Monday, September 29, 2014

"Para onde vai esse ônibus?". Elogio de duas corajosas senhoras brasileiras

- Moça, para onde vai mesmo esse ônibus?
- Para Leiria.
- Alegria?! A gente não quer ir para lá!
- Leiria!
- Ah! Ora, e Caldas? A gente quer ir para Caldas.
- Também lá pára.
- É a primeira parada?
- Sim, sim…
- Ufa! Ficamos descansadas!
- Olhe, moça, e quanto é a viagem de táxi entre Caldas e Alcobaça?
- É que a gente está num hotel em Alcobaça.
- O taxista que trouxe a gente até à gare daqui nos pediu 100 euros para nos levar daqui a Alcobaça! Imagina!? Era justo? A gente achou caro.
- Bom, as senhoras sabem, é um pouco longe…
- E quanto é de Caldas a Alcobaça? O taxista falou que nos levariam 20 euros...
- Não sei dizer ao certo, é difícil de calcular… ainda são 26 km.
- Puxa, mas não vai custar 100 euros, pois não?
- Ah, isso não! As senhoras fiquem descansadas: será menos de metade.
- Que bom! Sabe, a gente vinha numa excursão e a excursão se perdeu.
- Bom, se calhar foi a gente que se perdeu dela, né?
- Tolice! Onde já se viu! Aquela mulher e a excursão é que deviam esperar pela gente!
- E foi por meia hora!
- Qual meia hora! Nem isso! Uns 28 minutos!
- E foi só para passar numas lojinhas.
- Igreja, igreja, igreja … a visita era só igreja!
- E nem um tempo para ver umas montras, fazer umas comprinhas!
- Pois é! Então?
- E em Belém?? Quanto tempo!
- E depois partiram sem a gente! Justo sem nós as duas!
- Como é possível deixar assim duas pessoas para trás?
- Que excursão essa!
- Isso é uma irresponsabilidade!
- Mas não é culpa só da excursão…
- Também é um pouquinho nossa, é certo.
- Mas a gente demorou apenas meia hora mais!
- Imagina, eu podia ter passado mal e por isso me atrasado!
- Ou caído e quebrado uma perna!
- A propósito, você tomou seus remédios?
- Não tenho nada, não encontro nada. Perdi minha caixinha carmim.
- Eu tenho aqui meu colírio.
- Sorte a sua… eu não tenho nada.
- Peraí, vou colocar…
- Como você consegue, com o ônibus em movimento?
- Vê só!
- Olha, será que a mulher tentou falar com a gente?
- Veja seu celular!
- E você veja o seu.
- Nada!
- Nem no meu…
- Mulherzinha desgraçada! E isso é que é a responsável pela excursão? Liga para ela, vamos!
- Para quê?
- Para ela mandar um ônibus ou um carro para pegar a gente em Caldas.
- E você acha que ela manda? Eu duvido…
- Eu estou é ansiosa.
- Relaxa. Não é nada. Deixa para lá.
(voltam a pegar nos telemóveis)
- Ela não liga! A mulher não liga!
- Quando a gente chegar no hotel a gente a chama e pergunta: então para que pegou nosso número de telefone? Você é uma inútil! A guia que escolheu era péssima, nos abandonou em Lisboa!
- Como se chamava essa moça de Lisboa?
- Sei lá, era a guia! Basta dizer “a guia”, né?
- Estou de saco cheio disso, sabia?
- Eu também!
- Parece que é praga daquela Teresinha! Você está satisfeita com a excursão?
- Olhe, sinceramente com algumas coisas não.
- Até o azar de minha máquina enguiçar quando fotografava todas aquelas igrejas! Algumas eram lindas…
- Se bem que de mais… uma, duas… mas tantas!
- Puxa, parece que Lisboa é só igreja!
- O que eu digo é que isso tem dedo de Teresinha. Amanhã ela vai ver! Vou falar com ela na mesa do café.
- Vamos ser sinceras, a culpa foi nossa, Maria. A hora da saída era seis e vinte…
- Não era seis e trinta??
- Quanto muito seis e vinte e cinco…
- Você me disse seis e quarenta!
- Você sabe que minha cabeça não é boa para essas coisas.
- Vê no papel que deram à gente.
- Seis e vinte…
- Pois…
- Olha, já está, já está. Agora é resolver o problema.
- A gente assim até ficou a conhecer a gare, os ônibus… e vai conhecer Caldas.
- Quero ver a cara da Teresinha quando lhe contarmos tudo isso!
- Vai ficar cheiinha de inveja!


NOTA FINAL: Viajar de expresso entre Leiria e Lisboa não é em regra um programa agradável. Pode ser mesmo um belo suplício. Mas tem a grande vantagem de permitir tomarmos contacto com episódios divertidos ou dramáticos que de outra forma jamais conheceríamos. Este diálogo – que existiu efetivamente e que procurei reproduzir o melhor possível, anotando-o discretamente no meu moleskine – teve lugar no dia 17 do presente mês de setembro. Travaram-no duas senhoras brasileiras já nos seus sessentas, cheias de sacos de compras e souvenirs lisboetas, um tanto apreensivas mas (a meu ver) demonstrando uma coragem e presença de espírito excecionais. Exageros e culpas à parte, não sei como é que eu, que tenho cerca da metade da idade delas, me comportaria se numa primeira visita ao Brasil a excursão que integrava me abandonasse numa cidade e me visse obrigado a regressar no final da tarde ao hotel pelos meus próprios meios e através de terreno absolutamente desconhecido. Mas muito provavelmente não conseguiria manter, apesar de tudo, igual serenidade!

1 Comments:

At 5:27 PM, Anonymous Anonymous said...

Delicioso! :)

 

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