Tuesday, January 22, 2013

ESTRANHOS CRIOULISMOS


Durante algum tempo, eu, como todos os que (não somos muito, creio) oscilamos entre as águas do direito e os rápidos da história, hesitei, uma vez feito o curso: em qual delas mergulhar? Continuar a aperfeiçoar a técnica jurídica ou aprender uns truques novos na piscina dos vizinhos, que desde há muito me vinha chamando a atenção? – era este o grande dilema que me atormentava. 
Acabei, como seria de esperar, por me decidir a ir dar um mergulho na dita piscina, deixando, porém, prudentemente, a minha toalha estendida à beira da lagoa jurídica. Os proprietários do quintal do lado, sejamos francos, trataram-me bem (talvez não com todas as atenções de que eu me considerava merecedor, mas de forma inegavelmente hospitaleira); no entanto, no final de contas, e apesar de o splash me ter sabido às mil maravilhas, havia ali algo que – pelo menos naquela altura – me fazia sentir ligeiramente incomodado. Um friozinho como aquele que nos sobe espinha acima quando saímos da água e a temperatura exterior não está tão amena quanto imaginávamos ou desejávamos. O problema não residia, então, nas águas – tépidas e mansas, fáceis de sulcar como velhas conhecidas que eram –, mas sim nos nadadores-salvadores que as rodeavam, nos rapazes que, de boia à cinta, pasmavam a olhar para elas, sempre hesitando em mergulhar mas criticando quem o fazia, nas matronas que, recostadas na relva que as circundava, comentavam os novatos. Para continuar ali, percebi, teria de andar de boia atrás, criticar como as ditas senhoras e imitar as passadas dos nadadores salvadores. Ora, eu não sou grande amante de flutuadores artificiais, a minha forma de satirizar diferia muito da das veneráveis damas e sentia-me mal, artificial e desengonçado quando reproduzia as coreografias dos salva-vidas. A água era fantástica, mas as margens não me pareceram tão aprazíveis quanto eu as via à distância. Para mais, comecei a reparar em pequenos detalhes que, apesar de insignificantes, me aborreciam: a relva estava mal aparada, alguns azulejos da piscina ameaçavam cair, os copos de onde as damas sorviam as suas bebidas tinham marcas de dedadas e estavam lascados. Ora, eu sempre preferi um relvado impecável, edifícios reluzentes espelhando abastança e cristais límpidos a vidro maltratado, coisa que via do outro lado da cerca, onde tinha deixado a toalha desenrolada, caso desejasse regressar. Particularidades, afinal, de que não estava, nem estou, disposto a abdicar, e que faziam igualmente parte da minha maneira de ser.
Poderia ter gasto o resto da minha vida nesta indecisão: ou permanecer nas águas afáveis mas de margens hirsutas, onde seguramente me arranharia (e é inevitável não acorrer à memória, quando aludimos a margens que oprimem, a velha e tão verdadeira frase de BB!) e, hipocondríaco como sou, me sentiria infeliz; ou voltar à base, tentar novamente imergir nas profundezas das águas do outro lado da cerca, que por vezes talvez me parecessem frias, mas cujas bordas eram, garantidamente, sempre esplendorosamente tropicais?Tudo parecia estar errado: a água morna estava de um lado da cerca, e o cenário (para mim) correspondente do lado oposto! Por que razão não poderia beber um gin à beira da piscina de que gostava? Foi então que tive a ventura de ouvir dois testemunhos que mudaram a minha maneira de ver as coisas. Por um lado, uma alma avisada advertiu-me de que o muro entre as águas existia somente para haver espaço para a entourage de ambas se sentar mais comodamente, sem pisar os vizinhos – mas que os copos de gin passam bem sobre os muros, desde que tenhamos cuidado para não se partirem. Por outro, outra alma – mais avisada ainda – perguntou-me, disparando um tanto à queima-roupa: e o que é que nos impede ou de abrir um canal entre ambas, ou, mesmo, de escavar uma terceira piscina, a meio das outras duas? Estás com medo? E eu, obviamente, sabia que, desde que pudesse drenar um pouco das águas da piscina para a lagoa e vice-versa, nada me assustaria. Mais: que tudo se revelaria verdadeiramente confortável. Era, afinal, uma questão de engenharia, sendo que, felizmente!, outros já tinham começado, há muito, a abrir esses utilíssimos canais!
Foi nessa altura que me apercebi de que, tal como em quase tudo, também no mundo da investigação a mestiçagem é suscetível de se revelar uma mais-valia. Que, na verdade, ser-se “crioulo de saberes” pode não só ser enriquecedor como (muito!) divertido. E que – ainda bem para nós! – não há dois crioulos iguais pelo que, também graças a isso, jamais nos confundiremos no cenário pardacento dos sangues intocados! Ergamos, pois, os nossos gins e, depois de uma golada, toca a mergulhar sem receios! Em ambas as piscinas, está claro!

2 Comments:

At 2:20 AM, Anonymous Claudia said...

Concordo em pleno.
A mestiça.

 
At 9:34 AM, Blogger LCO said...

Cláudia, eu acho que parte da graça (e do brilhantismo, está claro!) e da empatia do nosso pequeno "grupo" (ou o que lhe quisermos chamar) de gente que gosta de estudar e debater as mesmas coisas (ou seja, esses e essas lá da "rede indo"!) é precisamente o sermos todos orgulhosamente... crioulos! ;)

 

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