"Para onde vai esse ônibus?". Elogio de duas corajosas senhoras brasileiras
- Moça, para onde vai
mesmo esse ônibus?
- Para Leiria.
- Alegria?! A gente não
quer ir para lá!
- Leiria!
- Ah! Ora, e Caldas? A
gente quer ir para Caldas.
- Também lá pára.
- É a primeira parada?
- Sim, sim…
- Ufa! Ficamos
descansadas!
- Olhe, moça, e quanto
é a viagem de táxi entre Caldas e Alcobaça?
- É que a gente está
num hotel em Alcobaça.
- O taxista que trouxe
a gente até à gare daqui nos pediu 100 euros para nos levar daqui a Alcobaça!
Imagina!? Era justo? A gente achou caro.
- Bom, as senhoras
sabem, é um pouco longe…
- E quanto é de Caldas
a Alcobaça? O taxista falou que nos levariam 20 euros...
- Não sei dizer ao
certo, é difícil de calcular… ainda são 26 km.
- Puxa, mas não vai
custar 100 euros, pois não?
- Ah, isso não! As
senhoras fiquem descansadas: será menos de metade.
- Que bom! Sabe, a
gente vinha numa excursão e a excursão se perdeu.
- Bom, se calhar foi a
gente que se perdeu dela, né?
- Tolice! Onde já se
viu! Aquela mulher e a excursão é que deviam esperar pela gente!
- E foi por meia hora!
- Qual meia hora! Nem
isso! Uns 28 minutos!
- E foi só para passar
numas lojinhas.
- Igreja, igreja,
igreja … a visita era só igreja!
- E nem um tempo para
ver umas montras, fazer umas comprinhas!
- Pois é! Então?
- E em Belém?? Quanto
tempo!
- E depois partiram sem
a gente! Justo sem nós as duas!
- Como é possível
deixar assim duas pessoas para trás?
- Que excursão essa!
- Isso é uma
irresponsabilidade!
- Mas não é culpa só da
excursão…
- Também é um pouquinho
nossa, é certo.
- Mas a gente demorou
apenas meia hora mais!
- Imagina, eu podia ter
passado mal e por isso me atrasado!
- Ou caído e quebrado uma
perna!
- A propósito, você
tomou seus remédios?
- Não tenho nada, não
encontro nada. Perdi minha caixinha carmim.
- Eu tenho aqui meu
colírio.
- Sorte a sua… eu não tenho
nada.
- Peraí, vou colocar…
- Como você consegue,
com o ônibus em movimento?
- Vê só!
- Olha, será que a
mulher tentou falar com a gente?
- Veja seu celular!
- E você veja o seu.
- Nada!
- Nem no meu…
- Mulherzinha
desgraçada! E isso é que é a responsável pela excursão? Liga para ela, vamos!
- Para quê?
- Para ela mandar um
ônibus ou um carro para pegar a gente em Caldas.
- E você acha que ela
manda? Eu duvido…
- Eu estou é ansiosa.
- Relaxa. Não é nada.
Deixa para lá.
(voltam
a pegar nos telemóveis)
- Ela não liga! A
mulher não liga!
- Quando a gente chegar
no hotel a gente a chama e pergunta: então para que pegou nosso número de
telefone? Você é uma inútil! A guia que escolheu era péssima, nos abandonou em
Lisboa!
- Como se chamava essa
moça de Lisboa?
- Sei lá, era a guia!
Basta dizer “a guia”, né?
- Estou de saco cheio
disso, sabia?
- Eu também!
- Parece que é praga
daquela Teresinha! Você está satisfeita com a excursão?
- Olhe, sinceramente
com algumas coisas não.
- Até o azar de minha
máquina enguiçar quando fotografava todas aquelas igrejas! Algumas eram lindas…
- Se bem que de mais…
uma, duas… mas tantas!
- Puxa, parece que
Lisboa é só igreja!
- O que eu digo é que
isso tem dedo de Teresinha. Amanhã ela vai ver! Vou falar com ela na mesa do
café.
- Vamos ser sinceras, a
culpa foi nossa, Maria. A hora da saída era seis e vinte…
- Não era seis e
trinta??
- Quanto muito seis e
vinte e cinco…
- Você me disse seis e
quarenta!
- Você sabe que minha
cabeça não é boa para essas coisas.
- Vê no papel que deram
à gente.
- Seis e vinte…
- Pois…
- Olha, já está, já
está. Agora é resolver o problema.
- A gente assim até
ficou a conhecer a gare, os ônibus… e vai conhecer Caldas.
- Quero ver a cara da
Teresinha quando lhe contarmos tudo isso!
- Vai ficar cheiinha de
inveja!
NOTA
FINAL: Viajar de expresso entre
Leiria e Lisboa não é em regra um programa agradável. Pode ser mesmo um belo
suplício. Mas tem a grande vantagem de permitir tomarmos contacto com episódios
divertidos ou dramáticos que de outra forma jamais conheceríamos. Este diálogo –
que existiu efetivamente e que procurei reproduzir o melhor possível,
anotando-o discretamente no meu moleskine
– teve lugar no dia 17 do presente mês de setembro. Travaram-no duas senhoras
brasileiras já nos seus sessentas, cheias de sacos de compras e souvenirs lisboetas, um tanto
apreensivas mas (a meu ver) demonstrando uma coragem e presença de espírito excecionais.
Exageros e culpas à parte, não sei como é que eu, que tenho cerca da metade da
idade delas, me comportaria se numa primeira visita ao Brasil a excursão que
integrava me abandonasse numa cidade e me visse obrigado a regressar no final
da tarde ao hotel pelos meus próprios meios e através de terreno absolutamente
desconhecido. Mas muito provavelmente não conseguiria manter, apesar de tudo, igual serenidade!