NENÚFAR NO CHARCO
O
título do post de hoje foi “roubado”
a Avelino Cunhal, que o deu a um dos seus escritos romanceados tendencialmente
autobiográficos (re)descoberto e publicado não há muitos anos, entre os elogios
dos que admiram a prosa do progenitor daquele que foi seguramente o mais
célebre dos militantes do PCP e alguma apreensão da minha família (já
devidamente alerta desde “Senalonga”), a qual não podia deixar de – atendendo
ao precedente – pensar O que será que ele
vai dizer de nós agora? No entanto, as semelhanças com Avelino
começam e acabam aí mesmo: no título, que me parece especialmente adequado à
nova biblioteca de Goa. Já sabia da construção de um edifício moderno – com
todos os confortos que uma casa renovada sempre garante, salas amplas, vistas
desafogadas, cadeiras confortáveis e boas mesas de trabalho – há algum tempo, e
já tinha visto, inclusive, um pequeno vídeo promocional do mesmo no youtube. De acordo quer com um par de
descrições entusiasmadas, quer com aquela gravação de meia dúzia de minutos, as
diferenças da novel Central Library face
às tradicionais acomodações da velha instituição pareciam abissais: mesmo
assim, todos esses louvores (orais e visuais) ficaram aquém da boa impressão
que registei ontem, quando a visitei presencialmente pela primeira vez. É certo
que não tem o charme da velha Biblioteca Pública, acomodada num dos extremos do
vasto antigo quartel que se espraia ao longo de um dos lados da Praça das Sete Janelas, com a entrada
ornada pelos belíssimos painéis de azulejos que todos os guias turísticos de
Goa enaltecem e onde a secção dos reservados e livros em português, voltada
para um pátio interior, mantinha um ambiente de gabinete doméstico que lhe dava
graça. Mas os velhos cartapácios e os solenes volumes, as venerandas separatas
e os volumosos jornais reunidos ao longo dos séculos iam-se inevitavelmente
deteriorando a um ritmo acelerado naquelas salas centenárias e pouco adequadas
à sua preservação e fácil consulta. Ao invés, na nova biblioteca – que também
acaba por receber o visitante com azulejos (com larga reprodução de um dos
desenhos de Mário Miranda, precedendo uma espaçosa escadaria e um átrio amplo)
– todos (livralhada, pessoal e leitores) convivem com espaço e
confortavelmente. Soube-me bem ir a este verdadeiro e fresco nenúfar nascido na cidade de Pangim, tal
como me soube bem encontrar Maria de Lourdes Bravo da Costa e que uma das
funcionárias, recordando-se de mim, me viesse cumprimentar com um tremido, mas
muito simpático, Bom dia! Como está?
Trabalhei prazenteiramente numa mesa desafogada, os livros apareceram com
celeridade, e o ambiente era silencioso e adequado ao trabalho. E também não
desgosto da ideia de terem construído as novas instalações a, no máximo, dez
minutos de caminhada desde a minha porta: passa-se a ponte pedonal que separa
as belas Fontainhas da horrorosa Patto,
o bairro moderno desta cidade, faz-se uma breve caminhada na margem esquerda (Mana, também aqui a nossa tese se verifica!) e
já está! Mas, senhores… em que charco veio
a florescer tal nenúfar! Não se trata apenas de ser um edifício de Patto (aliás, a biblioteca até me parece
fugir gritantemente da regra dos prédios que aí usualmente se constroem,
feiíssimos e sem qualidade nenhuma, que depois de completarem dois anos já
parecem ruínas centenárias a desfazerem-se aos pedaços), mas de a terem
levantado num espaço junto ao qual está uma lixeira! Se já não percebo como é
que a câmara da cidade, burgo pequenino, que facilmente se controla, deixa
aquele monturo a céu aberto numa das zonas de expansão da mesma, menos ainda
compreendo como é que não tratou de o erradicar quando a abertura na nova
biblioteca (uma British Library nos
trópicos, chama-lhe, com manifesto exagero e alguma graça, o Zé Ferreira)
de que Pangim, com toda a justiça, se ufana. Um toque no cravo e outro na
ferradura, portanto, ou, noutra formulação, como novas soluções podem ser
parcialmente comprometidas pela manutenção de velhos problemas. Por outro lado,
também me deparei (não podia deixar de ser) com reflexos do contrário: velhos
problemas que nem as novas soluções conseguem ultrapassar… É que, quando, cheio
de esperanças, pedi uma das vetustas miscelâneas em cujo final esperava encontrar
anexado um texto (que, julgo, permanecia praticamente ignorado) que me parecia
ser interessantíssimo – e cuja referência tinha, num golpe de sorte, extraído
de um dos artigos jornalísticos de Mártires Lopes – constatei que os dois
opúsculos finais da mesma (obras raras, por sinal) tinham desaparecido!
2 Comments:
Que pena, não teres encontrado o texto que procuravas!
Se calhar, e também à semelhança do que se passa por cá, está mal arrumado. Boa pesquisa!
parece ser bem confortável :) e espero que não sejam tão chatos, nem tenham tantas regras como aqui na Zoologia :D
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