Thursday, March 06, 2014

O misterioso tipo do casaco vermelho

As 4ªs e 5ªs feiras do CETL[1] começam em regra com a presença de cinco bravos jogadores e do seu treinador. Usualmente, chova ou faça sol, já eles costumam estar de raquetes em punho debaixo da famosa cobertura de Marini Bragança quando chega o Jacinto – que é quem deveria abrir o clube e está encarregado da manutenção dos courts. O primeiro a comparecer é quase sempre o Nuno. Como tem de deixar o filho no jardim-escola às 8.30, é obrigado a “fazer horas” até os outros aparecerem. Depois seguem-se o Pedro, o Rafael e eu próprio. O Rafael costuma demorar um par de minutos extra dentro do carro para acabar de fumar o seu cigarro matinal. Desconfio que o nosso treinador – que não fuma nem bebe – não reagiria muito bem caso ele o fizesse depois de transpor o portão do clube. Muito provavelmente, o nosso colega teria de pagar a sua transigência para com o vício dando umas voltinhas extra ao campo antes do treino começar. Ou seria presenteado com a distinção de ter de alisar a terra do court durante cinco semanas consecutivas sem a colaboração de nenhum de demais. O último é invariavelmente o Norberto, que chega sempre a correr quando passa um quarto de hora do início do treino.
Há portanto uma suave rotina quase pré-estabelecida. Consequentemente, e por sermos tão poucos e tudo se passar a uma altura da manhã verdadeiramente morta, toda e qualquer alteração se torna particularmente sensível.
Foi por isso que há já um par de dias estranhámos a presença de um sétimo personagem no court – e mais ainda que o mesmo não nos tivesse sido apresentado. Em regra, quando aparece um novo apertam-se logo mãos e trocam-se nomes. Tratava-se de um tipo ainda jovem, embrulhado num casacão vermelho, sentado no banco do prof. Durante o treino, de caderno na mão, fartou-se de tirar notas. Às vezes aparentava estar a seguir o treino; noutras alturas parecia a leste. De tempos a tempos o prof. ia trocar meia dúzia de palavras com ele. No final despedimo-nos dele e cumprimentou-nos de forma distante sem revelar nada acerca da sua identidade misteriosa. É claro que nenhum de nós sequer aludiu à existência do homem do casaco vermelho na conversa até à sede, é claro que todos estávamos curiosos mas é também claro que jamais o admitiríamos publicamente. Assim, creio que todos pensámos para nós mesmos: vamos dar tempo ao tempo e isto resolve-se. Ou o tipo se evapora ou dizem-nos quem é. No entanto, nenhuma das duas hipóteses se concretizou. Ele continuou a aparecer, sempre empacotado no seu casaco e agarrado ao bloco de notas, e nós continuamos à espera de que nos digam quem é.
Ontem não pude ir ao treino do costume. Marcaram uma das intermináveis reuniões às quais todos somos energicamente convidados a comparecer de tempos a tempos exatamente para a hora em que costumamos começar a bater bolas. Ora, como me tinha calhado a mim ir representar o departamento, era impensável faltar. Combinei então usufruir da minha dose de ténis não no princípio mas ao final do dia.
Estas mudanças ocasionais sabem e fazem bem. Enfrentar gente a cujo jogo não estamos habituados exige mais de nós. Ignoramos os vícios, as estratégias e os erros habituais dos oponentes e temos de nos dedicar e suar mais para nos sairmos airosamente. Fica-se um bocado rebentado, é verdade, mas regressa-se a casa tão cansado quanto bem-disposto. Foi o que me aconteceu. Não conhecia o resto dos que tinham treino àquela hora e tentei aplicar-me o melhor que podia. Foi certamente por isso que demorei um bocado a reparar no banco do prof. E quem é que lá estava, perdido numa massa vermelha e sempre com o célebre caderno por perto? Pois é… o tipo que já nos tinha vindo visitar algumas manhãs!
Será que ele fica cá todo o dia, semana após semana, sentado no banco a tirar notas? – pensei eu, para logo acrescentar mentalmente: Que seeeeeeeeeeeeeeeeca! E para que estará ele a fazer uma coisa tão estúpida e inútil?
Quem será este misterioso escriba encasacado que com os seus caderninhos lembra o André Villas-Boas de há alguns anos? Temo bem que na verdade não me esteja a lembrar de nenhuma resposta conveniente e/ou sensata. Assim de repente vêm-me à cabeça umas nove hipóteses, mas a verdade é que todas elas pecam por serem bastante inverosímeis…
1)      É um olheiro. Hummmm…. Então deve ser um profissional frustrado. Porque diabo é que ele ia gastar tanto do seu precioso tempo com meia dúzia de pessoas que apesar de gostarem de jogar ténis algumas vezes por semana o fazem realmente mal?
2)      É um avaliador do prof Mas então não devia ser mais velho e experiente? E ter um ar mais profissional?
3)      É um funcionário da câmara a avaliar o funcionamento do clube para ver se merecemos continuar a receber o subsídio que o município nos atribuía. Também não serve. Volta a questão da idade, não tem qualquer identificação e certamente o dinheiro que lhe pagariam para ali estar tanto tempo já teria ultrapassado a mais generosa das ajudas autárquicas;
4)      É um discípulo do prof, que quer conhecer todas as técnicas de ensino e está a fazer uma espécie de internato. Ai sim…e ficava ali com cara de parvo manhãs e tardes consecutivas sem substituir uma única vez o seu mestre?!?
5)      É um aluno de mestrado em Educação Física que está a fazer um estudo sobre as aulas de ténis do CETL. Que tema tão aborrecido! Esperemos que não seja isso, coitado do rapaz e de quem terá de ler a tese!
6)      É um agente do clube rival, o CITL. Deve ser mesmo isso… e deixavam-no andar à vontade a ver o que queria. Brilhante dedução, Luís!...
7)      É um delinquente a cumprir pena de reinserção social e nós não somos mais do que um motivo para tentar controlar a fúria de um qualquer serial killer ou traficante leiriense. Outra alternativa muito válida!
8)      É parente ou admirador de alguém que anda no CETL. Bolas, mas isso não justifica que lá passe tanto tempo e gaste os seus dias entre diferentes aulas. A não ser que o visado seja o nosso treinador.
9)      É um simples lunático… solução simples mas eficaz… tirando o pormenor de parecer uma pessoa 100% sã e lúcida.
Vou agora equipar-me e rumar ao CETL. O tempo parece melhor e o treino vai certamente saber bem… especialmente se não houver casacos vermelhos incógnitos pelas redondezas! ;)







[1] Clube Escola de Ténis de Leiria

1 Comments:

At 1:35 AM, Anonymous Joana said...

Perguntar discretamente ao treinador não é uma opção, porque?... :P

 

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