Friday, December 12, 2008

Rosa Mendes, o "Equador" e velhos holandeses

Há uns dias atrás, Pedro Rosa Mendes publicou um texto no "Público" - ao qual a redacção do periódico em causa concedeu merecido destaque - sobre a actual situação em Timor-Leste. Ao longo da peça (que não é excessivamente longa, nem excessivamente detalhada), o repórter/escritor dissertou amargamente sobre a sua experiência naquele país, que considera um fim do mundo, onde qualquer réstia de esperança que orgulhosamente se erga é acto imediata destruída pela indigência política, cultural, mental, social, económica que por lá reina.

Desde há já alguns dias, a TVI (desculpa lá, A., não quero ofender a tua dama) anda a passar, com notável insistência, anúncios à sua nova mega-produção. Uma adaptação daquele mau romance de Sousa Tavares que todos já lemos - "Equador". "Equador" é, a meu ver, um pouco as "Pupilas do senhor Reitor" dos dias que correm. Escorreitozinho, inocentezinho, com muita lamechice. Assim como, para mim, o seu sucessor ("Rio de Flores") é uma nova "Família Inglesa" - fórmula idêntica, mas pior conseguido. Cada geração portuguesa - para o mal e para o bem - tem o seu Júlio Dinis.
Ora, tal como as obras de Gomes Coelho, "Equador" presta-se com facilidade à adaptação televisiva (note-se, não disse cinematográfica), dando pano para mangas para impressionar os leitores com os dramas pessoais dos intervenientes e apresentando cenários idílicos para fazer sonhar as gentes.
Nos anúncios da TVI, é uma constante a imagem de uma Índia oitocentista que corresponde bem ao ideal que os europeus, regra geral, têm daquele subcontinente e daquela época. Gente a viver numa espécie de palácio de marajá, rodeada de princesas indianas carregadas de jóias. Quando se assoma à janela, mais do que imundície e a pobreza da multidão, divisam-se elefantes e seus cornacas. Aliás, era uma ideia que a referida estação de televisão pretendera já passar com a sua telanovela "Fascínios" (embora esta se reportasse a uma época diferente).

Os portugueses - seja por ignorância, seja por má vontade, seja mesmo pela invejável capacidade de idealizar que todos temos, e que foi motor para que nos aventurassemos tão longe - gostam de imaginar assim os restos do "seu império": exóticos, ricos, fascinantes, felizes.
Contudo, a realidade muitas vezes se afasta desta fantasia: em Goa, tal como em Timor (e Timor durante tanto tempo dependeu, esquecido por Lisboa, de uma Goa já bem miserável), a pobreza é a palavra de ordem, a indigência é o motor, a falta de cultura é uma triste herança por nós deixada.
Se calhar, Rosa Mendes idealizou um Timor que nunca existiu.

No entanto, e por outro lado, quando leio estes textos desencantados, lamento o quão pouco conhecemos a nossa história. E lembro-me sempre que quando os holandeses, depois de a exaurirem, deixaram a região nordeste do Brasil, explicaram que era praticamente impossível a um povo europeu morar naquelas terras esquecidas de todos. Só um povo de semi-selvagens como os portugueses, argumentavam, aguentava.
Pois... e é disso que nos esquecemos. É que, semi-selvagens ou não, fomos nós que lá conseguimos estar, e que colaborámos (melhor ou pior, isso é discutível) para hoje essas paragens serem um destino conhecido a nível mundial.
Apesar da dificuldade das condições de vida, da adversidade de todas as paragens tão inóspitas onde decidimos assentar arraiais, lá ficámos. Talvez por não termos outra oportunidade, talvez por puro interesse, talvez por displicência... mas ficámos.

Não desistimos (pelo menos TOTALMENTE) quando tudo pareceu correr mal.
A Goa do século XIX é um bom exemplo disso.
Timor dos nossos dias também.
Será que os portugueses que para lá vão hoje, em vez de lutarem pelos seus ideais - neste caso, um Timor livre, próspero e feliz - devem fazer como os holandeses no Brasil: gastámos o que tinham já fizemos o nosso pé de meia, abalemos para paragens mais civilizadas! ? Fica a pergunta.

Wednesday, December 03, 2008

Percepções distintas

já uns anos, um parente que muito prezo escreveu este post no seu blog de então (ainda hoje disponível por nestes espaços cibernéticos):

"Fechado... estou!
Num prédio que tantas histórias conta..., o apartamento que me acolhe dá-me todo o seu conforto, casa outrora repleta de jovens, apenas mobílias velhas descrevem agora uma lar de grande décadas... sinto me perdido no meio de heranças confusas, vejo quilos de livros que decoram o meu quarto seu peso leva um fardo de anos. Neste ar nostálgico sinto uma nostalgia de anos e anos... e, não quero eu senão afirmar-me! Viver, sobreviver, viver... Na minha cabeça instala-se uma confusão, fiz bem em regressar as origens dos meus tios, que tantos anos aqui viveram e estudaram e cresceram e se formaram!?... "

Na altura, o texto impressionou-me francamente, desde logo pela atitude perante o "legado" que rodeia o autor. Um "legado" que, voraz, se parece avolumar , que tudo parece consumir e, ajustando-se mal ao espaço sempre exíguo que lhe atribuem, deseja sempre mais. Um legado que, mais do que amparar, parece limitar os movimentos de quem escreve. Um legado que é tido como pesado, nostálgico e distante...

Como são diferentes as percepções do que nos rodeia e envolve - como são díspares os sentimentos que nutrimos perante o que nos forma! Esse "legado" sempre foi - ao invés de fria e castradora presença muda, ou inviolável fortaleza que com sobranceria mira quem passa - para mim, o mais suave dos colchões, a mais estimulante realidade. Esse "legado", na verdade, é, inegavelmente, uma importante influência na minha maneira de pensar, de encarar o mundo - afinal, na minha maneira de ser. Com as suas vantagens e inconvenientes (que, como tudo, também as tem), a certeza de que, sólido, estava ali, como coluna à qual me pudesse apoiar num momento de desânimo, aplanava receios, encurtava distâncias, afagava ego e alentos.

As "mobílias velhas" do texto em questão eram móveis sabedores e confortáveis, de semblante acolhedor pelo seu uso e pela sua história; os "quilos e quilos de livros" estavam ali - longe de assustarem - como muralha inexpugnável, um imenso manancial onde podia saciar a minha curiosidade, e como um motivo de orgulho (afortunado espaço esse, que tanto saber acumulava, e onde tanto saber luzia); as "heranças confusas" eram de uma límpida clareza - um continuum onde eu me enquadrava (e ainda enquadro) com toda a facilidade e prazer. E, por fim, a "nostalgia" que evola de todo o texto não existia (não existe) - sendo, antes, substituída pela vontade de fazer mais, confortavelmente ancorado naquele promontório. Por um constante "até aqui já se chegou, tentemos avançar um pouco mais".

Há cerca de dois anos, o vetusto rochedo tremeu. Todos sentimos a terra vibrar perigosamente sob os pés. Isso preocupou-me muito e - mais que tudo - assustou-me sobremaneira. Talvez como nada até então me tinha assustado. Descobri (não o sabia já? provavelmente sim), então, quanto o rochedo era importante para mim. Por muitas voltas que desse a qualquer mar ou oceano, a presença, serena e muda, daquela fortaleza e das aguas que a rodeavam contribuía grandemente para a minha serenidade. E a verdade é que sentia que, em todas as minhas "viagens", levava uma pedrinha daquele enorme rochedo na algibeira - como motivo de orgulho, desde logo, mas também como exemplo. Sem rochedo, não haveria mais pedrinhas para transportar na algibeira. Sem rochedo, a vida seria bem mais difícil, desconfortável e desagradável.

Os meses passaram, e a tempestade foi amainando. Descobri que, afinal, estava bem longe de ser o único a gostar - e a precisar - de continuar a levar pedrinhas do rochedo pelo mundo fora. Percebi que o rochedo, apesar dos redemoinhos, apesar das procelas violentas, não quebrou: aí está, altivo, pronto para enfrentar mais uma centúria. Investi longas horas para que (pelo menos sob a minha optica) o seu legado não se perdesse, para que a sua força não se transformasse em nostalgia, para não se tornasse numa massa informe de "móveis velhos", "quilos e quilos de livros" e papéis, que as heranças não se desvirtuassem tornando-se bizarramente "confusas", para que o sentimento colectivo não fosse dominado por qualquer tipo de saudosismo de "grandes décadas" já passadas.

Hoje, sentado na minha secretária, sentindo a proximidade de alguns dos "quilos e quilos" de livros, amparado por milhares de papéis - aos quais, espero, se vão juntar outros tantos da minha lavra - sabendo que sobreviveram os tais "móveis velhos", sinto que o meu esforço valeu a pena.

Olho para os Painéis, e penso - é altura de continuar.

Toca a pegar numa pedrinha, e vamos prosseguir caminho! O rochedo sobreviveu, está cá, e cá ficará, sempre, à minha espera!