Wednesday, January 23, 2013

SOBRINHAS


Tudo indica que, daqui a uns meses, vou poder orgulhar-me de juntar mais uma sobrinha – que, naturalmente, já se prevê (como não?!?) giríssima e espertíssima – ao ainda magro lote composto pela próxima geração, patamar que, de presente, é habitado somente pela Zabi. É claro que, antes de se saber se o futuro Cabral seria menino ou menina, os espíritos divagaram livremente, planando em torno dos desejos acalentados por cada um de nós. Eu, confesso, não partilhei de forma muito intensa dessa efervescência que sempre precede a “descoberta” do sexo do novo membro da família, talvez por – se calhar fiando-me demais no peso da história – estar plenissimamente convencido de que iria, em breve, exibir ao mundo mais uma sobrinha. Na família da minha Tia I. (a avó da sobrinha-que-irá-nascer), são já sete as gerações em que apenas se têm raparigas, o que não deixa de ser um facto curioso e, de alguma forma, um feito impressionante (para não acrescentar “e um argumento de peso”!). Basta passar os olhos pela listagem:
1) o casal Josefa Maria/José Luís teve:
a) Maria da Luz
b) Maria Máxima
c) Maria dos Prazeres
2) Maria da Luz e o seu marido João Maria tiveram:
a) Maria do Céu
b) Maria Celeste
c) Maria José I
d) Maria José II
c) Maria José III (a que sobreviveu)
e) Arminda
3) Maria Celeste casou com Vítor, de quem houve somente:
4) Maria Alice, que teve do seu casamento com Abel dos Anjos:
a) Maria Isabel
b) Maria Teresa
c) Maria do Carmo
d) Maria Celeste
5) Maria Isabel casou com João Horácio, de quem houve somente:
6) Paula, a qual casou com Diogo), e são os pais da
7) Isabel (aka Zabi) e, agora, da sobrinha-que-irá-nascer

Admitam: se estivessem cientes desta informação, vacilariam ao ser-vos pedida opinião? Mais: ponderariam sequer TER uma opinião, ou limitavam-se a, também, admitir que o benefício de ter mais uma sobrinha era praticamente um…fait accompli! ;)
É claro que, mal soube que ia contar com mais uma sobrinha, alardeei um pouco a notícia (é uma das vantagens do facebook, certo?!), para além de ter comunicado a feliz nova a um punhado de gente. As reações foram, em regra, positivas e entusiásticas, como é usual (e normal, e saudável) nestes casos. No entanto, é impossível não registar algumas das reações mais bizarras com que igualmente me confrontei. Por um lado, os que fizeram um sorriso amarelo e disseram parabéns, parabéns! Mais uma sobrinha… Não tens pena de não ter sido um rapaz? – ao que eu, genuinamente surpreendido com tanta parvoíce e apanhado um pouco desprevenido, contestei enfaticamente que isso para mim era absolutamente indiferente, e que esta não seria, certamente, a última sobrinha/sobrinho que eu iria conhecer ao longo da vida. Outros comentaram Agora só há meninas! Depois ficam todas solteironas! Como é que se há-de fazer daqui a uns anos?! A estes, confesso, nem dei resposta… Também houve alguém a aventar Enfim, já que é outra menina, pelo menos é mais económico…não tem de se comprar quase nada, herda tudo da irmã. O cultivador destes prazos – rapaz pobre mas brioso (como, em regra, sucede com as pessoas pobres) – indignou-se face a tais considerações pequenino-burguesas. Enfim, a sobrinha-que-irá-nascer pode não ter a ventura de vir ao mundo numa família dotada de mananciais de euros, nem dormirá certamente com a cabeça reclinada em almofadas recheadas de notas; no entanto, ainda haverá meia dúzia de moedas para comprar coisas para ela, coisas que, tal como ela, sejam exclusivas (o que não quer, naturalmente, dizer que não “herde” vária da parafernália que foi usada pela mana mais velha)! Outros ainda comentaram Ah! Não queres ter sobrinhos rapazes para não haver competição. Assim continuas a ser o único. Perante tais raciocínios tive vontade de reprimir fortíssima gargalhada: meus caros, nem que eu fosse o 7º de 17 irmãos e tivesse 29 sobrinhos, jamais deixaria de me sentir o centro do universo. Some things never change, não sabiam? :P

Bom, leitores destes prazos, como já certamente perceberam, não adiantou mesmo nada virem azucrinar-me com a lengalenga do sublinharem o outra da expressão “outra sobrinha” com significados aos quais nem sequer me digno prestar especial atenção. Espero, isso sim, que, depois desta outra, venham muitas outras: serão todas, certamente, diferentes entre si, e o Tio – sejam elas 2, 4 ou 7, gostará certamente muito de todas e de qualquer uma delas, e ufanar-se-á de exibir uma roda de sobrinhas despachadas e decididas, giríssimas e inconfundíveis que, sejam quantas foram, jamais se sentirão mais uma!
E, afinal de contas, ter muitas sobrinhas e sobrinhos é um alívio para a pobre Zabi. Eu gosto de dizer que nada peço à próxima geração a não ser um catedrático de direito, um catedrático de medicina, um general e um arcebispo de Braga. Posto momentaneamente de lado o prelado (para esse lugar, pelo menos por enquanto, é mesmo preciso um sobrinho), pelo menos a Zabi já terá alguém com que repartir tais incumbências! ;)

Tuesday, January 22, 2013

ESTRANHOS CRIOULISMOS


Durante algum tempo, eu, como todos os que (não somos muito, creio) oscilamos entre as águas do direito e os rápidos da história, hesitei, uma vez feito o curso: em qual delas mergulhar? Continuar a aperfeiçoar a técnica jurídica ou aprender uns truques novos na piscina dos vizinhos, que desde há muito me vinha chamando a atenção? – era este o grande dilema que me atormentava. 
Acabei, como seria de esperar, por me decidir a ir dar um mergulho na dita piscina, deixando, porém, prudentemente, a minha toalha estendida à beira da lagoa jurídica. Os proprietários do quintal do lado, sejamos francos, trataram-me bem (talvez não com todas as atenções de que eu me considerava merecedor, mas de forma inegavelmente hospitaleira); no entanto, no final de contas, e apesar de o splash me ter sabido às mil maravilhas, havia ali algo que – pelo menos naquela altura – me fazia sentir ligeiramente incomodado. Um friozinho como aquele que nos sobe espinha acima quando saímos da água e a temperatura exterior não está tão amena quanto imaginávamos ou desejávamos. O problema não residia, então, nas águas – tépidas e mansas, fáceis de sulcar como velhas conhecidas que eram –, mas sim nos nadadores-salvadores que as rodeavam, nos rapazes que, de boia à cinta, pasmavam a olhar para elas, sempre hesitando em mergulhar mas criticando quem o fazia, nas matronas que, recostadas na relva que as circundava, comentavam os novatos. Para continuar ali, percebi, teria de andar de boia atrás, criticar como as ditas senhoras e imitar as passadas dos nadadores salvadores. Ora, eu não sou grande amante de flutuadores artificiais, a minha forma de satirizar diferia muito da das veneráveis damas e sentia-me mal, artificial e desengonçado quando reproduzia as coreografias dos salva-vidas. A água era fantástica, mas as margens não me pareceram tão aprazíveis quanto eu as via à distância. Para mais, comecei a reparar em pequenos detalhes que, apesar de insignificantes, me aborreciam: a relva estava mal aparada, alguns azulejos da piscina ameaçavam cair, os copos de onde as damas sorviam as suas bebidas tinham marcas de dedadas e estavam lascados. Ora, eu sempre preferi um relvado impecável, edifícios reluzentes espelhando abastança e cristais límpidos a vidro maltratado, coisa que via do outro lado da cerca, onde tinha deixado a toalha desenrolada, caso desejasse regressar. Particularidades, afinal, de que não estava, nem estou, disposto a abdicar, e que faziam igualmente parte da minha maneira de ser.
Poderia ter gasto o resto da minha vida nesta indecisão: ou permanecer nas águas afáveis mas de margens hirsutas, onde seguramente me arranharia (e é inevitável não acorrer à memória, quando aludimos a margens que oprimem, a velha e tão verdadeira frase de BB!) e, hipocondríaco como sou, me sentiria infeliz; ou voltar à base, tentar novamente imergir nas profundezas das águas do outro lado da cerca, que por vezes talvez me parecessem frias, mas cujas bordas eram, garantidamente, sempre esplendorosamente tropicais?Tudo parecia estar errado: a água morna estava de um lado da cerca, e o cenário (para mim) correspondente do lado oposto! Por que razão não poderia beber um gin à beira da piscina de que gostava? Foi então que tive a ventura de ouvir dois testemunhos que mudaram a minha maneira de ver as coisas. Por um lado, uma alma avisada advertiu-me de que o muro entre as águas existia somente para haver espaço para a entourage de ambas se sentar mais comodamente, sem pisar os vizinhos – mas que os copos de gin passam bem sobre os muros, desde que tenhamos cuidado para não se partirem. Por outro, outra alma – mais avisada ainda – perguntou-me, disparando um tanto à queima-roupa: e o que é que nos impede ou de abrir um canal entre ambas, ou, mesmo, de escavar uma terceira piscina, a meio das outras duas? Estás com medo? E eu, obviamente, sabia que, desde que pudesse drenar um pouco das águas da piscina para a lagoa e vice-versa, nada me assustaria. Mais: que tudo se revelaria verdadeiramente confortável. Era, afinal, uma questão de engenharia, sendo que, felizmente!, outros já tinham começado, há muito, a abrir esses utilíssimos canais!
Foi nessa altura que me apercebi de que, tal como em quase tudo, também no mundo da investigação a mestiçagem é suscetível de se revelar uma mais-valia. Que, na verdade, ser-se “crioulo de saberes” pode não só ser enriquecedor como (muito!) divertido. E que – ainda bem para nós! – não há dois crioulos iguais pelo que, também graças a isso, jamais nos confundiremos no cenário pardacento dos sangues intocados! Ergamos, pois, os nossos gins e, depois de uma golada, toca a mergulhar sem receios! Em ambas as piscinas, está claro!

Monday, January 14, 2013

CASAS


Uf! O dia acabou, por fim – jornada longa, de início da época das frequências, com os alunos frenéticos com dúvidas de última hora, cansados e irritadiços pelas horas suplementares de estudo e as noites mal dormidas em virtude do trabalho acumulado que é preciso despachar o melhor e o mais rapidamente possível – e, como sempre me acontece nestas alturas (em que a terrível enxaqueca acena, como que a dizer “Abusa, abusa, e amanhã terás notícias sérias a meu respeito”), não me apetece fazer nada de especial. Por isso, depois do jantar, e antes de retornar à base, andei a deambular um bocado pelo facebook (divertimento barato e inofensivo para quem quer torrar, em actividades pouco exigentes, um quarto de hora generoso). Por vezes, naquele espaço, encontram-se fotos, posts e comments que, possivelmente graças a uma conjunção de atividade cerebral descompassada, descompressão e coincidência, nos fazem pensar mais do que três minutos em determinado assunto. Desta feita, o que me despertou a atenção – pasmem – foi uma longa série de fotos de uma casa para arrendar. A casa está totalmente mobilada, com todos os pertences de quem a habita e foi – acho que um tanto despudoradamente (não fosse ela tão anódina a ponto de motivar a composição desta prosa) – ferozmente fotografada para ser anunciada a eventuais interessados em lá morar durante um período relativamente curto, provavelmente durante a ausência dos seus proprietários.
Há, aqui chegados, que fazer duas clarificações: por um lado, não é estranho que eu tenha reparado numa sequência de fotos deste género (eu gosto efetivamente de casas, de ver como são construídas e divididas); por outro, enquanto amante confesso e impenitente de velharias, não resisto a “cheirar” (da forma mais discreta possível, naturalmente) os interiores que se me deparam, na mira de por lá encontrar qualquer peça curiosa (quem gosta de antiguidades e afins sabe que metade do saber acumulado resulta de ver e padronizar o mais possível). Portanto, era quase inevitável que, deparando-me com as mesmas, fosse ver as fotos – não por querer arrendar o imóvel, mas para perceber como ele era.
No entanto, o que me impressionou, no caso desta casa (o jogo barato de palavras indicia que estou verdadeiramente cansado! :p) não foram as suas divisões e vistas desafogadas mas feiosas, mas o pouco carisma que delas exalava. Eu (por motivos absolutamente alheios à minha pessoa: as coisas já eram mais ou menos assim quando apareci) estou habituado a casas a transpirar personalidade e negligenciando o que é “clean”, ou regulamentar, ou insípido, ou (não me lembro de outra palavra, desculpem a franqueza), mesmo, banal. Não falo de interiores luxuosos, nada disso!, nem de habitações esplendorosas, mas apenas de espaços muito vividos, repletos de objetos também eles muito vividos e carregados de historietas, escorados em livros e, acima de tudo, brutalmente personalizados. Pensemos num par de exemplos.
Na casa das fotos, vê-se a secretária do dono do imóvel – que, tal como eu, é jurista e dedica-se sobretudo à investigação e à docência. O móvel é anonimamente correto e frio, hirto na sua regimental cor de faia, sem  mais objetos pessoais que uma foto, uma jarra (acho eu…) e meia dúzia de canetas e livros. Que diferença da minha velha escrivaninha – vasta mas já bastante surrada depois de anos de uso intenso, herdada do meu Pai. Está locupletada de lápis e material de escritório, as suas gavetas e escaninhos repletos com fragmentos da minha vida desde sempre (e também alguns da vida dos meus familiares e amigos mais próximos). Por todo o móvel acumulam-se pequenas insignificâncias que o personalizam: aqui um barco numa garrafa, peça rudimentar feita há que tempos pela minha Tia T. segundo as instruções da Perlin. Ficou perfeito? Não. Mas a minha tia tinha na altura para aí uns 14 anos, e eu 7, e adorei aquele barco parecido com as histórias de piratas. Ali um desenho do meu Tio ZN, acolá um outro, da minha Tia I. Ao lado, um barco que o meu Pai me trouxe há centúrias de uma viagem à Madeira e o globo que tenho desde que me lembro, ao qual está encostada uma fotografia de uma família goesa de oitocentos. Atrás de tudo, uma representação barata dos meus queridos painéis de S. Vicente, que refletem uma antiga caixa de rapé que pertenceu a um antepassado qualquer. Dentro de uma caixa de laca lascada, vinda da Covilhã, milhares de pequenos nadas sem interesse nenhum, mas importantíssimos para mim. E isto entre muitas e muitas outras coisas!
Na casa das fotos, dá-se destaque a uma estante com livros, que me pareceu magra e pouco mexida. Em minha casa, e na maioria das casas dos que me são próximos, os livros são sempre mais do que as prateleiras e jamais permanecem imóveis e intocados durante muito tempo, para além de se acotovelarem, freneticamente, em todos os espaços disponíveis. Mas não se limitam a isso: à frente dos livros há fotos e algumas outras peças – mas nunca em quantidades suficientes para nos impedirem de acedermos com toda a liberdade aos volumes. Os livros mudam de posição, de divisão, de estante e prateleira com bastante frequência; perdemo-los, encontramo-los e voltamos a perdê-los. Na foto da casa, todos têm as lombadas imaculadas e cara de serem lidos com quase reverência; em minha casa, muitos estão já parcialmente gastos pelo uso e pelas muitas mãos pelas quais já passaram.
Na casa das fotos, os móveis da sala são iguais aos de mil outras salas, e quase parecem viver enclausurados na obsessão de não saírem um milímetro dessa normalidade. Por cima da mesa cor-de-faia há uma taça cor-de-faia. No sofá desmaiado não há uma almofada. O aparador estilo-sem-estilo tem meia dúzia de louças de estilo-sem-estilo. Talvez tudo tenha sido caríssimo, talvez tudo seja design, mas o que é que distingue aquelas peças das demais? Em minha casa, a mesa está gasta e usada, e as cadeiras também, mas estão-no saudavelmente, pelos muitos que por lá passaram. Nos louceiros da zona de jantar há pilhas de pratos e chávenas e copos que contam pilhas de histórias e historietas. São todos diferentes uns dos outros, e cada um representa uma faceta dos que lá habitam. As nossas refeições são espiadas por damas chinesas em galanteios de porcelana mandarim, por cavaleiros agressivos de olhos em bico, por senhoras japonesas passeando em jardins, por chávenas que ecoam o bruaahh dos salões senenses de princípios do século passado, por compoteiras que lembram doces, por pratos que só de os vermos nos fazem recordar sobremesas especiais, por uma lamparina pequenina que os Avós trouxeram da sua primeira ida a Roma, no ano santo, em 1950, por um gato de Delft, etc., etc. Os sofás estão cobertos de almofadas às riscas, onde apetece sentar e preguiçar. E muito do que lá está, quer seja antiguidade vetusta, quer seja inovação tecnológica de ontem, é personalizado. Creio que deve ser uma das consequências de fazer parte de uma família grande e assaz criativa. Assim de repente, lembro-me da cadeira da minha Mana. É uma cadeira velha, que já existia muito antes de ela existir, e só lá em casa há quatro iguais. Mas há uma que é dela, e todos sabemos que é aquela (tem um dos “arrebiques” do espaldar ligeirissimamente partido), e é lá que a minha irmã costuma deixar o seu casaco e carteira. Ou da mesinha da Mãe: uma velha mesa gate leg (ou holandesa), com uma gavetinha onde a minha progenitora, na infância, guardava os seus pertences. Hoje, a minha Mãe tem dezenas de gavetas, e não precisa daquela para nada, mas, mesmo assim, ela mantém o seu estatuto. Ou, no hall, a gaveta do Pai, estreita e profunda, na enorme cómoda que lá está. Acho que jamais a abri sem o Pai me mandar ir lá buscar alguma coisa. Ou a almofada do Luís, que os Pais me trouxeram de Paris. E a mania – ou o hábito, porque estas coisas vão acontecendo, sem pressões – vai-se prolongando à medida que as gerações se renovam. Até mesmo a minha sobrinha pequenina já tem a porta da Zabi (uma porta exatamente ao seu nível, de um velho móvel faqueiro Henrique VIII agora adaptado a outros fins, onde a Zabi gosta de esconder alguns dos seus “tesouros” e que tem gravado um dragão a que ela acha graça), e a tacinha da Zabi com os peixinhos de plástico da Zabi. E os exemplos podiam multiplicar-se.
Na casa das fotos, os quadros são todos bastante anónimos (serigrafias banais, um mapa do século XVIII repetido até à exaustão pelas paredes de muitas outras casas) ou, então, fotografias dos donos, desde a sua infância até à atualidade. Em minha casa, as paredes estão pejadas de quadros feitos pelos membros da família que gostam de rabiscar, ou então por outras telas e aguarelas que contam alguma história: ofertas de amigos dos Pais, velhos salvados de outras moradas da família, coisas assim. Existem muitas fotos – o que se justifica por sermos muitos – e estão longe de se limitar a uma geração. Na sala, por exemplo, percorrem-se laaaargas décadas, de forma um tanto desordenada, desde os meus trisavós até à Zabi. E as molduras estão longe de ser todas uniformes. Algumas, pobres delas!, estão já meias desconjuntadas, e quase nenhuma combina com as que estão ao lado. Velhas molduras orientais emparceiram com caixilhos contemporâneos, fotografias tiradas em modernas máquinas digitais ombreiam com velhos daguerreótipos.
Na casa das fotos, tudo é correto, arrumado, bonitinho, exatamente como deve ser. Na casa das fotos, na verdade, tudo é aborrecidíssimo! Eu, quando vejo uma casa assim, penso que os seus donos devem ser um tédio; e imagino o desconfortável que me sentiria se, ao regressar depois de um dia intenso de trabalho, me deparasse com aquele ambiente tão inofensivo quão politicamente correto. Se vivesse numa casa destas, não teria uma almofada minha ao lado do meu candeeiro (o tal que compraram expressamente para que eu lesse melhor encostado ao meu canto do sofá) nem o cantinho da mesa que também é “meu”, onde repousa a revista e o livro que estou a ler na altura. Atrás de mim não se levantariam, até quase ao teto, estantes repletas de livros (onde ruge um velho leão da China – chorando a morte de uma Macau que se desvaneceu ou urrando de prazer por se encontrar num ambiente amável?) – basta esticar a mão e puxar um! À minha frente, na velha de mesa de jogo, vários pares de olhos de várias épocas e gerações não me fitariam e, em cima, o quadro do Hipólito Andrade representando uma viela da baixinha não teria qualquer significado.



Provavelmente, se os donos da casa das fotos vissem a minha, morriam: achá-la-iam, decerto, “demasiado personalizada”. Eu, se tivesse de viver na deles, sufocava com tanto anonimato.
Dizem que viver num ambiente inócuo só tem vantagens. Acredito… mas, assim de repente, não me lembro de nenhuma!

Sunday, January 13, 2013

MEIO VAZIO... OU MEIO CHEIO?!?


Ontem, pela hora do jantar, troquei meia dúzia de argumentos em torno de um artigo (que abordava uma matéria fraturante) sobre a realidade portuguesa publicado numa revista francesa. O tema era tratado de uma forma bastante intensa, sendo que o articulista (talvez também por esse motivo, mas certamente, e sobretudo, devido à ignorância que, para além-fronteiras, grassa sobre o nosso país) traçava, a pinceladas largas, um retrato de Portugal que, em determinados aspetos, estava longe de corresponder à realidade. Foi este, mais do que o assunto abordado na publicação, o motor da divergência. Tudo girava, afinal, em torno de uma velha questão: por definição, o que vale mais? Falar-se no assunto (no caso, na experiência portuguesa) ainda que se corra o risco de se veicularem informações e dados menos corretos, ou pura e simplesmente não se abordar a temática por não termos elementos suficientes disponíveis nem a necessária segurança para aferir da sua bondade (isto é, não se recorrer sequer ao nosso país a título de objeto de estudo)? Eu sustentava a primeira abordagem: importa falar, ainda que proclamando algumas burrices (ancorado na convicção de que é mais fácil, nestes domínios, corrigir um erro relativamente a um cenário preexistente do que explicar ex novo toda uma realidade a leitores franceses, em regra pouco inclinados à análise do caso nacional); a contraparte, suspeito bem, encarava este raciocínio com muitas (e porventura justificadas) reservas.
Na verdade – concluo eu, tendo reservado dois minutos adicionais ao tema, enquanto fazia a barba, hoje de manhã – também nestes domínios se tem de aplicar o velho método de Hespanha. AMH ensina-nos que “nunca podemos avaliar um instituto jurídico descontextualizado do seu âmbito sociocultural e económico de aplicação” e o que se refere especificamente ao direito também se aplica (como é evidente…) a grande parte das situações do nosso quotidiano. À clássica hesitação entre saber se o copo está meio vazio ou meio cheio, mais do que uma postura otimista ou pessimista (ou de um otimismo realista, como advoga o meu Pai ser a sua maneira de ver o mundo), mais do que fatalismos e ditames políticos e religiosos, mais do que constrangimentos sociais e culturais, interessa, creio bem, a situação concreta em análise. Vale, também aqui, o estudo de caso que quer os juristas, quer os devotos da micro-história (quer ainda os juristas devotos da micro-história, como o cultivador destes prazos!) tanto apreciam. E tal aplica-se a inúmeras situações da nossa vida. Eu, enquanto a gillette (que na verdade é Wilkinson, mas who cares) subia e descia pelo pescoço e bochechas, lembrei-me logo de meia dúzia delas. E muitas mais, certamente, haverá. Por exemplo, no trabalho intelectual. Tipos obsessivos, como eu, acham que o que se faz está sempre bastante mau e/ou incompleto e tendemos a fazer sucessivas revisões sobre revisões. Quando um artigo está praticamente pronto, parece-nos sempre ainda cheio de imperfeições, de arestas a limar: uma referência legal em falta aqui, um documento que não citámos acolá, o autor que inadvertidamente esquecemos, a nota de rodapé que se revelou desnecessária, a conclusão que parece coxa… É verdade que está praticamente pronto para seguir (o copo parece meio cheio), mas, a nosso ver, ainda falta muita e muita água para o locupletar. Ou, por outro lado, nas nossas crenças – sejam elas políticas, religiosas, culturais. Ou se é ou não se é (o que não significa, obviamente, que tenhamos de concordar com todas as linhas de ação dos grupos e correntes a que pertencemos). Se alguém me vem dizer que é profundamente ecologista e se acha muito empenhado na construção de um mundo mais “verde” mas, depois, acrescenta que jamais participou numa atividade conjunta ou desenvolveu qualquer esforço individual em prol da causa, eu pensarei ato imediato “Ecologista uma ova; o que és é um mandrião com mania”. Para ele, o copo está meio cheio; para mim, inapelavelmente meio vazio – e a tender para se esvaziar de todo muito rapidamente. Outra hipótese – esta um pouco menos profunda – são aquelas pessoas que afirmam desempenhar determinadas funções, ou viver em certos sítios, ou conhecer este e aquele e, posteriormente, vêm esclarecer-nos “não ser bem, bem assim”. “Eu afinal não moro bem, bem em Lisboa… mas sim na zona de Cascais… enfim, é mesmo em Alcabideche. Por isso não posso chegar ao Saldanha em 7 minutos…”; “eu disse-te que conhecia muito bem o Prof. X, mas não é bem, bem assim… vi-o uma vez, na cantina da faculdade. Ah! E a minha prima conhece a filha da secretária dele. É um bom contacto, não achas? (na verdade, o que eu acho é… GRRRRR!!). A meu ver, o copo, aqui, está a resvalar para o precipício… parte-se e depois jamais se voltará sequer a equacionar a possibilidade de se encher. Ou mesmo nos compromissos profissionais (“Eu vou, mas só fico até às 11, porque estou contratado a tempo parcial. Precisam da minha ajuda? Contratem-me! Se não, paciência!...). Esta alma achará que o líquido contido no copo já ultrapassou generosamente a fasquia dos 50%; eu, pelo contrário, diviso com dificuldade a existência de qualquer gotinha remanescente no seu fundo. Finalmente, algo de idêntico se passa nas relações entre as pessoas – sejam elas profissionais (“Eu trabalho com ele, mas não me peçam para o defender em público! Já chega o que faço!” – ai, ai, ai… não ter orgulho em “vestir a camisola” é, para mim, equivalente a cacos de copo vazios espalhados por toda a sala), de amizade (“Não me peças para a convidar. Eu tomar um cafezinho a meio da manhã com ela ainda tomo, agora desafia-la para vir jantar connosco?!”) e amorosas. No que toca a estas últimas, a imagem do copo, no meu caso, atrapalha logo nos domínios do (para mim, insondável e pouco apetecível) conceito de “relação aberta”, em que por vezes se está junto e noutras (quer seja em público – “porque, afinal, é embaraçoso ser visto com tal pessoa” ou “enfim, ela não pertence ao nosso mundo, jamais se iria integrar; é até um favor que lhe faço” – quer em privado) não. Este é um dos casos em que, para mim, o estudo da situação em concreto conta pouco: ou se está, ou não se está. Relações a meio gás são uma coisa estranha, do género de um avião sem uma asa, ou de um cantor com soluços crónicos, ou de um professor com terror de multidões: têm tudo para não funcionar. E quem é que gosta de apoiar causas perdidas e se meter em desafios condenados à partida? Eu não! Comprometimentos deste jaez têm de ser assumidos pelas partes envolvidas; caso contrário, o copo está praticamente seco… e não há, ali, o que se possa chamar relação. Amizade (colorida ou não), empatia, sistema-anti-aborrecimento, o que quiserem… tudo é possível, menos relação (porque uma relação implica compromisso, e os compromissos exigem copos bem cheios, a transbordar). Mas, ainda sulcando estas águas negras e fundas dos relacionamentos humanos, já tenho menos certezas noutras situações… Conheço casos em que se afirma haver uma relação mas uma das partes está 4/5 do tempo numa parte do mundo e a outra a milhares de quilómetros de distância; outros em que cada um mora no seu país, e pretendem continuar assim durante muitos e bons anos; outros ainda (e estes talvez sejam os mais complicados) em que os anos se sucedem e nada de concreto se diz, entre os interessados, no sentido de se dar um passo à frente: há sempre uma “tensão pré-relação”, que se arrasta durante larguíssimas dezenas de meses, mas nenhum ensaia sequer um avanço para outro patamar. Nestas situações, por onde andará o nível da água do copo? Eu – rogando aos céus para jamais cair numa espiral deste género – respondo com toda a humildade:
- Não sei! E não me peçam para olhar para o copo e ver se está meio vazio ou meio cheio. Nestes casos, o breu é tão profundo que eu nem o copo vejo.


Tuesday, January 01, 2013

O(S) OUTRO(S) SERRAZIN(S)


Hoje, dia 1 de janeiro, passam exatamente 161 anos (sei-o de fonte segura porque fui confirmar às Famílias de Seia) desde o nascimento da minha trisavó Clara Augusta. Esta avoenga – a que muitos  associam o semblante duro da mais difundida das suas fotografias (tirada já na velhice, durante umas férias passadas, como não podia deixar de ser, na Figueira), que conheço em vários tamanhos e formatos, desde a versão gigantesca para exibir nas paredes à foto “tipo passe”, e que reproduzo em anexo – nasceu numa pequena localidade junto à vila de Poiares cujo nome invulgar ainda diz algo a quase todos nós: Risca-Silva. E a Risca-Silva faz, efetivamente, jus àquela denominação, uma vez que o seu “caminho do meio” rasga, de uma forma relativamente reta, um vasto planalto outrora (há não sei quantas centúrias… para aí no século XVI) pouco explorado. Foi na Risca-Silva que esta antepassada cresceu e teve a ventura de poder estudar as poucas letras que, à data, se consideravam aconselhadas para as meninas da sua geração. Ficou, aliás, a memória do quanto a Avó Clara Augusta gostava da escola (“de ir à mestra”, como então se dizia), aonde se deslocava acompanhada da sua criada Carolina. Mais: pedida em casamento aos 13 anos por um primo mais velho (na verdade, primo direito do seu pai) que morava no vasto casarão defronte do seu – enlace relativamente ao qual sempre se sugeriu ter a afeição do noivo caminhado a par com o desejo de desfrutar da vasta herança que Clara Augusta um dia receberia (e que ainda se veio a engrossar mais após a morte precoce do seu único irmão) – terá recusado, alegando precisamente o seu prazer em ir à escola, o qual, se porventura casasse, lhe passaria a estar vedado. O pedido foi repetido no ano seguinte, tendo a resposta sido similar, e só perante a terceira proposta do persistente primo/noivo é que a filha do abastado “Mil Anjos” (homem tão rico quão piedoso) enfim acedeu. O persistente pretendente não deu apenas esta prova de saber o que queria da vida: Mathias Pedroso de Lima – o senhor capitalista – foi um homem que, antes de receber o capital paterno, que permaneceu indiviso até à morte de sua mãe, e (sobretudo) do sogro, soube arrancar de bastante pouco uma enorme fortuna, muito ancorada em negócios de cera e azeite, aos quais se veio a juntar uma impressionante riqueza fundiária em grande parte herdada daqueles maiores e por si sabiamente arredondada. Tinha, diziam, um talento extraordinário para o que comummente se costuma chamar fazer dinheiro. Na Risca-Silva, ainda há bem pouco tempo se cantarolava “Se a Mathias deres um tostão verás que, dentro de dias, ele terá um milhão”. Clara Augusta teria, assim, passado, literalmente, para o outro lado da rua (do já referido caminho do meio) de uma casa rica para outra casa ainda mais rica, tendo, alegadamente, contribuído, com a sua piedade severa e génio económico (os dois traços que melhor caracterizavam esta família, que vivia repartida entre a produção de riqueza e as exigências da fé), para o progresso de toda essa fartura. E aí terá vivido a maior parte da sua vida, temperada com ocasionais estadias em Coimbra e o clássico período anual de vilegiatura na Figueira (para onde seguia toda a família e a necessária criadagem, embarcando no porto da Raiva, em barcas serranas), tido os seus muitos filhos (três rapazes e nove raparigas) e morrido. O seu casamento representou a união entre os dois grandes ramos dos Pedroso que existiam naquela insignificante Poiares – “durante décadas, a vila mais pequena do país”, dizia o meu Avô, mas que, nas últimas décadas, mercê também da sua proximidade a Coimbra, cresceu espantosamente –: os Pedroso de Carvalho da chamada casa do Balteiro e os Pedroso de Lima da Vendinha e da Risca-Silva. Uns e outros andavam por aquelas bandas há já muitos séculos: da gente do Balteiro (uma terra ainda mais pequena do que a Risca-Silva) perde-se o rasto nos já remotos anos de 1560; quanto à Risca-Silva, nessa altura já se achava por tais paragens uma D. Filipa Pedroso. Falamos, pois, de cerca de 450 anos de história vividos à sombra dos pinheiros poiarenses, o que não deixa de ser uma fatia de tempo significativa. Durante tamanho período, e até onde chegam as crónicas familiares, houve um pouco de tudo. Episódios felizes e crises sérias, épocas de enorme abastança (como aquela em que Clara Augusta viveu) e fases de apertos económicos sérios (o que sucedeu, designadamente, durante a infância do seu sogro), momentos de glória (o primeiro a usar o apelido PL a, durante o consulado de Pombal, ascender à cátedra de direito natural da faculdade de leis conimbricense; Joaquim José assumindo o posto de castelão-governador de Diu; o padre José Joaquim pugnando pela causa liberal e pela ereção de Poiares em concelho, o general alçando-se a ministro; as firmas familiares a crescerem brutalmente) e outros de manifesta decadência, algumas histórias trágicas, outras hilariantes (onde está o tesouro da prima Marquinhas, ainda hoje perdido na Risca-Silva? Quem deslindar o mistério conseguirá finalmente descobri-lo?), outras ainda pura e simplesmente bastante tristes. Houve, assim, permanentemente, uma ligação. Por vezes mais intensa, noutras alturas muito débil, mas sempre presente.
Eu, pessoalmente, lembro-me perfeitamente de ir algumas vezes com o meu Avô – neto de Clara Augusta – a Poiares. O Avô possuía uma fração já verdadeiramente insignificante dos vastíssimos domínios daqueles seus antepassados, mas ainda assim eu divertia-me bastante a acompanhá-lo. Durante a viagem (jornada curta, Poiares fica a uns 20 minutos de Coimbra), pela velha Estrada da Beira – sendo que o Avô conhecia aquela parcela de olhos fechados, tantas vezes a fizera –, eu deveria apontar os nomes das terras por onde passássemos, para os ir fixando. A verdade é que me entretinha com isso e os memorizei efetivamente. Uma vez em Poiares, por vezes íamos à velha Risca-Silva, onde se erguiam (e erguem) as casas da família, e eu ainda sei perfeitamente qual é a janela do antigo quarto do Avô; outras passávamos pela Ribeira do Moinho, e pelo menos uma vez fomos em busca de uns moinhos propriamente ditos (uma vez que nunca vi nada que se parecesse com um moinho na ribeira do mesmo!). De vez em quando, surgiam pessoas que conheciam o Avô, algumas das quais ainda o tratavam por menino, o que a mim (que era novo e achava que o meu Avô era tudo menos uma criança) me parecia verdadeiramente insólito. Gente que se me afigurava como que vinda de outro mundo, que media as distâncias em horas (por não saber ler nem contar) ou que, na falta de porta-moedas, guardava os trocos em lencinhos com as pontas atadas. Foi nessas viagens, creio eu, que aprendi a lengalenga dos tostões transformados em milhões e que o “Avô Mil-Anjos” era assim conhecido por ser “tão pio, tão pio, tão pio, que nem a praguejar usava a palavra diabo, e dizia “com mil anjos!”. Nessas incursões também costumávamos percorrer algumas das propriedades do Avô, que invariavelmente achava que estavam muito mal tratadas e aproveitadas, o que (penso eu agora…) talvez o apoquentasse um pouco. No entanto, na altura, o que eu sobretudo apreciava era ir conhecer aqueles vestígios da antiga opulência da Risca-Silva e do Balteiro, que tinham nomes esquisitos, sendo um deles… Serrazim. E lembro-me perfeitamente de o Avô dizer (e sempre que lá torno isso vem-me à memória) que se, no ponto mais alto do Serrazim, acenássemos com uma bandeira, seríamos vistos com toda a facilidade na outra propriedade que o Avô tinha na colina fronteira, as Quelhas, e vice-versa. No regresso a Coimbra, trazíamos uma pinha ou uma pedra gira que encontrássemos nestas visitas, nas quais não raro apareciam caseiros chatíssimos que “torravam” a cabeça do Avô (e eu compreendo, hoje, um pouco o que o Avô tinha de aturar).


O Avô morreu há anos, mas muitos de nós (como eu) continuamos verdadeiramente a gostar de ir a Poiares. Ainda lá estive no passado dia 26, no meio de um nevoeiro incompreensível, com a minha Mana e o meu Tio ZN. Foram, não obstante aquela bruma espessa e por vezes incómoda, umas horas bem passadas! J Já não há, é certo, enormes listagens de propriedades, já não se percebem rendas de jeito, o casarão da Risca-Silva agoniza, mas ainda achamos graça a lá ir. A terra é bonita? Não, é uma vila desinteressante, para não dizer, mesmo, feiosa. Tem atrativos turísticos? Escassos… e os poucos que há resumem-se ao artesanato de madeira de choupo e a uns potes de barro preto. Tem uma culinária rica? Nem por isso… há chanfana (de que eu e a minha Mana gostamos muito), mas chanfana é, no final de contas, carne de cabra velha cozinhada em vinho. Nada disso, porém, interessa: é uma terra que ainda nos diz qualquer coisa. E enquanto permanecerem aqueles modestíssimos vestígios – quase pequenos enclaves, restos de um “império” grande que desapareceu (e que creio jamais tornará, mesmo que nos dediquemos a tentar readquirir algumas das antigas propriedades familiares) – permanecerá, julgo, uma ligação àquelas bandas. Uma ligação de 450 anos, que me permite associar a foto da Avó Clara Augusta (bem como as de todos os outros PL do passado) a algo que ainda é nosso: na verdade, os pequeninos pedaços que nos restaram vieram dela e do seu marido. Uma ligação tão velha não se deve, naturalmente, quebrar. E espero poder sempre, até morrer (daqui a larguíssimas décadas, naturalmente!),  repetir às gerações mais novas:

- Esta propriedade foi da minha trisavó, que se chamou Clara Augusta, e do seu marido, que de tostões fazia milhões. E, não sei se sabes, se estivéssemos a acenar com uma bandeira aqui no ponto mais alto do Serrazim, viam-nos do outro lado do vale do Pereiro, ali naquela colina mesmo à nossa frente, nas Quelhas.

Feliz 2013 para todos os leitores dos Prazos do Serrazim!!! J