Festas na aldeia
No passado fim de semana, o feitor destes Prazos passeou-se (como vem já sendo um hábito) pelas bandas de Peniche - movendo-se, porém, mais por terras geraldinas e pelas praias da Consolação e Super Tubos do que propriamente na "cidade da península" (onde, apesar dos esforços da actual vereação, persiste o teimoso cheiro a peixe podre, a estrume e a pobreza). No entanto, desta feita, Peniche estava diferente: mais barrulhenta, mais festiva, mais animada by nigth. E não, tal não se devia apenas ao novel "parque verde" que, às portas da urbe, faz as delícias dos locais com os seus relvados e pistas de bicicleta, bem como com o barzinho que lá abriu. Nem tão-pouco se podia justificar todo este bruaa alegando que para isso muito contribuira o outro recente espaço público da terra: o deserto (ups! tenho de dizer Jardim Mediterrânico, pois aparentemente foi essa a intenção do Arquitecto que o gizou - embora tudo isto não deixe de me lembrar o velho conto dos Fatos do Imperador) que hoje se estende em torno do velho forte.
Na verdade, Peniche estava em festa - festa grada, alargada a grande parte das ruas, praças e vielas da cidade, demonstrando o quão interessados estavam todos (penicheiros e afins) em tomar parte nas celebrações, generosamente apadrinhadas pela sempre solícita autarquia local. Naturalmente, era impossível percorrer todos os inúmeros focos de interesse em que as festividades se distribuíam, ao longo do emaranhado urbano - sobretudo para quem acabara de sair de um jantar já tardio no mítico O Outro. Mas ainda nos deparámos com um ou outro momento de inegável interesse.
Lembramo-nos, designadamente, da animação nocturna da Rua Luís de Ataíde (a tortuosa artéria que rasga todo o casco antigo da cidade). Aí, perto do Stella Maris, se haviam montado barraquinhas típicas, onde gente com trajes provavelmente cedidos pelos ranchos locais vendia produtos (teoricamente) tradicionais. Ainda fomos espreitar umas compotas e conservas - mas não passavam de frascos comprados em grandes superfícies, aos quais tinham enfiado uma carapuça de papel recortado. Recorrer a complicadas e demoradas receitas tradicionais, para quê - se o Intermarché da esquina vende tudo já feito e embalado e a preços tão tentadores? Enfim, há que respeitar as opções de cada um...
Por dentre as barraquinhas, havia pequenos núcleos museológicos-etnográficos. Apenas conseguimos ver "A casa típica": três divisões escuras, miseravelmente mobiladas e com um fatal cheiro a mofo. Apesar de tudo, muito bem conseguido. Por incrível que hoje nos pareça, era naqueles autênticos buracos que a maioria da população local (e, claro, nacional) sobrevivia. Uma professora local das nossas relações ficou bem surpreendida por dois dos seus sobrinhos saberem de cor a ingénua rima de pé partido que se ostentava em todos os modestos lares beirãos:
"Vi minha mãe rezando
Aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
O que outra santa dizia!";)
Durante todas estas actividades, densa multidão acotovelava-se ao fundo da rua, junto a um palco improvisado (adornado, qual mostra do Estado Novo, com dois remos cruzados e três xailes pendurados), onde um homem (com voz de mulher - juro que pensei que fosse uma mulher, antes de o ver) uivava algo a que a enlevada assistência chamava fado.
Contudo, o momento alto da noite ainda estava para vir! Abandonando a Luís de Ataíde, rumámos à Praça do Município, onde logo nos deparámos com grossa massa de gente fitando interessada um palco montado aos pés das escadas da capitania. Uma local (soubemos mais tarde que era uma das responsáveis pela biblioteca da terra) enfiada num feio vestido verde apresentava, com algumas dificuldades, mais uma sessão do extraordinário
PENICHE MODA
Infelizmente, não fomos a tempo de assistir à passagem das colecções das renomadas Eva Pimentão e Ana Anastácio. Lamentamos profundamente - sendo que de concreto apenas sabemos que uma delas recorreu a um par de modelos sexagenárias (que vieram agradecer no final, acompanhadas pelos inoportunos comentários da apresentadora/bibliotecária: "Devagarinho, veja lá não caia"!) - pois adivinhamo-las extraordinárias.
Tivemos, assim, de nos contentar com a mostra de Rita Bonaparte. E, caros leitores, que mostra!
Bonaparte manifestou as suas predilecções: transparências, em tontas e mal conseguidas sugestões de " contido atrevimento" (sim, já passámos os anos 50, para considerar chocantes tais vestimentas!), e uma incompreensível obssessão por sapatos pretos.
Acompanhadas por uma banda sonora no mínimo péssima, os modelos tinham como tema os 4 elementos. Assim, meninas (mal) vestidas desciam a modesta escada vestidas, por exemplo, de "terra".
Dois momentos difíceis tiveram lugar na passagem das criações de Bonaparte. Por um lado, a primeira modelo era uma autêntica "filha do palco". Demorou MUITO mais tempo do que devia na passerelle improvisada, atrasando todas as companheiras e arruinando muito a sequência.
Por outro, uma das modelos CAIU - sim, CAIU MESMO pelas escadas. E não se tratou de um tropeçãozinho discreto e inocente. Foi mesmo uma queda, com direito a rebolar um pouco e tudo. Mas a rapariga teve uma rara presença de espírito. Esticou as mãos, lá conseguiu amparar a queda e interromper a trajectória, e, de sorriso nos lábios, prosseguiu.
Talvez por isso a reacção dos espectadores - se bem que boa parte deles deviam ser seus conhecidos - foi tão cordial, até simpática. Num primeiro momento, riram (pode ser resultado do susto/nervos). Depois, quando constataram que a queda era séria, ouviu-se um "OOHHHH" generalizado. Por fim, perante a enérgica e feliz reacção da modelo, aplaudiram.
Esse momento de solidariedade de alguma forma varreu da memória a péssima mostra de Rita Bonaparte!