Saturday, April 25, 2009


Nuno de Santa Maria

O Beato Nuno Álvares Pereira - ou, no final da sua vida, após ter recolhido ao seu Carmo, Nuno de Santa Maria (ou ainda, para os saudosistas de tempos que não voltam, suspirando pelas paradas da MP, o Santo Condestável) - foi hoje canonizado. Muitos foram os que acorreram ao Vaticano (independentemente da fé de todos os que quiseram presenciar o momento, qualquer motivo é excelente justificação para uma ida a Roma), e muitos foram os que criticaram tal afluência.
Assim, ao som de aplausos e apupos, Portugal conta com mais um santo. Sobre este assunto, creio que duas palavras se podem dizer. Por um lado, lamentar o ridículo do milagre suplementar alegado para se proceder à canonização (é bem conhecida a lógica: 1 milagre=beato, 2= santo). Não seria melhor referir o que de excepcional teve o dito cavaleiro? Sanguinário? Decerto!Obstinado até à obsessão? Concerteza!Enredado num misticismo profundo que lhe servia de justificativa e esteio? Naturalmente! Uma personalidade complicada e difícil? Seguramente! Mas um homem de convicções (acertadas ou erradas, isso não é para aqui chamado - cada um acredita no que quer) firmes, alguém que prosseguia resolutamente os seus fins! Isso - creio - merece o respeito de qualquer um de nós.

Em segundo lugar, divulgou-se largamente que Nuno de Santa Maria seria apenas o 7º santo nacional! SÉTIMO? QUE MISÉRIA! É quase um por século - é mais do que escasso, é vergonhoso!
E como andamos iludidos no nosso dia-a-dia. Apesar de (também) termos carência de compatriotas que usufruam do direito de serem elevados aos altares, como acreditamos, pia e inocentemente, que temos dúzias deles à nossa disposição!
Basta um exemplo (altamente esclarecedor): só Coimbra considera "seus" os seguintes "santos":

1) S. Teotónio
2) Rainha Santa Isabel
3) 1/3 de Santo António (em partilhas com Lisboa e Pádua)
4) S. Paio de Coimbra
5) Santa Comba de Coimbra
6) Santas Teresa, Sancha e Mafalda
7) Os Mártires de Marrocos - que são logo 6!

Portanto, conto 13 1/3! Quase o dobro (a acreditar nas noticias) dos santos que pertencem a todo o país.
"Há muitos beatos à mistura", dirão.

Eu sei que sim.

Mas o que será melhor? Deixarmos os portugueses permanecerem na doce ilusão de viverem rodeados de santos seus conterrâneos? Ou confrontá-los com a sua pobreza (também) neste domínio?

Thursday, April 23, 2009


queda televisiva

Um amigo que muito prezo - e que trabalha nos meandros televisivos nacionais - numa das inúmeras conversas/discussões que travamos, alertou-me para os efeitos dramáticos que a exposição televisiva pode ter. Três segundos "no ar", num qualquer programa, podem destruir sólidos sentimentos de admiração e respeito por alguém. Recordo-me bem que o assunto veio a talhe de foice por causa de Vital Moreira e ... João Pereira Coutinho.
De Vital nada tinha (ou tenho) a dizer, e vê-lo no pequeno ecrã não me surpreende. Fui, durante dois anos, seu aluno, pelo que acho que está igual ao que sempre foi nas aulas - devendo acrescentar, para evitar quaisquer más interpretações, que foi um professor de que gostei bastante! Claro, culto e directo, Vital trouxe, inegavelmente, um novo fôlego ao ensino do Direito Administrativo na velha "alma mater" conimbricense.

Pois, o problema, estando longe de se relacionar com Vital, prendia-se com... Pereira Coutinho.

Confesso que, muito embora não partilhe frequentemente de muitas das suas opiniões (quer políticas, pois o rapaz é incrivelmente conservador, quer literárias, quer mesmo de vida - ele não gosta de praia, Deus meu!), nutro - ou deverei dizer "nutria"? Confesso que ainda não me decidi... - profunda simpatia cronista e pelos seus escritos. Quer se tratasse dos textos que vai publicando pelos jornais nacionais, quer das crónicas "paulistas" (que, inteligentemente, reuniu em volume, que publicou), quer mesmo do seu blog (mesmo apesar de este se achar mais ou menos votado ao abandono). Raríssimas eram as vezes em que não sorria interiormente, ou ria desassombradamente, com a sua escrita simultaneamente elegante, culta e ... fantasticamente certeira e acutilante!
Aliás, João Pereira Coutinho (que não é muito mais velho do que eu - creio que nos separam dois anos) era uma das personalidades "de direita" (outras há, à esquerda) que, mais ou menos da minha geração, eu considerava dignas de alguma atenção. Era, nesse patamar de gente que se admira, parceiro de pessoas como Assunção Cristas ou, mesmo, Marina Costa Lobo. Gente da "minha idade" e que tinha percursos de vida que pareciam interessantes e de sucesso.

Hoje, já não creio poder afirmar admirar o cronista e as suas crónicas.

As crónicas, e demais textos, permanecem objecto da minha consideração. Acho que continuarei a ler João Pereira Coutinho por muitos anos - e espero que com tanto prazer como tenho tido até agora.

No entanto, o autor, o autor... bom, o autor decaiu, e muito. E esta queda - brutal, sonora e profunda - deveu-se, a meu ver, a dois ou três motivos.

Por um lado, a prestação de Pereira Coutinho, aos sábados, no debate moderado por Constança da Cunha e Sá, onde é companheiro de Francisco José Viegas e daquela senhora irritante que usa constantemente blusões de couro (estará umas décadas atrasada?), que penso ser de Vila Franca de Xira e de quem todos conhecem o nome. No primeiro programa, que vi com atenção, a decepção foi grande, foi enorme. Pereira Coutinho falou pouco, não teve as intervenções espirituosas de que eu estava à espera, não cumpriu o seu papel de menino mimado mas terrível de direita. Foi uma prestação baça, insignificante - e que não me parece diferir grandemente, na essência, das que se seguiram até hoje.

Por outro lado, fiquei a saber que João Pereira Coutinho deixara de escrever nas páginas da Única, para as trocar pelo Correio da Manhã. Nada mais há a dizer sobre isto, naturalmente... o que está escrita basta!

Em paralelo, num dia em que me passeava pela António Enes, vi pela primeira vez o senhor "ao vivo", "em carne e osso". Pois bem... eu já tinha achado que a sua imagem, na televisão, não correspondia exactamente à ideia que eu tinha dele. Achava que devia ser muito inglesado no traje, que devia procurar manter um certo ar de intelectual dos anos 50 com um cheiro oxfordiano. Mas, apesar de tudo, com apurado sentido de "estilo". Enfim, enganei-me redondamente.

Por fim, a machadada final foi dada no último Domingo, na entrevista que o mesmo deu a Alexandra Lencastre. Mal começou a conversa entre ambos, lá estava eu, frente à televisão, curioso para saber como a mesma correria, desejando limpar a má imagem que tinha do rapaz. Pensava que JPC poderia ter tido uma má prestação inicial na TV, que estava a ser demasiado exigente, etc., etc.
Cedo me apercebi, contristado, que, aos meus olhos, dificilmente Pereira Coutinho retomaria o lugar onde estivera durante alguns anos. QUE ENTREVISTA PALERMA, senhores! Que conversa mole, que série de banalidades. Um rapaz que não conseguiu acabar Direito, que se cria um génio intelectual, que tentou o mundo do cinema, que, que, que... que tantas coisas, mas todas elas parecendo, ali, tão banais e desinteressantes! Um homem que adora o Dr. Phil e que fala repetidamente de pijamas! Onde estava o João Pereira Coutinho brilhante, mordaz, acutilante, culto e crítico, da palavra certeira e da opinião cortante?

Existirá?
Terá sucumbido face ao poder dos holofotes televisivos?
Ou será que estes apenas mostraram, com a crueza que por vezes a televisão pode ter, JPC como realmente é - para desconsolo de vários admiradores, nos quais eu me incluo?

Saturday, April 18, 2009

qeshm, ormuz e o "homem das barbas"







vitória lusófona ;)

Parece ser, finalmente, oficial: após anos de espera e de suados esforços, a FCG chegou a acordo com as autoridades iranianas responsáveis e poderá dar início a trabalhos de restauro nas fortalezas de Ormuz e Qeshm. Não se louva tal iniciativa pelos cabelos brancos que a tomada destes pontos estratégicos e a manutenção das ditas fortalezas terão, concerteza, feito aparecer nas (célebres e vetustas) barbas de Albuquerque - embora até ficasse bem ter, assim, uma palavrinha simpática para com a memória de um parente longínquo...- nem pelos feitos militares que elas representam.

Relembra-se, sim, o gigantesco cordão - mais marítimo que terrestre, como é bem sabido - de que as mesmas faziam parte (e do qual eram importantes componentes), que permitiu, durante décadas, a ligação das nossas praias ocidentais sombreadas de pinhais com os areais goeses semeados de palmares. Mais do que uma história de conquista, achamos que Ormuz e Qeshm devem ser lembradas (sem, contudo, e naturalmente, perder de vista os muitos abusos que sob a as suas muralhas se permitiram) como uma passada determinante na compreensão de um encontro. Encontro que esteve longe de ser inofensivo, que esteve longe de ser consensual, que esteve longe de ser idílico - mas que mudou a nossa maneira de ver o mundo e de nos vermos a nós mesmos.


Santa Clara Lusófona

Com (dizem, e consta - e apesar das reivinicações, esperadas e desinteressantes, dos grémio dos projectistas indignados, que souberam esperar pela véspera para tentar boicotar o eventual brilho do corte da fita de fim de obra/início da abertura ao público, e daqueles que, de repente, se arvoraram em defensores de todos os centímetros quadrados do Choupal) a pompa e circunstância possíveis, o resultado dos 12 longos anos em que Santa-Clara-a-Velha se tornou num imenso estaleiro foi hoje inaugurado. A cidade de Coimbra pode (e deve), pois, voltar a usufruir de um dos seus espaços mais originais (e, até agora, mais desprezados).

E Santa Clara, como está, com ou sem pompa (embora com seja sempre melhor...), com ou sem ministro, com ou sem Sócrates, abriria sempre bem. Fui um dos - felizmente, muitos - que aproveitei, não obstante a chuva incessante que fustiga estas veredas do Mondego, para, na primeira oportunidade possível, dar uma vista de olhos ao novo "sítio arqueológico" (é assim que se diz, fiquei a saber) desta nossa urbe, sempre criticada no que toca às suas iniciativas. Confesso: o tempo não deu para ainda ver a "ruína" (como lhe chamam) propriamente dita: limitei-me, por imposições de horários de funcionamento, a ver as novas instalações, ou seja, o que foi edificado de raiz. Nestas, para além de um bar com um ar simpático e de um pequenino mas muito confortável auditório - onde se passa uma fita bem feita com um resumo da História do local (na qual souberam usar, de forma inteligente, os recursos, humanos e físicos, que o quinto-joanino Louriçal ainda tem para oferecer) -, para além de uma loja que, apesar de ainda não ter aberto portas, já vai exibindo linhas de produtos bem apelativas, avulta o espaço museológico. Não é uma mostra ampla, mas uma recolha, bem feita, com belas peças (umas encontradas nas escavações, outras generosamente emprestadas pelo MNMC) e boas explicações - há até um vídeo para criancinhas (surpreendente criação da ESEC, que superou, admito, as baixas expectativas que em relação a tudo o que produza sempre tenho) que se vê com prazer e não cai na patetice fácil e no recurso àquela linguagem infantil que os nossos ditos especialistas dizem ser a mais adequada, mas que enerva miúdos e graúdos. Vê-se que houve trabalho e, sobretudo, que houve cuidado. Percebe-se o esforço dos responsáveis em retratar aquela comunidade religiosa ao longo dos tempos. E isso não é tão comum quanto, à primeira vista, possa parecer. Não em Portugal - e, sobretudo, não em Coimbra.

Um dos núcleos mais interessantes que se acham na mostra é, a meu ver, o das peças orientais. Poucas, mas de grande qualidade - e cabal expressão de que as clarissas coimbrãs dos séculos XVI e XVII eram certamente muito menos pacóvias e provincianas do que a generalidade das pessoas pensam. Entre elas, há alguns objectos puramente ornamentais, como um par de leões chineses brancos de porcelana, pequenos mas magníficos. Este conjunto foi restaurado com o providencial subsídio da Fundação Oriente.

Olhando para aqueles pratos e aqueles gomis que vinham de tão longínquas paragens, observando as tacinhas quase translúcidas de porcelana da China, mirando o par de leões de goelas escancaradas e jubas revoltas, ao lado de um cofre oriental e precioso, percebemos que esses objectos - mesmo que, naturalmente, fossem encarado como peças de luxo - já faziam parte do quotidiano de um mosteiro no centro de Portugal. Pedacinhos da Índia e da China que talvez tenham sido enviados por parentes, amigos (quiçá admiradores...), que tenham feito parte de dotes, que tenham sido ofertas ao vetusto cenóbio, ou que, mais prosaicamente, tenham sido adquiridos a um comerciante que os traficasse. Pedacinhos do Oriente que, desde há séculos, faziam parte (como aqui se vê) do quotidiano dessas clarissas que, apesar de (mais ou menos...) enclausuradas entre as fortes paredes do seu velho mosteiro, também beneficiavam dessa ponte entre Oriente e Ocidente que ajuda a explicar a maneira de ser portuguesa- e que, já se sabe, é um dos reflexos da lusofonia! ;)