Friday, March 15, 2013

A CAMINHO DE VELHA GOA


Creio poder afirmar, sem faltar à verdade, que aprendi a gostar de andar de autocarro em Goa. Antes de começar a frequentar assiduamente os transportes públicos desta terra – primeiro com alguma apreensão, a qual foi sendo substituída por uma confiança crescente, num processo para o qual o contributo da intrépida Giulia Tabacco se mostrou determinante – era praticamente impossível ver-me a bordo de tal tipo de veículo. Seria necessário que uma borrasca violentíssima se tivesse levantado e não desse sinais de amainar rapidamente, ou que uma urgência de última hora me impossibilitasse uma deslocação a pé, ou ainda que estivesse a acompanhar alguém que efetivamente fizesse uso desse meio de transporte para subir para um bus. No entanto, depois de 2008, recorro bastante frequentemente aos autocarros de Coimbra e Lisboa. Porquê? Basicamente, por, desde então, e em comparação com os seus congéneres goeses, os mesmos me parecerem tão confortáveis e modernos que seria uma óbvia estupidez não os aproveitar. Não se veja nestas considerações, porém, uma crítica feroz aos transportes de Goa, que também têm os seus pontos positivos e cuja existência acaba, indubitavelmente, por tornar bem mais fácil a vida dos que, aqui estando e não dispondo de carro ou mota ou de dinheiro suficiente para manter um motorista particular, não gostam de se confinar aos magros limites de Pangim. A seu favor, os autocarros de Goa contam a barateza dos preços que praticam – os quais não creio, contudo, estarem tabelados (ontem, por exemplo, pagámos 10 rupias pelo percurso Pangim-Velha Goa e 8 pelo inverso, o que não deixa de ser surpreendente) –, o colorido que envolve sempre uma viagem a bordo de tais carripanas (sobretudo quando não se têm horários rígidos a cumprir, nem vamos vestidos de modo mais formal) e a mais-valia de, frequentando-os, nos apercebermos melhor como vive, efetivamente, muita da gente desta terra (continuo a achar irritante a opção daqueles que persistem em ver Goa apenas através da brisa refrescante do ar condicionado). Pelo contrário, em desabono, temos fatores como os passageiros acotovelados, a entrada e saída quase em movimento, os assentos desconfortáveis, a música aos berros, os cheiros de uma humanidade que não é rica e se amontoa num compartimento (ainda que sobre rodas) exíguo.
Pessoalmente, acho estas viagens de autocarro divertidas – sobretudo se acompanhado (embora já as tenha feito algumas dezenas de vezes sozinho e daí jamais tenha vindo qualquer mal ao mundo) e rumo a um bom destino. E há melhor destino, por estas paragens, do que Velha Goa, esse oásis em que todos – portugueses, goeses, e até alguns estrangeiros mais sensíveis a tais temas – não resistimos em projetar mentalmente, sobre os escombros magníficos de que qualquer um se orgulha, uma Roma do Oriente, uma outra Lisboa que talvez jamais tenha efetivamente existido com a grandiosidade, a riqueza e a pompa meio lendárias, meio mítica que teimamos em atribuir-lhe? E, conforme diz a minha Mãe – que foi quem me deu a nova, que parece auspiciosa, difundida enquanto dormia no coração das Fontainhas – haveria lugar mais adequado do que esta terra para ficar a saber que o novel Papa é jesuíta e se virá a chamar Francisco (talvez em honra de S. Francisco Xavier)? Batizado por um jesuíta, o Padre Cabral Abranches, e tendo sempre sentido especial simpatia pela congregação (que é determinada, combativa e organizada, e não soçobra, geralmente, perante as adversidades; se eu fosse eclesiástico, seria certamente da Companhia), não posso deixar de notar, na escolha, sinais de um futuro que pode ser risonho. Aguardemos, pois, as consequências efetivas desta eleição, que me surpreendeu – representa, afinal, mais um sucesso dos descendentes de Loyola e Xavier (e também, estamos ou não em Goa?, dos mártires de Cuncolim), que gostam sempre de ir mais além – e me fez lembrar o velho dizer goês, que tanta verdade encerra:
Vice-rei vai, vice-rei vem, mas padre paulista sempre tem.
(Não esqueçamos que o mais tradicional dos colégios inacianos em Goa era o de S. Paulo dos Arcos, razão pela qual estes eram, outrora, muito conhecidos como paulistas).


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