Tuesday, March 12, 2013

NENÚFAR NO CHARCO


O título do post de hoje foi “roubado” a Avelino Cunhal, que o deu a um dos seus escritos romanceados tendencialmente autobiográficos (re)descoberto e publicado não há muitos anos, entre os elogios dos que admiram a prosa do progenitor daquele que foi seguramente o mais célebre dos militantes do PCP e alguma apreensão da minha família (já devidamente alerta desde “Senalonga”), a qual não podia deixar de – atendendo ao precedente – pensar O que será que ele vai dizer de nós agora? No entanto, as semelhanças com Avelino começam e acabam aí mesmo: no título, que me parece especialmente adequado à nova biblioteca de Goa. Já sabia da construção de um edifício moderno – com todos os confortos que uma casa renovada sempre garante, salas amplas, vistas desafogadas, cadeiras confortáveis e boas mesas de trabalho – há algum tempo, e já tinha visto, inclusive, um pequeno vídeo promocional do mesmo no youtube. De acordo quer com um par de descrições entusiasmadas, quer com aquela gravação de meia dúzia de minutos, as diferenças da novel Central Library face às tradicionais acomodações da velha instituição pareciam abissais: mesmo assim, todos esses louvores (orais e visuais) ficaram aquém da boa impressão que registei ontem, quando a visitei presencialmente pela primeira vez. É certo que não tem o charme da velha Biblioteca Pública, acomodada num dos extremos do vasto antigo quartel que se espraia ao longo de um dos lados da Praça das Sete Janelas, com a entrada ornada pelos belíssimos painéis de azulejos que todos os guias turísticos de Goa enaltecem e onde a secção dos reservados e livros em português, voltada para um pátio interior, mantinha um ambiente de gabinete doméstico que lhe dava graça. Mas os velhos cartapácios e os solenes volumes, as venerandas separatas e os volumosos jornais reunidos ao longo dos séculos iam-se inevitavelmente deteriorando a um ritmo acelerado naquelas salas centenárias e pouco adequadas à sua preservação e fácil consulta. Ao invés, na nova biblioteca – que também acaba por receber o visitante com azulejos (com larga reprodução de um dos desenhos de Mário Miranda, precedendo uma espaçosa escadaria e um átrio amplo) – todos (livralhada, pessoal e leitores) convivem com espaço e confortavelmente. Soube-me bem ir a este verdadeiro e fresco nenúfar nascido na cidade de Pangim, tal como me soube bem encontrar Maria de Lourdes Bravo da Costa e que uma das funcionárias, recordando-se de mim, me viesse cumprimentar com um tremido, mas muito simpático, Bom dia! Como está? Trabalhei prazenteiramente numa mesa desafogada, os livros apareceram com celeridade, e o ambiente era silencioso e adequado ao trabalho. E também não desgosto da ideia de terem construído as novas instalações a, no máximo, dez minutos de caminhada desde a minha porta: passa-se a ponte pedonal que separa as belas Fontainhas da horrorosa Patto, o bairro moderno desta cidade, faz-se uma breve caminhada na margem esquerda (Mana, também aqui a nossa tese se verifica!) e já está! Mas, senhores… em que charco veio a florescer tal nenúfar! Não se trata apenas de ser um edifício de Patto (aliás, a biblioteca até me parece fugir gritantemente da regra dos prédios que aí usualmente se constroem, feiíssimos e sem qualidade nenhuma, que depois de completarem dois anos já parecem ruínas centenárias a desfazerem-se aos pedaços), mas de a terem levantado num espaço junto ao qual está uma lixeira! Se já não percebo como é que a câmara da cidade, burgo pequenino, que facilmente se controla, deixa aquele monturo a céu aberto numa das zonas de expansão da mesma, menos ainda compreendo como é que não tratou de o erradicar quando a abertura na nova biblioteca (uma British Library nos trópicos, chama-lhe, com manifesto exagero e alguma graça, o Zé Ferreira) de que Pangim, com toda a justiça, se ufana. Um toque no cravo e outro na ferradura, portanto, ou, noutra formulação, como novas soluções podem ser parcialmente comprometidas pela manutenção de velhos problemas. Por outro lado, também me deparei (não podia deixar de ser) com reflexos do contrário: velhos problemas que nem as novas soluções conseguem ultrapassar… É que, quando, cheio de esperanças, pedi uma das vetustas miscelâneas em cujo final esperava encontrar anexado um texto (que, julgo, permanecia praticamente ignorado) que me parecia ser interessantíssimo – e cuja referência tinha, num golpe de sorte, extraído de um dos artigos jornalísticos de Mártires Lopes – constatei que os dois opúsculos finais da mesma (obras raras, por sinal) tinham desaparecido!


2 Comments:

At 4:04 AM, Blogger Teresa said...

Que pena, não teres encontrado o texto que procuravas!
Se calhar, e também à semelhança do que se passa por cá, está mal arrumado. Boa pesquisa!

 
At 8:01 AM, Blogger Joanight said...

parece ser bem confortável :) e espero que não sejam tão chatos, nem tenham tantas regras como aqui na Zoologia :D

 

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