Tuesday, November 25, 2008

semelhanças entre Velhas Conquistas e Terras Velhas






A Casa do Sitio do Picapau (na verdade, a Chácara do Visconde de Tremembé, que Monteiro Lobato herdou do Avô)





Esta casa amarela é já de Goa

Monday, November 24, 2008

Alegorias lusófonas

Na passada 6a feira, debati, a pedido de uma colega e (acima de tudo) amiga da Clássica, com alunos da licenciatura em Direito, durante um divertido e estimulante par de horas, Goa - no passado e no presente. Do animado debate em torno do tema que serviu de cerne à minha exposição (reflexos em Goa das estretégias e acontecimentos que marcaram o xadrês político-diplomático do espaço atlântico na transição do século XVIII para o XIX) se passou, a dada altura, para o (sempre com imenso pano para mangas) tema do Mito em Goa e da própria Goa mitificada (ou mesmo, totalmente, Goa-Mito), que ainda hoje subsiste no imaginário de boa parte dos portugueses. Passámos - devido à insaciável curiosidade dos alunos, que não me permitiram escapar ao tema - à sempre complexa questão da transferência da soberania dos territórios constituintes do Estado da Índia para a União Indiana (afinal, sempre estávamos na casa de Galvão Telles), e não esquecemos possíveis analogias com outras paragens por onde os portugueses passaram e se demoraram.
Um dos momentos mais simpáticos - e houve muitos - foi decerto quando um rapaz, no final, informando-me ser neto de uma goesa, lamentou não ter gravado a aula. Isto porque a sua Avó decerto gostaria de ouvir uma conversa tão intensa sobre a sua terra natal, na qual se referiam vários factos e lugares que ela própria frequentemente relembrava aos descendentes.

Em simultaneo, achava-me a reler parte da genial obra de Monteiro Lobato, que entretanto me chegou às mãos (vantagens de ter uma Bisavó brasileira!;)). Sempre gostei muito do Sítio do Picapau Amarelo, e das personagens que por lá vão aparecendo. Desde os primos Encerrabodes de Oliveira (Pedrinho e Narizinho), aos velhos empregados africanos - restos suavizados do esclavagismo que até tarde perdurou no interior brasileiro - ao Visconde de Sabugosa e ao Saci Pêrêrê. Isto sem esquecer, claro está, a temível Cuca e a tenebrosa Mula-Sem-Cabeça que, galopando por entre os arvoredos, por vezes assustava os habitantes do casarão de D. Benta.

E não é que a passagem em que D. Benta compra as Terras Novas (aos seus vizinhos) para aí instalar o Mundo da Fábula (entretanto perseguido e despojado de local para habitar), mantendo-as, no entanto, cuidadosamente apartadas (por uma cancela que se controlava a partir das Terras Velhas - correspondentes ao núcleo original do Sítio -, e não o contrário) e protegidas pelo rinoceronte Quindim me lembrou GOA?
Já sei, já sei: os investigadores, de tanto martelarem na mesma tecla, tornam-se cegamente obsessivos.

Mas há realmente semelhanças engraçadas!
Tal como as NOVAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS surgem muito depois de constituído o núcleo inicial do Sítio (com as suas dinâmicas e especificidades - o Sítio já existia antes delas e sem elas, mas elas protegem de influências estrangeiras a sua natureza especial, que os seus habitantes temem ser "descoberta" pelos intrusos e que pretendem salvaguardar a todo o custo);

Tal como as NOVAS CONQUISTAS, os espaços são habitados por gentes muito diferentes, que contactam sobretudo com base na iniciativa dos habitantes no núcleo inicial;

Tal como nas NOVAS CONQUISTAS, a gente do Sítio aproveita muito mais daquelas paragens do que o contrário. São (para todos os efeitos) os donos das TERRAS VELHAS os donos das recen tes aquisições. São eles que para lá vão, em passeio, diversão, ou para (tentar) impôr a (sua)ordem.

Tal como nas NOVAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS são um mundo apartado, uma realidade tão diferente que muitas vezes não se pode (nem quer) compreender.

Tal como as NOVAS CONQUISTAS e as VELHAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS e as TERRAS VELHAS são lugares que, ao viverem de mitos e de muita fantasia (por muito que nos esforcemos por os desbastar), se tornam fascinantes!;)

Monday, November 10, 2008

De manhã é que se começa o dia - e a semana!

Hoje, segunda feira, bem cedo, pus-me a caminho da central de camionetas de Coimbra, a fim de tomar o "meu" (nunca se sabe muito bem qual é - nada garante ao utente que a camioneta cujo numero coincide com o que está no seu bilhete seja efectivamente aquela que deve tomar; sente-se, no ar, uma certa hostilidade entre o lobby dos motoristas e o das senhoras que estão ao balcão de venda de viagens pelas estradas de Portugal, bem como entre no seio da própria corporação dos chauffeurs) expresso rumo a Leiria city. Para tal, e como sempre, apanhei o autocarro à frente de casa. Nestas rotinas semanais vamos reconhecendo uma boa dúzia das caras (feias e rabugentas, na sua esmagadora maioria) que tomam o mesmo transporte àquela hora. Apesar de sempre haver uma ou outra novidade, pontuam invariavelmente o jovem jurista de tiques amaneirados que afecta ler francês (mas nunca sai da mesma parte do livro....) enquanto compõe o cachecol com tantos e tão desnecessários trejeitos, o ancião velhíssimo que jamais levanta os olhos do jornal, e se senta sempre no mesmo sítio, o afro que gosta de imitar (sem grande sucesso, aliás) o ar gingão e suburbano que crê ser obrigatório nas vielas do Bronx, e uma grande e informe massa - indisposta, indigesta, quase insuportável - daquilo que podemos chamar "pequenos funcionários (na sua maioria, mulheres) públicos".

NUNCA, MAS NUNCA aquelas almas demonstram satisfação por qualquer motivo.

Se o autocarro chega um pouco atrasado (como é hábito), logo resmungam: "Parece impossível, com o dinheiro que gastamos nas senhas (sim, elas dizem senhas, e não bilhetes, ou passes) e com o tempo que aqui estamos à espera!"
Caso o autocarro chegue mesmo à hora, o motorista "é um doido, anda para aí a acelarar, nem dá para estar para ficar um bocadinho a descansar e pôr a conversa em dia"
Se chove: "Fazem-nos esperar um tempão, e vamos ficar encharcados" (mas as paragens não são cobertas?!?);
Se o sol brilha, rutilante, tornando a cidade bem mais alegre, tal não influi no seu semblante permanentemente descontente: "É um disparate, ficar aqui a apanhar esta caloraça toda! Ainda ficamos todos doentes".
E, uma vez no veículo, um constante remoer de maleitas, de maledicência, de infelicidades.
Note-se, estamos no primeiro dia da semana! Após o fim de semana pelo qual suspirarão constantemente, enquanto fazem que trabalham, até 6a. Mas nunca nada está bem, nunca nada correu de feição. Os progenitores de todas aquelas más almas têm problemas e estão doentes. Inventam-lhes operações dramáticas e ridículas, arranhando uma dúzia de expressões que talvez tenham ouvido a um médico do Centro. Os filhos são sempre problemáticos, os cônjuges respectivos permanentes e profundos poços de infelicidade. A vida é de uma pérfida e constante maldade, e o Destino compraz-se em arruinar-lhes oportunidades. Sem olharem para si mesmos, para os seus semblantes patéticos, gestos ociosos, trajes horrorosos. Sem ouvirem as suas patéticas conversas, as suas ridículas queixas, a sua falta de cultura que é tão escandalosa e escabrosa que chega a ser hilariante. Sem perceberem que grande parte do seu problema, desse Fado pesando arrobas que afectam carregar resignadamente às costas, se deve exclusivamente a eles, à sua visão limitada, à pouca curiosidade pelo que os rodeia, a uma atávica atitude de "não quero fazer nada, só que me deixem quietinho".
Essa gente consome os nossos recursos, destrói a nossa imagem como país, prejudica a nossa Função Pública.
Mais - e pior - essa gente, com o seu pessimismo, o seu mau companheirismo, o seu azedume para com tudo que a rodeia - está a tornar-se imune a todas as medidas que contra ela se têm procurado tomar, e encarrega-se (e é essa umas das raríssimas actividades a que se entrega com prazer) de infernizar a vida (e as carreiras) dos que vão chegando e demonstrando um mínimo de entusiasmo pelas tarefas que lhe foram entregues.

O que fazer com ela?, pergunte a si mesma e ao país a Administração? O que fazer com ela?, perguntamo-nos todos nós, que temos de a suportar tantas vezes sem querermos.

PS: Tudo isto, caros leitores que aproveitam as sombras destes pinhais, é verdadeiro, e ouvido por mim mesmo - mesmo que pareça a mais grosseira e desinteressante invenção de um compositor teatral de 4a categoria.

Monday, November 03, 2008

Para o 2º andar

Costuma dizer alguém que nos é muito próximo, quando reincidimos em algo que de alguma forma transgride uma regra, e em jeito de aviso veemente (porque se chegarmos ao 3º piso o resultado pode já não nos ser tão agradável) que "Duas vezes é já para o segundo andar".

Bom, correndo esse risco, uma vez mais quebro uma das normas que vão guiando estes Prazos, e transcrevo uma crónica (a última) de Paulo Varela Gomes. E isto por duas razões: não só a considero um belo texto, como sinto (é-me impossível não fazer) uma grande simpatia e afinidade com o rapaz que o autor cita!

LOL

"Mas isto é muito feio", disse-me, engasgado de surpresa, um estudante universitário português bastante qualificado, umas semanas depois de chegar a Goa.E é. Muito feio. Quase tudo quanto se construiu em Goa nos últimos 40 anos é horrendo, as cidades e povoações, as construções ao longo das estradas principais, os edifícios públicos e privados, as novas casas. Em particular nas áreas mais tocadas pelo turismo, ao longo das praias, Goa é hoje um sítio sem qualquer encanto, uma espécie de Reboleira nos trópicos. O estribilho dos promotores turísticos acerca da lovely Goa com as suas pristine beaches cheias de swinging palms, e as cuidadosas fotografias que publicam "reenquadrando" o horror, é aldrabice destinada a hipnotizar quem não conhece as mais famosas praias tropicais de todo o mundo. Destina-se, antes de mais, ao turismo interno indiano: Calangute, um dos mais devastados sítios da costa de Goa, até não está mal para quem se habituou a Ludhiana. Percorrendo as estradas interiores e as aldeias intocadas pela invasão imobiliária, encontramos ainda paisagens encantadoras: subsistem muitas casas de extraordinária qualidade média construídas no século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Belos campos cultivados. Igrejas e templos. Respiração, verde e pitoresco. Longe do horror da costa, da catástrofe das povoações, reconhecemos a Goa descrita encantadamente por viajantes franceses e ingleses desde o século XVIII. De facto, foi a partir de então, e por esses observadores, que a beleza de Goa foi "descoberta" ou, melhor, construída como uma ideia que subsistiu até hoje. Tratava-se da Goa aldeã (não se pensava então em praias), ou seja, da paisagem habitada, feita do branco da cal, do vermelho das telhas e da pedra ferrosa, do verde dos coqueiros. Os viajantes norte-europeus viram em Goa, como, aliás, em outras áreas de influência portuguesa na Índia, um Mediterrâneo católico e camponês em cenário oriental.As praias de Goa só foram inventadas como produto de consumo turístico no final da década de 1960. Os goeses, naturalmente, iam à praia desde o século XIX à maneira dos europeus: na "estação", para apanhar fresco e socializar, vestidos da cabeça aos pés. Goa entrou no circuito mundial como um lugar "de praia" com os hippies, ou seja, os jovens ocidentais que se fixaram na costa de Goa porque aqui havia alguma da qualidade da civilização europeia e também "a Índia" (na forma de alguns templos e muitas vacas). Foi o começo do fim. Os norte-europeus, que tinham inventado a beleza de Goa no século XVIII, puseram-lhe termo no final do século XX. Tanto num caso como noutro porque não viram em Goa senão aquilo que a sua própria cultura lhes permitiu ver: primeiro, uma imagem mítica do Mediterrâneo, depois uma ideia, igualmente mitificada, da "praia tropical". Com os dois mitos se fabricou a Goa turística e com esta se destruiu a beleza de Goa. Resta o discurso vazio da publicidade e alguns goeses a tentarem salvar a dignidade de um território desfeito.

Olho para a velha fotografia, onde um bebé contando poucos meses posa numa imponente cadeira de couro "de preguinhos". Atrás da pele lavrada e das tachas metálicas do encosto, a progenitora ampara discretamente a criança. Só depois de avisados damos conta da sua presença, quase invisível, no daguerreótipo. Nada de "simplicidades" (para interligar este com o post anterior) ou de fotos banais: desde o começo, senta-se (bom, apoia-se) a criança no espaldar de um assento com personalidade, e começa-se a trabalhar sua personalidade. É um bom princípio para uma vida divertida e estimulante, que não se resuma a uma anónima passagem por uma série de locais durante uns tantos anos. É um óptimo preâmbulo para deixar uma marca naqueles que nos conheceram. É uma excelente preparação para aproveitarmos o que a vida nos oferece e pormos os nossos talentos a brilhar. É, por fim, um primeiro passo para que, mesmo muito tempo volvido, a nossa passagem seja agradavelmente (e, mais, intensamente) recordada.

Porque a vida pode e deve ser agradável e especial. Não é preciso estarmos sempre sentados no chão, a tentar não dar nas vistas de quem vai passando. Não é preciso contentarmo-nos com bancos pré-fabricados modelo IKEA que, com a avassaladora uniformização que protagonizam, nos tornam transparentes e banais. O que interessa é querermos ser mais, perseguirmos os nossos objectivos com afinco e prazenteiramente deixar uma marca. Importa, então - nem que seja de vez em quando (e, se possível, com a confortável certeza de que, se for preciso, está um par de mãos fortes atrás de nós para nos apoiar e nos apoiarmos) - puxar a cadeira de preguinhos (ou qualquer outra, com a qual nos identifiquemos), encostar o tronco ao espaldar ornado e, dali, em interacção com os outros mas mantendo a nossa especificidade, vermos o mundo com cores mais fortes e vivas do que aquelas com que, tantas vezes, ele é percebido. Isso, certamente, contribuirá para uma coloração muito mais intensa e vibrante quer da nossa vida, quer da dos que nos rodeiam.