Indo eu, indo eu… ou instantes da vida real
- Ai, Deus, estou mesmo louca para ir para
Chaves! – suspirava uma aluna imobilizada na fila que se eternizava no bar,
rumo à caixa registadora, enquanto brandia furiosa e perigosamente a sua sandes
de ovo cozido.
- Quanto tempo
demoras na viagem? – perguntava a colega.
- Umas seis
horas… e vou pelo caminho bom! Se não for por Coimbra, perco meia hora com a
troca de camionetas.
- Mas o que é
que tu fazes durante o caminho?
- O que é que eu
faço?
- Sim! Dormes?
- Eu posso lá
dormir! Eu vou louca por ir para Chaves! Penso lá em dormir! Só em ir para
Chaves!
- Mas se não
fizeres nada o tempo demora mais a passar.
- Ora, o que
hei-de eu fazer?
- Sei lá… Se não
queres dormir, podes ler.
A resposta veio
acompanhada por um olhar de genuíno espanto:
- Ler?? Ler!!
Mas quem é que lê? E para que é que eu vou ler? E ler o quê?
- Um livro, uma
revista…
- Ora, balelas;
isso ouve-se tudo na tv.
Logo
acrescentando:
- E não há
cabeça para isso quando se vai para Chaves!
- Podes ouvir
música…
- Ah, nem me
fales nisso!! Eu estou morta, morta por dentro! O meu MP4 avariou-se! Morta,
estou morta e bem morta!
- Acho que o teu
MP4 é que morreu, não tu…
- Ai sim? Então
e diz-me lá como é que vou para Chaves sem o MP4??
De repente,
surge uma lembrança.
- Eu tenho é de
levar comida! Sempre que vou para Chaves janto na camioneta.
- Pode-se jantar
a bordo?? Julgava que era super-proibido.
- Isso foi
porque nunca foste a Chaves. Eu janto sempre! Ai, e o que vou eu levar?
- Vai ao Pingo
Doce e compra pão e atum e fazes uma sandes.
Desta feita, a
réplica veio envolta num tom de ira:
- Pão com atum? E
ainda por cima tenho de ser eu a preparar isso? Não tenho tempo. E a caminho de
Chaves? Isso é lá jantar!
E, ato imediato:
- Já sei! Vou é
levar um especial [ie, hambúrguer especial,
recheado com batata frita palha e doses generosas de ketchup e maionese,
bastante gordurento]!
- Mas olha que é
muito arriscado. O condutor não vai deixar.
- O condutor nem
nota! Eu vou lá para o fundo e não faço barulho.
- Mas vai sentir
o cheiro. E podes sem querer sujar o estofo do teu lugar com os molhos.
- Não quero
saber!
- Não??
- Claro que não:
não sou eu quem limpa! Sujei, que limpem! Pois não paguei bilhete? E eu nessa
altura já estou em Chaves… Ahhhh, quando chegar a Chaves e vir a minha mãe…
- Deves estar
cheia de saudades dos teus pais.
- A mim o que
mais me lembra agora é o bife que a minha mãe me vai fazer mal chegue! Um bife
grande, enorme! De carne de Chaves.
- Mas tu
consegues comer assim um bife a meio da noite, depois de seis horas de
camioneta?
- Então não? E
antes, no ano passado, quando era caloira, também iam uns dois ou três
pasteizinhos quentinhos.
- É uma
sobremesa de lá?
- Náaa, em
Chaves é tudo dado aos salgados. São folhados e têm carne picada.
- E tu comias o
bife E esses pastéis? – espantava-se a outra.
- Pois claro!
- Depois dizes
que estás gorda… E estás mesmo.
- Não estou
nada! Eu sou é grande! De qualquer forma, agora é só mesmo o bife. Aiiii, esta
fila não anda… Olha, que lindas merendinhas! Podia levar duas, amanhã, para ir
desenfastiando a caminho de Chaves!
- Eu, se fosse
tanto tempo na camioneta, e a comer tudo isso, não chegava lá viva.
- Ora, tu não
sabes mas é o que é bom…
E logo:
- Quem será o
motorista?
- Costuma variar
muito?
- Ná, é um de dois.
Um vai o tempo todo a ouvir o futebol, o outro passa a viagem a ouvir missa.
- Durante seis
horas?!? Qualquer um desses cenários parece horrível.
- Não é nada!
Vale a pena! É assim quando se vai para Chaves!
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