Sinais distintivos
Há
meia dúzia de dias uma pessoa cuja opinião prezo lançou a seguinte pergunta aos
membros de um grupo que se costuma reunir regularmente:
-
Algum de vocês indica expressamente no facebook
que é católico?
Ao
que respondi lesto:
-
Eu não, e até acho isso um bocado chungoso.
O
que fui dizer! Claro está que se levantaram ato imediato vozes contra
semelhante afirmação.
Adiante…
o certo é que a tal pessoa nos deixou à guisa de conselho a seguinte sugestão:
-
Pensem um bocado nisso.
E
eu pensei, no caminho de regresso a casa, debaixo da lua cada vez mais cheia
que iluminava francamente o meu itinerário até à Solum.
“Se
calhar chungoso não exprime exatamente
o que eu queria dizer” – magicava para comigo – “Mas como diabo conseguirei
explicar o quão desnecessário me parece ser andarmos a propalar confissões
religiosas em perfis do fb?”.
Ora,
sempre me ensinaram que nos momentos em que se torna difícil fornecer de
imediato um esclarecimento coerente devemos tentar fazê-lo por aproximações.
Trata-se de uma técnica a que recorro com bastante frequência e que geralmente
funciona.
Pois
bem… para mim indicar expressamente um credo no perfil de fb parece-me…
redundante. Isso mesmo, redundante. Isto porque a meu ver a simpatia ou adesão
a uma dada confissão deve-se espelhar mais na personalidade do “titular” do
perfil – e consequentemente no seu mural – do que em declarações enfáticas. Caso
contrário não se cairá no risco de chover
no molhado?
Vamos
lá ver se consigo explicar a minha tese através das tais aproximações, mesmo
que recorra a exemplos intencionalmente exagerados. Vêm-me desde logo à cabeça
três ilustrações possíveis.
Por um lado, os cartões dos bancos.
Todos nós os temos (mais ou menos dourados) e os usamos quotidianamente. Assim
sendo, creio que não há ninguém que tenha conseguido escapar à conversa dos títulos académicos:
- Sr… dr?
- Sim?
- Hummm… Sr? Dr?
- Ah… desculpe, não
tinha percebido a pergunta. Bom, sou licenciado em ***
- Portanto, dr…
- Sim, mas olhe… não
quero que me ponha nada disso no cartão! Basta o meu nome… quero SÓ o meu nome!
Mas
o interlocutor prossegue, sereno:
- E é dr. ou
dooooouutor?
- Só dr.
- Mas com esperança de
vir a ser dooooouutor?
- Sim, sim.
- Então já sabe: mal tenha
o grau, vem logo cá para fazermos a modificação.
- Mas qual modificação?
Ouça… eu quero só o nome!
Nada
feito. Quando duas semanas o cartão chega percebemos que em vez de Manuel,
Joaquim ou Serafim nos chamamos Dr.!
Ora,
eu sou suficientemente confiante em mim mesmo e no Google para ter a certeza de
que quem estiver interessado consegue facilmente saber qual é o meu historial
académico sem necessidade de espreitar para o cartão do banco. Espero que isso
seja óbvio para os que me conhecem pessoalmente e sei que os que não têm essa
oportunidade (ou não a querem ter) o podem descobrir num breve mergulho de meia
dúzia de segundos na web.
Por outro, as bolas do geneall. Bom, nem todos
as conhecerão. O geneall é o que o
nome indicia: um site dedicado à
genealogia que tem vindo a conhecer bastante aceitação junto do público em
geral. Um dos seus atrativos é fornecer uma interessante, útil e gigantesca
base de dados da qual constam largos milhares de portugueses. Mais polémica foi
a inclusão de umas bolas coloridas junto dos que tivessem um avoengo conhecido
comum. Uma bola por cada avô famoso. Mas são uns avós tãaaaao ilustres e
tãaaaao remotos que já ninguém sente qualquer ligação a esses augustos
personagens. Vejam o caso da minha pessoa, da minha mana e dos nossos primos.
Temos cinco contas coloridas a adornar a nossa página: uma bola amarela pelo “avô”
Carlos Magno, uma azul escura pelo “avô” Hugo Capeto, outra azul clara pelo “avô”
Afonso Henriques, uma verde pelo “avô” Fernando I de Leão e Castela e ainda uma
vermelha pelo “avô” Guilherme I de Inglaterra. Não julguem que há aqui qualquer
ponta de vaidade. Por razões puramente matemáticas (já tentaram calcular
quantos 9ºs avós tem cada um de nós, por exemplo?) quase toda a gente descende
por algum ramo destes troncos ilustres. Ou seja, as bolas coloridas estão ao
alcance da generalidade – e ainda bem, pois animam os perfis. Para que servem então
as bolas? Lá está: para nada. Entre os que, como eu, gostam e se dedicam à
genealogia elas são absolutamente inúteis (nós sabemos ou conseguimos saber facilmente quem descende de quem).
Para os que olham com desconfiança ou indiferença os estudos linhagísticos podem
até tornar-se fonte desnecessária de irritação. Para os ignorantes, são
incompreensíveis e disparatadas.
Finalmente, gravata e botões de punho.
Vem-me à cabeça um diálogo relativamente frequente:
-
Então e o que faz?
- Sou professor.
(expressão
de comiseração por parte do interlocutor)
- De quê?
- De direito.
-
Ora essa! Quem diria! Não se veste nada
adequadamente! Quem diria, quem diria…
- Como assim?
- Nunca o vi vestido de
advogado.
- É normal pois jamais
fui advogado. Assim, para que iria eu usar uma toga?
(expressão
de impaciência da contraparte)
- Não, nada disso!
Estou a falar do traje comum… está a ver… fato, gravata… e botões de punho.
- Ahhhh
- Nunca o vi vestido
dessa maneira.
- É provável… mas
acredite que muito raramente uso uns botões de punho e ato uma gravata ao
pescoço.
- A sério? Anda sempre
com essa pasta a tiracolo, não é nada de advogado… ou professor de direito. E
nem sequer tem uma agenda daquelas jurídicas com uma balança na capa e as
férias judiciais todas marcadas…
- Pois, eu não preciso.
A minha agenda é do Corto Maltese, um personagem de banda desenhada de que gosto bastante.
- Está a ver? Eu bem
digo!
Não
querendo arriscar novamente a parecer presunçoso, bastam-me cinco minutos de
conversa com alguém para deixar bem claro o que faço. Precisarei para além
disso de sinais que o exteriorizem? Não creio…
Serão
as três aproximações apresentadas suficientes para ilustrar a minha teoria?
Oxalá que sim.
Acho
que o mesmo se passa com o facebook. Sem necessidade de agendas “com balanças na capa”, cartões com
títulos escarrapachados e continhas coloridas… está lá tudo!