Tuesday, November 29, 2016

Indo eu, indo eu… ou instantes da vida real


 - Ai, Deus, estou mesmo louca para ir para Chaves! – suspirava uma aluna imobilizada na fila que se eternizava no bar, rumo à caixa registadora, enquanto brandia furiosa e perigosamente a sua sandes de ovo cozido.

- Quanto tempo demoras na viagem? – perguntava a colega.

- Umas seis horas… e vou pelo caminho bom! Se não for por Coimbra, perco meia hora com a troca de camionetas.

- Mas o que é que tu fazes durante o caminho?

- O que é que eu faço?

- Sim! Dormes?

- Eu posso lá dormir! Eu vou louca por ir para Chaves! Penso lá em dormir! Só em ir para Chaves!

- Mas se não fizeres nada o tempo demora mais a passar.

- Ora, o que hei-de eu fazer?

- Sei lá… Se não queres dormir, podes ler.

A resposta veio acompanhada por um olhar de genuíno espanto:

- Ler?? Ler!! Mas quem é que lê? E para que é que eu vou ler? E ler o quê?

- Um livro, uma revista…

- Ora, balelas; isso ouve-se tudo na tv.

Logo acrescentando:

- E não há cabeça para isso quando se vai para Chaves!

- Podes ouvir música…

- Ah, nem me fales nisso!! Eu estou morta, morta por dentro! O meu MP4 avariou-se! Morta, estou morta e bem morta!

- Acho que o teu MP4 é que morreu, não tu…

- Ai sim? Então e diz-me lá como é que vou para Chaves sem o MP4??

De repente, surge uma lembrança.

- Eu tenho é de levar comida! Sempre que vou para Chaves janto na camioneta.

- Pode-se jantar a bordo?? Julgava que era super-proibido.

- Isso foi porque nunca foste a Chaves. Eu janto sempre! Ai, e o que vou eu levar?

- Vai ao Pingo Doce e compra pão e atum e fazes uma sandes.

Desta feita, a réplica veio envolta num tom de ira:

- Pão com atum? E ainda por cima tenho de ser eu a preparar isso? Não tenho tempo. E a caminho de Chaves? Isso é lá jantar!

E, ato imediato:

- Já sei! Vou é levar um especial [ie, hambúrguer especial, recheado com batata frita palha e doses generosas de ketchup e maionese, bastante gordurento]!

- Mas olha que é muito arriscado. O condutor não vai deixar.

- O condutor nem nota! Eu vou lá para o fundo e não faço barulho.

- Mas vai sentir o cheiro. E podes sem querer sujar o estofo do teu lugar com os molhos.

- Não quero saber!

- Não??

- Claro que não: não sou eu quem limpa! Sujei, que limpem! Pois não paguei bilhete? E eu nessa altura já estou em Chaves… Ahhhh, quando chegar a Chaves e vir a minha mãe…

- Deves estar cheia de saudades dos teus pais.

- A mim o que mais me lembra agora é o bife que a minha mãe me vai fazer mal chegue! Um bife grande, enorme! De carne de Chaves.

- Mas tu consegues comer assim um bife a meio da noite, depois de seis horas de camioneta?

- Então não? E antes, no ano passado, quando era caloira, também iam uns dois ou três pasteizinhos quentinhos.

- É uma sobremesa de lá?

- Náaa, em Chaves é tudo dado aos salgados. São folhados e têm carne picada.

- E tu comias o bife E esses pastéis? – espantava-se a outra.

- Pois claro!

- Depois dizes que estás gorda… E estás mesmo.

- Não estou nada! Eu sou é grande! De qualquer forma, agora é só mesmo o bife. Aiiii, esta fila não anda… Olha, que lindas merendinhas! Podia levar duas, amanhã, para ir desenfastiando a caminho de Chaves!

- Eu, se fosse tanto tempo na camioneta, e a comer tudo isso, não chegava lá viva.

- Ora, tu não sabes mas é o que é bom…

E logo:

- Quem será o motorista?

- Costuma variar muito?

- Ná, é um de dois. Um vai o tempo todo a ouvir o futebol, o outro passa a viagem a ouvir missa.

- Durante seis horas?!? Qualquer um desses cenários parece horrível.

- Não é nada! Vale a pena! É assim quando se vai para Chaves!