ATÉ BREVE, ROMA DO ORIENTE! :)
Daqui
a pouco mais de quatro horas devo ter à porta o táxi que, conduzindo-me da
soleira dos Afonsos a Dabolim, percorrerá a primeira etapa da sempre longa
viagem de regresso à Europa. Está, pois, próxima a troca da Lisboa do Oriente
pela sua congénere ocidental, bem como a da Atenas
do Concão (vá, Margão, envaidece-te como só tu sabes!) pela lusa-Atenas. Para lá da apreensão que
uma jornada deste calibre inapelavelmente reveste (eu continuo a acalentar um certo
temor relativamente a Bombaim e ao seu aeroporto imenso e confuso, no qual a
maioria dos funcionários, se bem que em regra atenciosos, se exprime num inglês
difícil de descodificar!), parto mais pesado do saber que uma vinda a Goa – e não
me refiro somente às invariavelmente proveitosíssimas incursões nos arquivos
locais – sempre permite acumular, mas, em paralelo, também mais leve de uma
série de preocupações. Passar algum tempo longe – mesmo que sejam poucos dias,
e mesmo que seja a trabalhar – ajuda a relativizar as nossas preocupações e a
planificar algumas estratégias a adotar no futuro.
Mas
vou ainda mais longe: saio a um tempo satisfeito com as semanas cá vividas (não
obstante a confusão, os stresses, as formigas, a minha hipocondria e sei lá eu
mais o quê!) e – apesar de o regresso a casa me saber sempre muitíssimo bem! –
com vontade de voltar.
Parte
do dia de hoje foi dedicado às despedidas. O mainato assegurou que a Prakash
laundry contava poder lavar muitas mais camisas minhas, pelo que esperava
que eu tornasse rapidamente; o rapaz do Coozie
Nook (a loja de onde costumo telefonar, na 18 de junho) aconselhou-me a, da
próxima vez, relativizar os receios e gastar parte dos meus cabedais não só em
chamadas internacionais mas também em alugar uma moto; o
ex-rapaz-das-mangas-agora-empresário-do-Little-Presidency
augurou um retorno rápido (e eu espero, apesar de com pouca convicção, que,
quando da minha próxima temporada em Pangim, ele já tenha abandonado a política
de nunca ter trocos e de dar, em vez das rupias em falta, uns bombons de
chocolate pequeninos bastante amolentados!); a senhora simpática da loja dos
postais fez um sorriso amável e desejou excelente viagem (o que certamente se
deve aos muitos que lá compro sempre que estou em terras de Goa); a Céu do
Instituto Camões despediu-se com um até
breve!; o grupo responsável pela missa em português lamentou a estadia
curta mas argumentou, assumindo uma pose compreensiva, que a semana santa se deve passar com a família e a Jeanette e o
Clifton fizeram votos de nova estadia nos Afonsos num futuro próximo. E traga a Mãe!, recomendou a Jeanette –
sendo que convém explicar que, desde que, há quase quatro anos, a minha
progenitora mudou em 24 horas o que em Pangim levaria anos a alterar, ganhou,
junto de alguns goeses, uma aura de super-mulher invencível. Dona Teresa é, por certos deles, descrita
quase como um relâmpago munido de um infindável rosário de soluções práticas (sempre tão previdente, trazia molas para a
roupa!) que certo dia atingiu as pacatas Fontainhas. É, também, alguém com
quem convém manter boas relações: Porque
foi dizer a Mãe que estava mal disposto? – recriminaram, há uns dias, ao
saber que eu tinha alertado a base conimbricense quando senti umas ligeiras
tonturas que (claro está!) acreditei pressagiarem o meu fim. Como se, desde uma
Coimbra longínqua, Dona Teresa pudesse
dar provas de insatisfação pelo facto de, por culpa exclusivamente minha, me
ter sentido menos bem por ter comido chamuças acompanhadas por chá com leite e
seguidas por um capuccino, fiando-me em
excesso no meu estômago de avestruz! Só não me consegui despedir do rapaz do
arquivo – ficou o Zé Ferreira incumbido de o fazer, amanhã – por o mesmo,
depois de me ter advertido expressa, repetida e enfaticamente que me queria
dizer adeus e um até à próxima,
desaparecer na hora de fecho daquela casa. Certamente para tomar chá – a desculpa
que costuma dar em jeito de justificação das suas demoras.
Para
além destas e doutras palavras amáveis, amigos houve que acompanharam os seus
desejos de boa viagem e de rápido regresso com pequenas lembranças. Recebê-las
deixa-me sempre simultaneamente satisfeito pela atenção que traduzem mas um
tanto sem saber o que fazer quando as recebo. É claro que eu sei que as devo agradecer, tanto mais
que gostei imenso que mas dessem, sobretudo porque não raro espelham a minha
imagem de quem faz a oferta.
O
Percival ofereceu-me uma cópia do primeiro trabalho histórico que publicou, no
já distante ano de 1958, ainda nos tempos da secção de informação da repartição
central de estatística e informação: Arte
Indu em Goa: Sri-Manquexa e outros templos de Pondá. E é impossível pensar
em Percival sem me recordar nas larguíssimas horas que passámos juntos,
conversando sobre a Goa de outrora…
A
Anita, o Diogo e os filhos deram-me uma caneca e uma tabuinha de Goa, memorabilia local que associo às
dinâmicas da família que me acolheu tão simpaticamente na inóspita Britona
durante cerca de 2 meses e com a qual, desde então, vou mantendo contactos
regulares. E mandaram um recuerdo para
Dona Teresa – que eu, naturalmente, não
sei o que é.
Da
Céu e o Luís – e a Céu, extensão do braço providencial de MJML durante a minha
estreia em Goa, foi a primeira pessoa que conheci nesta terra, quando me foi
buscar, aturdido e exausto, a Dabolim – recebi um pequenino kit pio. Quando cheguei a casa – depois
do último jantar, com o Zé Ferreira, no meu querido terraço do Pangin Inn, e após de uma última
conversa sentado nos cadeirões indo da
sala que se lhe segue – lá estava ele, devidamente embrulhado e acompanhado por
um pequeno recado. A Céu, sempre atenciosa, tinha-o deixado ao regressar a
casa. Não se estranhe a natureza do presente: a Goa das Fontainhas é
intrinsecamente católica, e foi a comunidade católica quem me recebeu de braços
abertos nesta terra. E a Céu e o Luís são filhos das Fontainhas e deste grupo.
António
Manuel Pereira veio de Benaulim deixar algumas fotocópias de documentos que podem ser de utilidade para si (assim
gosta de dizer) e uma carta repleta de recomendações e sugestões, como é seu
timbre. E o Delfim ofereceu um poster do
IV encontro de leitura de poesia multilingue da universidade de Goa, para o
qual nos convidou e no qual participámos, o Zé Ferreira declamando uma
excelente goesa de Sophia de Mello
Breyner e uma sofrível ode às pontes sobre o Mandovi, eu relembrando os tempos
dos mandós, dos salões das Velhas
Conquistas e dos balcões de Ribandar graças ao elogio das mangas locais
feito há mais de um século por Tomás Mourão.
Finalmente,
o Gustavo – que partilha comigo o gosto pela história, pelas genealogias e pelo
direito – ofereceu-me uma bebinca, a sobremesa das elites que ele tão bem
representa. Acertou em cheio: eu gosto IMENSO de bebinca! J
Vou-me
assim, mais carregado. Não tanto, porém, de peso efetivo na mala (felizmente,
mandei os livros que comprei por barco, magnificamente empacotados na Luís
Abreu!), mas sim de boas recordações. Não cairei na tentação e na banalidade de
dizer que Goa é uma pérola de rara beleza e que todos os goeses são, no género
dos taitianos, gente muito cordial e solícita para com os viajantes: na
verdade, gosto – apesar dos inúmeros senãos e de, por vezes, mal conseguir
divisar as suas facetas que prefiro – demasiado desta terra para o fazer. Mesmo
com o turismo de massas e sem qualidade, mesmo com o caos urbanístico, mesmo
com os cães vadios, mesmo com a falta de modos com que por vezes temos de
lidar, Goa, para mim, vale sempre a pena. Todos esses aspetos desagradáveis
relativizam-se muito quando, sentado na varanda do Pangin Inn, a beber uma coca-cola e a rever os resultados de mais
uma jornada no arquivo, penso que, enquanto houver varandas agradáveis, papéis
velhos, Velha Goa, Fontainhas, cadeiras indo,
solares nas Velhas Conquistas, palmeiras
e mar e o Percival, o Gustavo, a Anita e o Diogo, a Céu e o Luís, a Jeanette e
o Clifton, o Delfim, António Manuel Pereira e tantos outros retornarei sempre
gostosamente. E, claro está, enquanto, à semelhança de uma mão-cheia de aficionados (creio que
também estás a dar entrada no grémio, Zé Ferreira!), continuar a ouvir, onde quer que esteja, desde a Roma do Oriente – ressoando no monte da
Boavista da Cruz dos Milagres dos Brâmanes do Oratório, no Monte Santo, na
Capela do Monte e ao longo do Mandovi – o badalar discreto e constante do sino de ouro que Tomás Ribeiro, perdido entre as insónias provocadas pelo terror do cemitério em que a antiga capital se
convertera, a inspiração gerada por aquelas pedras históricas, o medo dos
mosquitos e o incitamento do último dos teatinos, imortalizou:
É noite lôbrega! O sino,
O sino
d’oiro da Sé,
Dá
badaladas soturnas
Chamando
às preces noturnas!..
Quem
chama o sino? ...quem é?!...