A CAMINHO DE VELHA GOA
Creio
poder afirmar, sem faltar à verdade, que aprendi a gostar de andar de autocarro
em Goa. Antes de começar a frequentar assiduamente os transportes públicos
desta terra – primeiro com alguma apreensão, a qual foi sendo substituída por
uma confiança crescente, num processo para o qual o contributo da intrépida
Giulia Tabacco se mostrou determinante – era praticamente impossível ver-me a
bordo de tal tipo de veículo. Seria necessário que uma borrasca violentíssima
se tivesse levantado e não desse sinais de amainar rapidamente, ou que uma
urgência de última hora me impossibilitasse uma deslocação a pé, ou ainda que
estivesse a acompanhar alguém que efetivamente fizesse uso desse meio de
transporte para subir para um bus. No
entanto, depois de 2008, recorro bastante frequentemente aos autocarros de
Coimbra e Lisboa. Porquê? Basicamente, por, desde então, e em comparação com os
seus congéneres goeses, os mesmos me parecerem tão confortáveis e modernos que
seria uma óbvia estupidez não os aproveitar. Não se veja nestas considerações,
porém, uma crítica feroz aos transportes de Goa, que também têm os seus pontos
positivos e cuja existência acaba, indubitavelmente, por tornar bem mais fácil
a vida dos que, aqui estando e não dispondo de carro ou mota ou de dinheiro
suficiente para manter um motorista particular, não gostam de se confinar aos
magros limites de Pangim. A seu favor, os autocarros de Goa contam a barateza
dos preços que praticam – os quais não creio, contudo, estarem tabelados
(ontem, por exemplo, pagámos 10 rupias pelo percurso Pangim-Velha Goa e 8 pelo
inverso, o que não deixa de ser surpreendente) –, o colorido que envolve sempre
uma viagem a bordo de tais carripanas (sobretudo quando não se têm horários
rígidos a cumprir, nem vamos vestidos de modo mais formal) e a mais-valia de,
frequentando-os, nos apercebermos melhor como vive, efetivamente, muita da
gente desta terra (continuo a achar irritante a opção daqueles que persistem em
ver Goa apenas através da brisa refrescante do ar condicionado). Pelo
contrário, em desabono, temos fatores como os passageiros acotovelados, a
entrada e saída quase em movimento, os assentos desconfortáveis, a música aos
berros, os cheiros de uma humanidade que não é rica e se amontoa num
compartimento (ainda que sobre rodas) exíguo.
Pessoalmente,
acho estas viagens de autocarro divertidas – sobretudo se acompanhado (embora
já as tenha feito algumas dezenas de vezes sozinho e daí jamais tenha vindo
qualquer mal ao mundo) e rumo a um bom destino. E há melhor destino, por estas
paragens, do que Velha Goa, esse oásis em que todos – portugueses, goeses, e
até alguns estrangeiros mais sensíveis a tais temas – não resistimos em
projetar mentalmente, sobre os escombros magníficos de que qualquer um se
orgulha, uma Roma do Oriente, uma outra Lisboa que talvez jamais tenha
efetivamente existido com a grandiosidade, a riqueza e a pompa meio lendárias,
meio mítica que teimamos em atribuir-lhe? E, conforme diz a minha Mãe – que foi
quem me deu a nova, que parece auspiciosa, difundida enquanto dormia no coração
das Fontainhas – haveria lugar mais adequado do que esta terra para ficar a
saber que o novel Papa é jesuíta e se virá a chamar Francisco (talvez em honra
de S. Francisco Xavier)? Batizado por um jesuíta, o Padre Cabral Abranches, e
tendo sempre sentido especial simpatia pela congregação (que é determinada,
combativa e organizada, e não soçobra, geralmente, perante as adversidades; se
eu fosse eclesiástico, seria certamente da Companhia), não posso deixar de
notar, na escolha, sinais de um futuro que pode ser risonho. Aguardemos, pois,
as consequências efetivas desta eleição, que me surpreendeu – representa,
afinal, mais um sucesso dos descendentes de Loyola e Xavier (e também, estamos
ou não em Goa?, dos mártires de Cuncolim), que gostam sempre de ir mais além – e me fez lembrar o velho
dizer goês, que tanta verdade encerra:
Vice-rei vai, vice-rei
vem, mas padre paulista sempre tem.
(Não
esqueçamos que o mais tradicional dos colégios inacianos em Goa era o de S. Paulo dos Arcos, razão pela qual
estes eram, outrora, muito conhecidos como paulistas).
0 Comments:
Post a Comment
<< Home