Tuesday, February 17, 2009

Sardinha e os integralistas, um pintor de nomeada e uma escritora premiada

Dizem - reiteradamente - que o elogio gratuito pode ser extremamente nocivo. Por assim ser, remeter-me-ei a um prudente silêncio no que a panegíricos diz respeito. Mas para quem quiser souber um pouco mais sobre esse (insólito, sem dúvida) movimento que foi o Integralismo Lusitano, e, mais concretamente sobre o papel do omnipresente Sílvio Luso nas falanges de Sardinha; para quem gostar de conhecer, em traços gerais, a biografia do (notável, dizem uns - mediano e demasiado académico, consideram outros) célebre pintor Carlos Reis; para os que desejam saber um pouco mais sobre os dois Duques (o Rafael e o Lima); para quem deseje saber quem foi a vencedora do Prémio Rolf Ulrici; bem como para todos os que gostariam de dispôr de mais informações sobre a génese e a evolução do gigante comercial de outrora que foi a Casa Africana,

e, sobretudo, para compreender qual é o fio (ou fios) que une(m) tudo isto,

pode-se agora consultar
"Os Reis de Torres Novas - Considerações em torno de uma Família Ribatejana"

;)

Thursday, February 05, 2009

uma ilustração


Contemporâneo de Burton - talvez se tenham mesmo cruzado numa esquina poeirenta de Pangim, ou à sombra de uma palmeira qualquer - é José Maria dos Remédios. Liberal convicto, advogado célebre da terra, político de renome na Goa oitocentista, procurador da coroa, cavaleiro da ordem de Cristo... uma montanha de cargos e penachos. Seria, decerto, muito do género de Caetano da Gama.

Como teria reagido Burton ao vê-lo, nos seus trajes europeizados, de condecoração ao peito, sentindo-se ao mesmo tempo portguês e goês, europeu (por uma certa influência cultural e religiosa, que prezava) e indiano (por nascimento e casta, e com orgulho?).


Foram muitos Josés Marias dos Remédios que fizeram a Goa oitocentista um local fascinante e problemático. Fica aí um rabisco da cara do homem, feito com base num retrato coevo, decerto da autoria de um amador local.

Num belo texto recentemente dado à estampa, como é habitual às quartas, no “Público” – “Macaulay” –, PVG discorre larga e amargamente sobre a presença britânica na Índia oitocentista, bem como sobre a herança que essa mesma nação deixou (de forma ainda hoje tão palpável) no subcontinente.
Neste estado de coisas, PVG chama, com razão, à colação a tão polémica quão célebre obra de R.F. Burton o viajante que, em meados do século XIX, inflamado de ardores britânicos e protestantes, descreveu uma Goa (e um Portugal, na expressão feliz de PVG) “pobre, decadente, tropical, de pele escura e uniforme roto”.
O livro é, repete-se, bem conhecido por todos aqueles que estudam os restos (mais ou menos grandiosos) daquela que foi, mais do que a cabeça de um “Estado da Índia” que se foi decompondo ao longo das centúrias, o foco principal de um delirante e orientalizado sonho colectivo luso. Por isso é tão citado, por isso é tão célebre, por isso é tão mal amado. Mal cheguei a Goa (lembro-me bem), falaram-me logo dele na Central Library. Conheceria eu essa obra ímpar? Lera já as suas cruas descrições? Acalmei as hostes demonstrando familiaridade com o velho Burton.
O que acho eu do trabalho de Burton? Que opiniões posso eu ter sobre as (afinal) escassas páginas que consagra a Goa?
Disfarçado sob um título idílico (“Goa and the blue mountains”), o nosso inglês parece desdenhar de tudo.
Vejamos apenas um par de exemplos:
1) Confrontado, à chegada, com um bizarro militar, logo desconfia do seu (aparente) mau carácter, uniforme arruinado e tabaco de segunda. Senhores! Basta lermos a muita documentação provinda do século XIX que ainda nos chegou às mãos para vermos o estado das nossas forças e milícias na região naquela época. A descrição do tal tropa relaxado nada traz de novo ao que se sabe desde há muito. Uma das chagas da Goa oitocentista foi, indubitavelmente, o seu exército.
Mas Burton não sabia que uma enorme reformulação vinha sendo pensada e testada. Não conhecia Goa suficientemente bem.

2) Ao penetrar no Mandovy (o outro Tejo que usualmente se cantava), as paragens que tanto orgulhavam os portugueses (e goeses) mais não lhe pareciam do que palmares intermináveis, entre os quais, de quando a quando, se vislumbravam míseras povoações. O texto é expressivo qb: “ Perched upon the topmast angle of out penthouse, we strain our eyes in search of the tall buildings and crowded ways that denote a capital: we can see nought but a forest of lanky cocoa-nut trees, whose stems are apparently growing out of a multitude of small hovels. Can this be Goa?”. E espanta-se com a solenidade com que eram indicadas as localidades por que passavam, que tanto significado pareciam ter para os seus anfitriões: “this is the village of Verim, that St Agnes, and proceeds to display his store of topographical lore by naming or chrstening every dirty little mass of hut and white-washed spire that meets the eye”. Pangim começa por ser uma decepção, se bem que (após uma péssima noite, mal dormida e com inúmeras visitas de mosquitos indesejáveis – e quem não sabe o que isso é, depois de conhecer Goa? Mesmo Gilberto Freyre, na sua acção propagandística descarada, não resistiu em criticar, cem anos depois, as péssimas condições de alojamento com que se deparou) cedo se rende aos ares da pequena urbe e à beleza melancólica dos seus palmares.
Mas – e lancemos mão à palmatória – nós, os que gostamos de Goa e cedemos à sua mística, ainda não somos assim? Não descrevemos, perante o olhar impávido de visitantes que não conseguem ver para além de casebres, palmeiras, cães esfaimados, velhas igrejas e muitas gralhas, as maravilhas dos edifícios, as histórias e historietas que temos por fascinantes? Não apontamos para a mísera Betim e relembramos a grandeza da casa dos catecúmenos (seria assim TÃO grande? Ou era-o para nós, apenas?)? Não mostramos os Reis Magos, onde os vice-reis paravam antes da sua entrada oficial e da sua saída final, como algo de extraordinário, e não um velho forte e uma igreja de bom tamanho?
Não passamos por Chorão e descrevemos as maravilhas do que lá houve, do Seminário, do centro de estudos... quando já nada existe?
Não entramos na Casa Professa do Bom Jesus falando de tesouros que já lá não estão?
Não sei porque diabo foram mostrar Britona a Burton (talvez pela proximidade da Penha de França)... Britona pode ser muito histórica e cheia de memórias. Mas eu morei lá durante dois meses – e acreditem que, para quem não quer ou não sabe ver para além da miséria e da indigência daquele lugarejo de pescadores (como era manifestamente o caso de Burton), tudo pareceria, decerto, assaz deprimente!
Mas Burton não sabia que Goa é acima de tudo o resultado da projecção da nossa memória colectiva. Não conhecia Goa suficientemente bem.

3) Burton sente um prazer muito evidente em sublinhar as inúmeras falhas que acredita encontrar em dois segmentos da sociedade: os “descendentes” e os nativos “aportuguesados”. Ambos sofrem, para o nosso radical protestante, de um gravíssimo duplo mal comum: são católicos (ah! Coisa terrível!) e moram demasiado perto um dos outros! (ah! Terrível promiscuidade!). Os indianos são indianos (e, ainda por cima, católicos), pelo que são casos perdidos. Os portugueses instalados na Índia, por seu lado, são também fatalmente católicos... embora brancos. Por isso, de acordo com o raciocínio de Burton, talvez uma ou duas míseras posições acima dos “naturais conversos” que enxameavam Pangim. Mas o célebre viajante logo engendra forma de os rebaixar à mediocridade de que os considerava merecedores: se não são nativos, são, com certeza, portadores de sangues misturados (há-de haver, com tantos anos na Índia, algum “coito danado” entre os seus avoengos).
E aqui caímos uma vez mais na recorrente quaestio da “mistura” de sangues? Houve? Não houve? Muitos acham que sim, outros tantos não perfilham tal tese. Perfilando-se na primeira tendência, S.M. escreveu um belo comentário ao artigo de PVG a que nos reportámos nas suas magníficas JAIPURIANAS (http://jaipurianas.blogspot.com).
Eu sou mais desconfiado, no que a este assunto toca: enquanto não tiver provas suficientes na minha mão de que as famílias das castas superiores se mesclaram, efectivamente, com portugueses (e não estou a falar de uma caldeação civilizacional, bem entendido), enquanto todos os documentos que vou exumando em tantos lugares diferentes me indicarem precisamente o contrário, mantenho-me céptico.

Isto por acreditar que em Goa, mais do que uma regular transmissão de carga genética, o que se empreendeu foi a construção “intelectual” (artificial, se quiserem) de uma sociedade única. Muito com base na religião (com base no catolicismo que Burton tanto odeia e teme – se calhar por perceber que ele foi também a argamassa que impediu que o “edifício goês” se mantivesse bastante mais tempo do que poderia imaginar, mesmo que em difícil equilíbrio), mas também numa cultura partilhada que subsiste até hoje.

Burton não teve oportunidade – nem tempo, sequer – para conhecer e compreender essa sociedade fascinante. Essa gente, que – branca, castanha ou apenas bronzeada (sim, sim, ou avermelhada!) – é, afinal, à sombra dos coqueiros e das velhas e semi-desmoronadas igrejas, a alma daquele minúsculo Estado.

Por isso mesmo, Burton não compreendeu Goa. Viu apenas os detritos e a decadência.
Por isso mesmo – por Burton, em Goa, se ter mostrado tão pouco curioso, tão pouco arguto, tão horrivelmente provinciano e orientado é especialmente delicioso o horror com que que recebe, por parte de Caetano da Gama (de Ribandar, que será decerto da velha família brâmane que usava tal apelido) a informação de que o mesmo eralineal descendant from the Gran Capitão”!
Um brâmane – um INDIANO! – descendente de Vasco da Gama?! Burton nem queria acreditar – para si, era o sinal derradeiro da queda dos portugueses. Até os descendentes dos grandes conquistadores se misturavam com os nativos!

Dá vontade de rir ao pensar na reacção de Burton.
Tal como daria, seguramente, se o Gama goês tivesse percebido que o inglês com que ele se mostrara tão simpático e cortês duvidava da pureza dos seus maiores, maculando a sua genealogia com sangue de outra casta!
Descendente de Gama... certamente, numa certa maneira de entender o mundo, numa certa maneira de entender Goa. Nada de contactos de sangue - tudo no domínio das ideias...

Numa maneira, já se sabe, que Burton (por falta de tempo e vontade) talvez não soubesse compreender.

um zoom necessário!;)


O circo vem à cidade


Há já uns dias, numa ida à Baixa com a minha Mãe e Mana - e enquanto estas experimentavam sapatos numa afamada loja do ramo em pleno "canal" - deparei-me com um monte de flyers que sobre um balcão. Confesso que nunca fui grande amante de circos, e que a ambiência circense (desde a luz coada que habitualmente associo aos ditos, nem sei bem porquê, ao aspecto generalizadamente puído que, lá, tudo, desde animais a lantejoulas de fatos, costuma ter) jamais me seduziu.

Pois bem, os flyers eram de um circo... "Mais um", pensei. Peguei numa das folhas e comecei a ler, mais para matar o tempo do que para outra coisa. Senhores - valeu a pena! O papelucho em questão era uma autêntica mina para a dupla Infante/Pedroso, que de vez em quando aparecem no ecrâ a delatar as burrices linguísticas!


Junto segue o documento em causa! Reparem nos extraordinários pormenores:


1) Rui Mariani A PRESENTA (!)

2) o nosso amigo Mariani (que nome extraordinário, e decerto evocativo de tão boas recordações em Belém!;)) tem não só COCODRILOS (!!)

3) mas também jibóias JIGANTES (!!!)