Saturday, April 18, 2009

Santa Clara Lusófona

Com (dizem, e consta - e apesar das reivinicações, esperadas e desinteressantes, dos grémio dos projectistas indignados, que souberam esperar pela véspera para tentar boicotar o eventual brilho do corte da fita de fim de obra/início da abertura ao público, e daqueles que, de repente, se arvoraram em defensores de todos os centímetros quadrados do Choupal) a pompa e circunstância possíveis, o resultado dos 12 longos anos em que Santa-Clara-a-Velha se tornou num imenso estaleiro foi hoje inaugurado. A cidade de Coimbra pode (e deve), pois, voltar a usufruir de um dos seus espaços mais originais (e, até agora, mais desprezados).

E Santa Clara, como está, com ou sem pompa (embora com seja sempre melhor...), com ou sem ministro, com ou sem Sócrates, abriria sempre bem. Fui um dos - felizmente, muitos - que aproveitei, não obstante a chuva incessante que fustiga estas veredas do Mondego, para, na primeira oportunidade possível, dar uma vista de olhos ao novo "sítio arqueológico" (é assim que se diz, fiquei a saber) desta nossa urbe, sempre criticada no que toca às suas iniciativas. Confesso: o tempo não deu para ainda ver a "ruína" (como lhe chamam) propriamente dita: limitei-me, por imposições de horários de funcionamento, a ver as novas instalações, ou seja, o que foi edificado de raiz. Nestas, para além de um bar com um ar simpático e de um pequenino mas muito confortável auditório - onde se passa uma fita bem feita com um resumo da História do local (na qual souberam usar, de forma inteligente, os recursos, humanos e físicos, que o quinto-joanino Louriçal ainda tem para oferecer) -, para além de uma loja que, apesar de ainda não ter aberto portas, já vai exibindo linhas de produtos bem apelativas, avulta o espaço museológico. Não é uma mostra ampla, mas uma recolha, bem feita, com belas peças (umas encontradas nas escavações, outras generosamente emprestadas pelo MNMC) e boas explicações - há até um vídeo para criancinhas (surpreendente criação da ESEC, que superou, admito, as baixas expectativas que em relação a tudo o que produza sempre tenho) que se vê com prazer e não cai na patetice fácil e no recurso àquela linguagem infantil que os nossos ditos especialistas dizem ser a mais adequada, mas que enerva miúdos e graúdos. Vê-se que houve trabalho e, sobretudo, que houve cuidado. Percebe-se o esforço dos responsáveis em retratar aquela comunidade religiosa ao longo dos tempos. E isso não é tão comum quanto, à primeira vista, possa parecer. Não em Portugal - e, sobretudo, não em Coimbra.

Um dos núcleos mais interessantes que se acham na mostra é, a meu ver, o das peças orientais. Poucas, mas de grande qualidade - e cabal expressão de que as clarissas coimbrãs dos séculos XVI e XVII eram certamente muito menos pacóvias e provincianas do que a generalidade das pessoas pensam. Entre elas, há alguns objectos puramente ornamentais, como um par de leões chineses brancos de porcelana, pequenos mas magníficos. Este conjunto foi restaurado com o providencial subsídio da Fundação Oriente.

Olhando para aqueles pratos e aqueles gomis que vinham de tão longínquas paragens, observando as tacinhas quase translúcidas de porcelana da China, mirando o par de leões de goelas escancaradas e jubas revoltas, ao lado de um cofre oriental e precioso, percebemos que esses objectos - mesmo que, naturalmente, fossem encarado como peças de luxo - já faziam parte do quotidiano de um mosteiro no centro de Portugal. Pedacinhos da Índia e da China que talvez tenham sido enviados por parentes, amigos (quiçá admiradores...), que tenham feito parte de dotes, que tenham sido ofertas ao vetusto cenóbio, ou que, mais prosaicamente, tenham sido adquiridos a um comerciante que os traficasse. Pedacinhos do Oriente que, desde há séculos, faziam parte (como aqui se vê) do quotidiano dessas clarissas que, apesar de (mais ou menos...) enclausuradas entre as fortes paredes do seu velho mosteiro, também beneficiavam dessa ponte entre Oriente e Ocidente que ajuda a explicar a maneira de ser portuguesa- e que, já se sabe, é um dos reflexos da lusofonia! ;)

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