Alegorias lusófonas
Na passada 6a feira, debati, a pedido de uma colega e (acima de tudo) amiga da Clássica, com alunos da licenciatura em Direito, durante um divertido e estimulante par de horas, Goa - no passado e no presente. Do animado debate em torno do tema que serviu de cerne à minha exposição (reflexos em Goa das estretégias e acontecimentos que marcaram o xadrês político-diplomático do espaço atlântico na transição do século XVIII para o XIX) se passou, a dada altura, para o (sempre com imenso pano para mangas) tema do Mito em Goa e da própria Goa mitificada (ou mesmo, totalmente, Goa-Mito), que ainda hoje subsiste no imaginário de boa parte dos portugueses. Passámos - devido à insaciável curiosidade dos alunos, que não me permitiram escapar ao tema - à sempre complexa questão da transferência da soberania dos territórios constituintes do Estado da Índia para a União Indiana (afinal, sempre estávamos na casa de Galvão Telles), e não esquecemos possíveis analogias com outras paragens por onde os portugueses passaram e se demoraram.
Um dos momentos mais simpáticos - e houve muitos - foi decerto quando um rapaz, no final, informando-me ser neto de uma goesa, lamentou não ter gravado a aula. Isto porque a sua Avó decerto gostaria de ouvir uma conversa tão intensa sobre a sua terra natal, na qual se referiam vários factos e lugares que ela própria frequentemente relembrava aos descendentes.
Em simultaneo, achava-me a reler parte da genial obra de Monteiro Lobato, que entretanto me chegou às mãos (vantagens de ter uma Bisavó brasileira!;)). Sempre gostei muito do Sítio do Picapau Amarelo, e das personagens que por lá vão aparecendo. Desde os primos Encerrabodes de Oliveira (Pedrinho e Narizinho), aos velhos empregados africanos - restos suavizados do esclavagismo que até tarde perdurou no interior brasileiro - ao Visconde de Sabugosa e ao Saci Pêrêrê. Isto sem esquecer, claro está, a temível Cuca e a tenebrosa Mula-Sem-Cabeça que, galopando por entre os arvoredos, por vezes assustava os habitantes do casarão de D. Benta.
E não é que a passagem em que D. Benta compra as Terras Novas (aos seus vizinhos) para aí instalar o Mundo da Fábula (entretanto perseguido e despojado de local para habitar), mantendo-as, no entanto, cuidadosamente apartadas (por uma cancela que se controlava a partir das Terras Velhas - correspondentes ao núcleo original do Sítio -, e não o contrário) e protegidas pelo rinoceronte Quindim me lembrou GOA?
Já sei, já sei: os investigadores, de tanto martelarem na mesma tecla, tornam-se cegamente obsessivos.
Mas há realmente semelhanças engraçadas!
Tal como as NOVAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS surgem muito depois de constituído o núcleo inicial do Sítio (com as suas dinâmicas e especificidades - o Sítio já existia antes delas e sem elas, mas elas protegem de influências estrangeiras a sua natureza especial, que os seus habitantes temem ser "descoberta" pelos intrusos e que pretendem salvaguardar a todo o custo);
Tal como as NOVAS CONQUISTAS, os espaços são habitados por gentes muito diferentes, que contactam sobretudo com base na iniciativa dos habitantes no núcleo inicial;
Tal como nas NOVAS CONQUISTAS, a gente do Sítio aproveita muito mais daquelas paragens do que o contrário. São (para todos os efeitos) os donos das TERRAS VELHAS os donos das recen tes aquisições. São eles que para lá vão, em passeio, diversão, ou para (tentar) impôr a (sua)ordem.
Tal como nas NOVAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS são um mundo apartado, uma realidade tão diferente que muitas vezes não se pode (nem quer) compreender.
Tal como as NOVAS CONQUISTAS e as VELHAS CONQUISTAS, as TERRAS NOVAS e as TERRAS VELHAS são lugares que, ao viverem de mitos e de muita fantasia (por muito que nos esforcemos por os desbastar), se tornam fascinantes!;)
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