a render", e disso colhe os merecidos frutos - como me parece ser o caso de João Ricardo. Em paralelo, nunca condenarei a capacidade de construir impérios (que admiro impenitentemente) e, um pouco à semelhança do meu Pai, não posso deixar de admirar que um descendente das velhas famílias beirãs que todos dão por árvores esclerosadas e sem fruto tenha erigido uma LeYa.

Mas esta é apenas uma das faces da questão.

Junto à minha casa, numa zona em Coimbra onde a média de licenciados e gente letrada (signifique isso o que significar) por m2 é deveras significativa, funcionava há muitos e muitos anos uma pequena livraria, gerida pelo Sr. L e pela Dona I, um casal com quem quase todos nos dávamos bem. A pequenina loja - negócio familiar, sem ambições a altos voos (não obstante conseguir sempre arranjar-me alguns livros mais "difíceis", como as edições do ICS, que não sei porquê teimam em estar arredadas dos circuitos comerciais normais) - foi-se mantendo. Com pequenas dívidas a pequenas editoras, que iam sendo solvidas à medida que os clientes iam adquirindo mais livros, and so on.
Pois bem: para pena generalizada, e após algum tempo de agonia, a Dona I. viu-se constrangida a fechar portas. A razão? A crise, certamente - e igualmente alguns motivos de índole pessoal. Mas também a política monopolista de uma LeYa que vai crescendo incessantemente, "devorando" pequenas editoras e jogando com os pequenos livreiros... quem tenha uma dívida a uma das editoras que constitui o gigantesco grupo, fica inabilitado para adquirir livros comercializados por qualquer das outras que igualmente o compõem. Com o grupo a engordar, o campo de acção para os livreiros menos cumpridores (mesmo que tenham sempre adotado o mesmo esquema de vendas) vai-se estreitando, estreitando... até ser impossível respirar.

João Ricardo Pedro recebe hoje os seus merecidos 100.000 euros, das mãos do primeiro ministro... mas quantas Donas I. não terão ficado sem emprego e quantas livrarias não terão fechado portas para pagar as parangonas dos jornais?

Sunday, May 06, 2012

Burtoniana

Estou a reler o Goa and the blue mountains, de Richard Burton... e sinto sempre o mesmo: é uma pena (uma deliciosa pena, se assim se pode dizer) que este homem escreva tão bem e de forma tão divertida... para dizer tanto mal de Goa e das minhas estremecidas elites brâmanes e chardós católicas!
PVG, numa crónica que ficou célebre de entre as "Cartas de cá" que foi dando à prensa nas páginas do "Público", tratou-o de forma duríssima: "Foi então que (os ingleses) começaram a desprezar os portugueses por sistema. Já os (nos?) desprezavam aleatoriamente, mas, a partir dos primeiros anos de Oitocentos, passaram a considerar os portugueses sempre piores que pretos: mestiços, ou seja, preguiçosos, incompetentes e, para cúmulo, católicos. É exemplar a prosa de Richard Burton, o explorador e intelectual que escreveu sobre Goa em 1859. São algumas das mais odientas linhas alguma vez escritas contra o Portugal decadente, tropical, pobre, de pele escura e uniforme roto que alguma vez foram postas no papel.".É impossível, ao ler-se esta obra, não sentir o mesmo: uma indignação surda que cresce em torno das considerações acres, da sobranceria, da mofa que este jovem britânico vindo de Bombaim faz daquela que por tantas vezes gostamos de imaginar (mesmo sabendo que não era bem essa a verdade...) a "Roma do Oriente". Os militares decadentes, o governador demasiado próximo, a redução das elites católicas a um bando de bêbados que batem nas mulheres, sabem latim e têm muito prazer em servir de guias ao "sahib" inglês... o escárnio perante a imortal Velha Goa, o considerar tudo pequeno, provinciano, pobre, acabado. E, sobretudo, o dizê-lo com algum espírito. E, mais ainda, o sabermos que muito do que disse pode ter um lado verdadeiro... ou, mesmo, que grande parte daquelas linhas são certeiras. É tudo uma questão de ângulo, um jogo de reflexos (ou de "contraluces", aproveitando-me de um termo castelhano que considero extremamente eficaz). Burton não viu as coisas pelo nosso ângulo: viu destroços onde ainda hoje divisamos ruínas românticas, viu criações horrendas em vez das maravilhas artísticas ditas indo-portuguesas que tanto apreciamos, viu porcos e imundície nas ruas de uma Pangim onde reconhecemos muitas das nossas vilas, viu barbarismos ridículos no nosso kitsh latino (generosamente temperado com o seu congénere do Concão). Viu tudo o que vemos, ainda hoje, mas com outros olhos. "Viu mal" - gritamos! "Não é nada disso!" Mas, se calhar, Burton mirou Goa como a maioria das pessoas que não a meia dúzia de portugueses e goeses que ainda estão um bocadinho rodeados pelos "fumos da Índia" (esses fumos inebriantes que nos intoxicam docemente desde Albuquerque) a olham. Como, ainda hoje, os seus conterrâneos, quando passeiam entre os palmares da "Outra Lisboa", em vez de se assombrarem com a sequência de abóbadas e campanários e com as cruzes implantadas em todas as direcções, apenas perguntam "PARA QUÊ tantas igrejas, tantos conventos, tão grandes mosteiros? E qual a razão para tamanho orgulho neles?". 
Quando releio Goa and the Blue Mountains tento perceber este ponto de vista, e acho que até consigo fazê-lo com algum proveito.
Mas, Burton, Burton... jamais te perdoarei o "odiento" (para usar as palavras de PVG) retrato que fazes dos BCs! E tenho sempre de controlar a vontade de gritar, dos altos do Monte da Bela Vista, à sombra do beato-brâmane-católico (conceito que não quiseste compreender) José Vaz: 
"Não percebeste NADA!"
Mesmo sabendo que este meu ponto de vista é tão parcial como o teu!

O retorno (?)!

Há já uns tempos, quando estava a discutir com um amigo/colega sobre alguns dos posts (SEMPRE assaz polémicos) que ele tinha exposto à luz crua da opinião pública, lembrei-me destes meus pobres Prazos, que têm andado tão negligenciados - apesar de tudo  menos, quero crer, do que os seus homónimos poiarenses, agora desfalcados em meia centena de pinheiros - graças à pouca diligência deste seu curador. A Ministra A. Cristas não me perdoaria, decerto, tal incúria, e ainda corro o risco de que a mesma entregue a posse destes meus micro-feudos a um qualquer jovem agricultor com pretensões a proprietário rural consciencioso.
Por isso, mãos à obra! Retomemos a cultura deste (e doutros) Serrazins!
E é com satisfação que, por um lado, constatamos que os Prazos estavam aqui, silenciosa e discretamente, à nossa espera, e, por outro, nos congratulamos por não os termos "deletado" em tempos de maior esquecimento (bem... já dizia o tetravô Mil-Anjos que "quem guarda, acha"! ;) ).
Por assim ser, lancemos fora meia dúzia de afazeres supérfluos que nos impeçam de, de vez em quando (mas com regularidade), nos dedicarmos a este Serrazim virtual, subamos a qualquer veículo (pode ser mesmo uma bicicleta, até porque AINDA não tenho carro!) e... a caminho!