Friday, March 22, 2013

LUÍS E O MAINATO


Se eu vivesse efetivamente no século XIX (Deus me livre de tal coisa!, apesar de, na verdade, passar boa parte dos meus dias a pensar em episódios oitocentistas e a “dialogar” e procurar compreender a gente daquelas eras) e, porventura, me perguntassem quais seriam os primeiros 10 conselhos que daria a alguém que se pretendesse instalar em Goa para aqui passar uma temporada, certamente diria:
- Saiba V.Ex.a que deve tomar, quanto antes, um mainato. Mas tenha cuidado com o que escolhe. Se V. Ex.a nisso vir algum préstimo, posso porém aconselhar um ou outro cujos serviços me parecem particularmente recomendáveis. Os mainatos são colaboradores preciosos e (talvez também por isso) poderosos: há que saber tratá-los bem.
Ora, apesar de mais de um século depois muitas coisas terem – felizmente! – conhecido profundíssimas alterações, a importância de se escolher um bom mainato em terras de Goa mantém-se. Há anos, quando cá vim pela primeira vez e me instalei na remota e piscatória Betim, depressa contratei (não se veja nisto qualquer assomo de pompa, pois a modéstia da minha vida naquela terra contrastava fortemente com qualquer assomo de vaidade) a Nati para me dar uma ajuda na limpeza dos meus “salões” e um mainato para me ir lavando a roupa. Diga-se desde já, que, dos dois, a Nati depressa se revelou a escolha mais acertada : o mainato era homem de humores, que ora estava ora não estava, ora cumpria os prazos ora os ignorava, ora desaparecia (e certa vez desapareceu semanas, alegadamente para ir passar férias a Hyderabad, conservando alguma roupa da minha Mãe, que, fiando-se na palavra filial, lha confiara e só com alguma dificuldade a recuperou) ora mandava ir trabalhar em seu lugar qualquer membro da infindável parentela que o assessorava, expressando-se num inglês pior do que básico e marcando as minhas camisas com enormes “PPP” a esferográfica, os quais pareciam avivar-se à medida que, com as lavagens, as cores das mesmas iam esmaecendo. Eu, que gosto de cores fortes (pelo que são geralmente as que uso), cheguei a Goa com um lote de camisas e pólos vermelhonas, azulonas, claramente verdes, etc… e retornei, passados três meses e meio, com um guarda-roupa composto por peças em modestos tons beges!
Quando me mudei de Betim para Pangim – e desde então não há, a meu ver, bairro mais ridente nesta terra do que as Fontainhas, de onde aliás escrevo o presente post – abandonei sem remorsos o meu mainato rural para o substituir por um congénere mais urbano que depressa encontrei a dois passos de casa, à entrada de S. Tomé, numa das lojas do piso térreo do solar dos Costa Campos. Entendemo-nos bem e rapidamente. O mainato de S. Tomé era um rapaz novo, mais constante do que o das margens bardesanas, melhor cumpridor de prazos e (comparativamente) brando quer com as lavagens que empalidecem quer com as marcas que apunha na roupa que lá deixava. Em regra, estava na loja  (mas esse está longe de ser um aspeto que nós, portugueses, possamos criticar!) uma meia hora mais tarde do que devia e terminava a jornada um tanto aquém do anunciado (mas depressa qualquer um dos seus clientes se apercebia que era apenas necessário operar uma pequena mudança de horário: em vez de partir do princípio que mantinha as portas abertas das 8 às 9, como anunciava, era mais seguro considerar que o fazia das 9 às 8); no entanto, rarissimamente se enganava nos dias de entrega de roupa e trocava as peças dos diferentes clientes. E era simpático. Por tudo isso, quando agora tornei a Goa,tornei a recorrer aos seus serviços e, gradualmente, tenho vindo a recordar o decálogo do mainato – conjunto precioso de regras que convém não infringir, sob o risco de se irritar ou entristecer o dito personagem e ver-se, em consequência, sem um par de camisas importantíssimo ou com uma chamuscadela extra do ferro na manga de uma delas. Ei-lo:
1.      o mainato JAMAIS contradiz claramente o seu cliente. Na verdade, reproduz apenas (ou, noutros casos, limita-se a anuir vagamente) aquilo que o cliente deseja ouvir. Por tal, seja sobretudo um bom ouvinte e procure perceber mais do que dar ordens ou emitir opiniões tontas;
2.      o mainato JAMAIS trabalhará apressadamente a pedido do seu cliente. Não adianta dizer que precisa desesperadamente de um par de calças ou de uma dada t-shirt para a hora x. Se der, o mainato tê-las-á pronta; se não conseguir, paciência;
3.      leve sempre dinheiro trocado para pagar; nem lhe passe pela cabeça tentar saldar uma pequena dívida de 30 rupias (preço da lavagem e passagem a ferro de um par de camisas) com uma nota de 500. Não só é ridículo da sua parte, como até pode parecer prepotente e embaraçoso para o mainato;
4.      JAMAIS questione diretamente o mainato sobre como é que a roupa é lavada. É verdade que parece ser mais ou menos claro, pelo menos por vezes, não haver muita intervenção de água e sabão no processo. Mas porventura terá conhecimentos suficientes para poder afirmar que, nesta parte do mundo, a lavagem “tradicional” com água e sabão é a mais eficaz?
5.      JAMAIS lamente a perda de cores da roupa. Esse é um dado adquirido, que deve ter presenta antes de vir para a Índia e recorrer aos serviços do mainato;
6.      não lamente a qualidade da passagem a ferro! Eu tenho imenso respeito pelos serviços do meu mainato nesse domínio, apesar das camisas ligeiramente chamuscadas: se me pusessem aquele ferro primitivo que ele usa (bom, na verdade, se me pusessem qualquer ferro de engomar…) nas mãos, o resultado seria 70 vezes pior;
7.      não pressione o seu mainato a passar a roupa antes de ele considerar estar a mesma em condições. Caso contrário pode receber as peças engomadas, mas encharcadas! E sabe o que acontece aos tecidos húmidos nestes climas, não sabe?
8.      não vocifere contra as marcas que o mainato apõe na sua roupa, a fim de as identificar. Pode, naturalmente, negociar as dimensões das mesmas, bem como o lugar onde ele as insere (nas etiquetas é a melhor sugestão, a meu ver), mas tenha sempre presente que é melhor uma camisa marcada do que uma camisa trocada!
9.      não pretenda JAMAIS saber onde é a sua roupa guardada antes de a mandarem lavar. Provavelmente, fica num canto pouco aliciante da loja que é melhor nem sequer conhecer;
10.  finalmente, não se esqueça que um mainato pode ser (na verdade, acho que deve ser) um associado precioso. Não estou, com isto, a sugerir que se torne no melhor amigo dele, nem que vão beber uma cerveja juntos; no entanto, grave na sua cabeça que de uma relação de amistosa cordialidade nascem sempre frutos benéficos!
Se seguirmos este decálogo – o que é mais simples do que parece à primeira vista – está ultrapassada uma das dificuldades do quotidiano em terras estranhas. Porque, lavada com mais ou menos água, engomada com maior ou menor primor e marcada com intensidade ou discrição, poucas sensações há tão reconfortantes como vestir uma camisa limpa!


1 Comments:

At 3:09 AM, Blogger Joanight said...

:)

nada como ser sempre simpático e saber estar onde quer que estejamos!

só não percebi bem a parte de não gostares de roupa bege ahahah

e adorei a placa! é mesmo de Goa?

 

Post a Comment

<< Home