Thursday, April 23, 2009

queda televisiva

Um amigo que muito prezo - e que trabalha nos meandros televisivos nacionais - numa das inúmeras conversas/discussões que travamos, alertou-me para os efeitos dramáticos que a exposição televisiva pode ter. Três segundos "no ar", num qualquer programa, podem destruir sólidos sentimentos de admiração e respeito por alguém. Recordo-me bem que o assunto veio a talhe de foice por causa de Vital Moreira e ... João Pereira Coutinho.
De Vital nada tinha (ou tenho) a dizer, e vê-lo no pequeno ecrã não me surpreende. Fui, durante dois anos, seu aluno, pelo que acho que está igual ao que sempre foi nas aulas - devendo acrescentar, para evitar quaisquer más interpretações, que foi um professor de que gostei bastante! Claro, culto e directo, Vital trouxe, inegavelmente, um novo fôlego ao ensino do Direito Administrativo na velha "alma mater" conimbricense.

Pois, o problema, estando longe de se relacionar com Vital, prendia-se com... Pereira Coutinho.

Confesso que, muito embora não partilhe frequentemente de muitas das suas opiniões (quer políticas, pois o rapaz é incrivelmente conservador, quer literárias, quer mesmo de vida - ele não gosta de praia, Deus meu!), nutro - ou deverei dizer "nutria"? Confesso que ainda não me decidi... - profunda simpatia cronista e pelos seus escritos. Quer se tratasse dos textos que vai publicando pelos jornais nacionais, quer das crónicas "paulistas" (que, inteligentemente, reuniu em volume, que publicou), quer mesmo do seu blog (mesmo apesar de este se achar mais ou menos votado ao abandono). Raríssimas eram as vezes em que não sorria interiormente, ou ria desassombradamente, com a sua escrita simultaneamente elegante, culta e ... fantasticamente certeira e acutilante!
Aliás, João Pereira Coutinho (que não é muito mais velho do que eu - creio que nos separam dois anos) era uma das personalidades "de direita" (outras há, à esquerda) que, mais ou menos da minha geração, eu considerava dignas de alguma atenção. Era, nesse patamar de gente que se admira, parceiro de pessoas como Assunção Cristas ou, mesmo, Marina Costa Lobo. Gente da "minha idade" e que tinha percursos de vida que pareciam interessantes e de sucesso.

Hoje, já não creio poder afirmar admirar o cronista e as suas crónicas.

As crónicas, e demais textos, permanecem objecto da minha consideração. Acho que continuarei a ler João Pereira Coutinho por muitos anos - e espero que com tanto prazer como tenho tido até agora.

No entanto, o autor, o autor... bom, o autor decaiu, e muito. E esta queda - brutal, sonora e profunda - deveu-se, a meu ver, a dois ou três motivos.

Por um lado, a prestação de Pereira Coutinho, aos sábados, no debate moderado por Constança da Cunha e Sá, onde é companheiro de Francisco José Viegas e daquela senhora irritante que usa constantemente blusões de couro (estará umas décadas atrasada?), que penso ser de Vila Franca de Xira e de quem todos conhecem o nome. No primeiro programa, que vi com atenção, a decepção foi grande, foi enorme. Pereira Coutinho falou pouco, não teve as intervenções espirituosas de que eu estava à espera, não cumpriu o seu papel de menino mimado mas terrível de direita. Foi uma prestação baça, insignificante - e que não me parece diferir grandemente, na essência, das que se seguiram até hoje.

Por outro lado, fiquei a saber que João Pereira Coutinho deixara de escrever nas páginas da Única, para as trocar pelo Correio da Manhã. Nada mais há a dizer sobre isto, naturalmente... o que está escrita basta!

Em paralelo, num dia em que me passeava pela António Enes, vi pela primeira vez o senhor "ao vivo", "em carne e osso". Pois bem... eu já tinha achado que a sua imagem, na televisão, não correspondia exactamente à ideia que eu tinha dele. Achava que devia ser muito inglesado no traje, que devia procurar manter um certo ar de intelectual dos anos 50 com um cheiro oxfordiano. Mas, apesar de tudo, com apurado sentido de "estilo". Enfim, enganei-me redondamente.

Por fim, a machadada final foi dada no último Domingo, na entrevista que o mesmo deu a Alexandra Lencastre. Mal começou a conversa entre ambos, lá estava eu, frente à televisão, curioso para saber como a mesma correria, desejando limpar a má imagem que tinha do rapaz. Pensava que JPC poderia ter tido uma má prestação inicial na TV, que estava a ser demasiado exigente, etc., etc.
Cedo me apercebi, contristado, que, aos meus olhos, dificilmente Pereira Coutinho retomaria o lugar onde estivera durante alguns anos. QUE ENTREVISTA PALERMA, senhores! Que conversa mole, que série de banalidades. Um rapaz que não conseguiu acabar Direito, que se cria um génio intelectual, que tentou o mundo do cinema, que, que, que... que tantas coisas, mas todas elas parecendo, ali, tão banais e desinteressantes! Um homem que adora o Dr. Phil e que fala repetidamente de pijamas! Onde estava o João Pereira Coutinho brilhante, mordaz, acutilante, culto e crítico, da palavra certeira e da opinião cortante?

Existirá?
Terá sucumbido face ao poder dos holofotes televisivos?
Ou será que estes apenas mostraram, com a crueza que por vezes a televisão pode ter, JPC como realmente é - para desconsolo de vários admiradores, nos quais eu me incluo?

3 Comments:

At 2:08 AM, Anonymous Anonymous said...

Meu caro:
só se desilude quem se antes se iludiu...
O rapazinho tem a sua (para mim pouca) graça, mas, enfim...
De qualquer modo, a televisão é realmente uma máquina trituradora e talvez seja incompatível com o pensamento digno desse nome.

 
At 2:09 AM, Anonymous Anonymous said...

Meu caro:
só se desilude quem antes se iludiu...
O rapazinho tem a sua (para mim pouca) graça, mas, enfim...
De qualquer modo, a televisão é realmente uma máquina trituradora e talvez seja incompatível com o pensamento digno desse nome.

PS: estava 1 se a mais...

 
At 10:22 AM, Blogger RR said...

Ora bolas, Luís, tinhas que estragar também a minha admiração pelo enfant terrible. Acho que vou sublimar :)

 

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