Monday, May 07, 2012

João Ricardo Pedro e Dona I, ou a dupla face da LeYa

É uma das notícias de hoje: João Ricardo Pedro, o engenheiro desempregado que, dedicando-se à escrita, compôs "O teu rosto será o último" receberá o prémio LeYa, das mãos do primeiro ministro. O montante em questão são uns muito significativos 100.000 euros, que não só recompensarão o labor do jovem escritor como espelharão a pujança da editora e patrona e, de alguma forma, a sua magnanimidade.
Não quero pôr, de forma alguma, em causa os talentos de Pedro (de quem jamais li uma linha, o que é, indubitavelmente, uma falta minha), nem a justeza da iniciativa da LeYa. Jamais poderia levantar o dedo a quem, colocando em prática uma parábola do meu especial agrado, "põe os seus talentos a render", e disso colhe os merecidos frutos - como me parece ser o caso de João Ricardo. Em paralelo, nunca condenarei a capacidade de construir impérios (que admiro impenitentemente) e, um pouco à semelhança do meu Pai, não posso deixar de admirar que um descendente das velhas famílias beirãs que todos dão por árvores esclerosadas e sem fruto tenha erigido uma LeYa.

Mas esta é apenas uma das faces da questão.

Junto à minha casa, numa zona em Coimbra onde a média de licenciados e gente letrada (signifique isso o que significar) por m2 é deveras significativa, funcionava há muitos e muitos anos uma pequena livraria, gerida pelo Sr. L e pela Dona I, um casal com quem quase todos nos dávamos bem. A pequenina loja - negócio familiar, sem ambições a altos voos (não obstante conseguir sempre arranjar-me alguns livros mais "difíceis", como as edições do ICS, que não sei porquê teimam em estar arredadas dos circuitos comerciais normais) - foi-se mantendo. Com pequenas dívidas a pequenas editoras, que iam sendo solvidas à medida que os clientes iam adquirindo mais livros, and so on.
Pois bem: para pena generalizada, e após algum tempo de agonia, a Dona I. viu-se constrangida a fechar portas. A razão? A crise, certamente - e igualmente alguns motivos de índole pessoal. Mas também a política monopolista de uma LeYa que vai crescendo incessantemente, "devorando" pequenas editoras e jogando com os pequenos livreiros... quem tenha uma dívida a uma das editoras que constitui o gigantesco grupo, fica inabilitado para adquirir livros comercializados por qualquer das outras que igualmente o compõem. Com o grupo a engordar, o campo de acção para os livreiros menos cumpridores (mesmo que tenham sempre adotado o mesmo esquema de vendas) vai-se estreitando, estreitando... até ser impossível respirar.

João Ricardo Pedro recebe hoje os seus merecidos 100.000 euros, das mãos do primeiro ministro... mas quantas Donas I. não terão ficado sem emprego e quantas livrarias não terão fechado portas para pagar as parangonas dos jornais?

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