De manhã é que se começa o dia - e a semana!
Hoje, segunda feira, bem cedo, pus-me a caminho da central de camionetas de Coimbra, a fim de tomar o "meu" (nunca se sabe muito bem qual é - nada garante ao utente que a camioneta cujo numero coincide com o que está no seu bilhete seja efectivamente aquela que deve tomar; sente-se, no ar, uma certa hostilidade entre o lobby dos motoristas e o das senhoras que estão ao balcão de venda de viagens pelas estradas de Portugal, bem como entre no seio da própria corporação dos chauffeurs) expresso rumo a Leiria city. Para tal, e como sempre, apanhei o autocarro à frente de casa. Nestas rotinas semanais vamos reconhecendo uma boa dúzia das caras (feias e rabugentas, na sua esmagadora maioria) que tomam o mesmo transporte àquela hora. Apesar de sempre haver uma ou outra novidade, pontuam invariavelmente o jovem jurista de tiques amaneirados que afecta ler francês (mas nunca sai da mesma parte do livro....) enquanto compõe o cachecol com tantos e tão desnecessários trejeitos, o ancião velhíssimo que jamais levanta os olhos do jornal, e se senta sempre no mesmo sítio, o afro que gosta de imitar (sem grande sucesso, aliás) o ar gingão e suburbano que crê ser obrigatório nas vielas do Bronx, e uma grande e informe massa - indisposta, indigesta, quase insuportável - daquilo que podemos chamar "pequenos funcionários (na sua maioria, mulheres) públicos".
NUNCA, MAS NUNCA aquelas almas demonstram satisfação por qualquer motivo.
Se o autocarro chega um pouco atrasado (como é hábito), logo resmungam: "Parece impossível, com o dinheiro que gastamos nas senhas (sim, elas dizem senhas, e não bilhetes, ou passes) e com o tempo que aqui estamos à espera!"
Caso o autocarro chegue mesmo à hora, o motorista "é um doido, anda para aí a acelarar, nem dá para estar para ficar um bocadinho a descansar e pôr a conversa em dia"
Se chove: "Fazem-nos esperar um tempão, e vamos ficar encharcados" (mas as paragens não são cobertas?!?);
Se o sol brilha, rutilante, tornando a cidade bem mais alegre, tal não influi no seu semblante permanentemente descontente: "É um disparate, ficar aqui a apanhar esta caloraça toda! Ainda ficamos todos doentes".
E, uma vez no veículo, um constante remoer de maleitas, de maledicência, de infelicidades.
Note-se, estamos no primeiro dia da semana! Após o fim de semana pelo qual suspirarão constantemente, enquanto fazem que trabalham, até 6a. Mas nunca nada está bem, nunca nada correu de feição. Os progenitores de todas aquelas más almas têm problemas e estão doentes. Inventam-lhes operações dramáticas e ridículas, arranhando uma dúzia de expressões que talvez tenham ouvido a um médico do Centro. Os filhos são sempre problemáticos, os cônjuges respectivos permanentes e profundos poços de infelicidade. A vida é de uma pérfida e constante maldade, e o Destino compraz-se em arruinar-lhes oportunidades. Sem olharem para si mesmos, para os seus semblantes patéticos, gestos ociosos, trajes horrorosos. Sem ouvirem as suas patéticas conversas, as suas ridículas queixas, a sua falta de cultura que é tão escandalosa e escabrosa que chega a ser hilariante. Sem perceberem que grande parte do seu problema, desse Fado pesando arrobas que afectam carregar resignadamente às costas, se deve exclusivamente a eles, à sua visão limitada, à pouca curiosidade pelo que os rodeia, a uma atávica atitude de "não quero fazer nada, só que me deixem quietinho".
Essa gente consome os nossos recursos, destrói a nossa imagem como país, prejudica a nossa Função Pública.
Mais - e pior - essa gente, com o seu pessimismo, o seu mau companheirismo, o seu azedume para com tudo que a rodeia - está a tornar-se imune a todas as medidas que contra ela se têm procurado tomar, e encarrega-se (e é essa umas das raríssimas actividades a que se entrega com prazer) de infernizar a vida (e as carreiras) dos que vão chegando e demonstrando um mínimo de entusiasmo pelas tarefas que lhe foram entregues.
O que fazer com ela?, pergunte a si mesma e ao país a Administração? O que fazer com ela?, perguntamo-nos todos nós, que temos de a suportar tantas vezes sem querermos.
PS: Tudo isto, caros leitores que aproveitam as sombras destes pinhais, é verdadeiro, e ouvido por mim mesmo - mesmo que pareça a mais grosseira e desinteressante invenção de um compositor teatral de 4a categoria.
5 Comments:
Bem-vindo à Sociologia, caro amigo ;)
Ao ler este post, senti muitas saudades dos inefáveis autocarros do Chão do Bispo e do extraordinário Roxo (como se designarão os naturais de tão sinistro povoado?) para ir para a FLUC que sempre era um destino mais aprazível do que Leiria City... o que talvez justifique a tua irritação pós weekend!
E já agora de que irá falar PVG esta quarta-feira?Será que vamos subir até ao 3º andar?
O título deste filme será "Um aristocrata na carreira"? É o que dá querer estar junto do povo! Aprende com os nossos políticos. Feiras e afins só, e apenas porque voto oblige, em época de campanha eleitoral. Aconselha-se que leves contigo uns dodot's, porque,a tudo o que referes, acresce o problemazito dos cheiros e quejandos...
Um abraço suado, com bastante odor a populaça!
Tens a certeza que o destino da carreira nãoé mesmo Serrazim? Ou, quiçá, Serpins? É de lá que são oriundas as elites lusitanas!
Acho que essa tua experiência rotineira de segunda-feira resume um dos grandes problemas deste país, a mentalidade retrógrada e limitada do "povinho"... é triste, mas ainda existe quem se agarre c unhas e dentes a este estereotipo ridículo... enfim...
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