O misterioso tipo do casaco vermelho
As
4ªs e 5ªs feiras do CETL[1]
começam em regra com a presença de cinco bravos jogadores e do seu treinador.
Usualmente, chova ou faça sol, já eles costumam estar de raquetes em punho
debaixo da famosa cobertura de Marini Bragança quando chega o Jacinto – que é quem deveria abrir o clube e está
encarregado da manutenção dos courts. O primeiro a comparecer é quase sempre o
Nuno. Como tem de deixar o filho no jardim-escola às 8.30, é obrigado a “fazer
horas” até os outros aparecerem. Depois seguem-se o Pedro, o Rafael e eu
próprio. O Rafael costuma demorar um par de minutos extra dentro do carro para
acabar de fumar o seu cigarro matinal. Desconfio que o nosso treinador – que
não fuma nem bebe – não reagiria muito bem caso ele o fizesse depois de
transpor o portão do clube. Muito provavelmente, o nosso colega teria de pagar
a sua transigência para com o vício dando umas voltinhas extra ao campo antes
do treino começar. Ou seria presenteado com a distinção de ter de alisar a
terra do court durante cinco semanas consecutivas sem a colaboração de nenhum
de demais. O último é invariavelmente o Norberto, que chega sempre a correr
quando passa um quarto de hora do início do treino.
Há
portanto uma suave rotina quase pré-estabelecida. Consequentemente, e por sermos tão
poucos e tudo se passar a uma altura da manhã verdadeiramente morta, toda e qualquer alteração se
torna particularmente sensível.
Foi
por isso que há já um par de dias estranhámos a presença de um sétimo
personagem no court – e mais ainda que o mesmo não nos tivesse sido
apresentado. Em regra, quando aparece um novo apertam-se logo mãos e trocam-se
nomes. Tratava-se de um tipo ainda jovem, embrulhado num casacão vermelho,
sentado no banco do prof. Durante o treino, de caderno na mão, fartou-se de
tirar notas. Às vezes aparentava estar a seguir o treino; noutras alturas
parecia a leste. De tempos a tempos o prof. ia trocar meia dúzia de palavras
com ele. No final despedimo-nos dele e cumprimentou-nos de forma distante sem
revelar nada acerca da sua identidade misteriosa. É claro que nenhum de nós sequer aludiu à existência do homem do
casaco vermelho na conversa até à sede, é
claro que todos estávamos curiosos mas é também claro que jamais o admitiríamos publicamente. Assim, creio que
todos pensámos para nós mesmos: vamos dar
tempo ao tempo e isto resolve-se. Ou o tipo se evapora ou dizem-nos quem é.
No entanto, nenhuma das duas hipóteses se concretizou. Ele continuou a
aparecer, sempre empacotado no seu casaco e agarrado ao bloco de notas, e nós
continuamos à espera de que nos digam quem é.
Ontem não pude ir ao treino do costume. Marcaram uma das intermináveis reuniões às
quais todos somos energicamente convidados a comparecer de tempos a tempos
exatamente para a hora em que costumamos começar a bater bolas. Ora, como me
tinha calhado a mim ir representar o departamento, era impensável faltar.
Combinei então usufruir da minha dose de ténis não no princípio mas ao final do
dia.
Estas
mudanças ocasionais sabem e fazem bem. Enfrentar gente a cujo jogo não estamos
habituados exige mais de nós. Ignoramos os vícios, as estratégias e os erros
habituais dos oponentes e temos de nos dedicar e suar mais para nos sairmos
airosamente. Fica-se um bocado rebentado, é verdade, mas regressa-se a casa tão
cansado quanto bem-disposto. Foi o que me aconteceu. Não conhecia o resto
dos que tinham treino àquela hora e tentei aplicar-me o melhor que podia. Foi
certamente por isso que demorei um bocado a reparar no banco do prof. E quem é
que lá estava, perdido numa massa vermelha e sempre com o célebre caderno por
perto? Pois é… o tipo que já nos tinha vindo visitar algumas manhãs!
Será que ele fica cá
todo o dia, semana após semana, sentado no banco a tirar notas? –
pensei eu, para logo acrescentar mentalmente: Que seeeeeeeeeeeeeeeeca! E para que estará ele a fazer uma coisa tão
estúpida e inútil?
Quem
será este misterioso escriba encasacado que com os seus caderninhos lembra o
André Villas-Boas de há alguns anos? Temo bem que na verdade não me esteja a
lembrar de nenhuma resposta conveniente e/ou sensata. Assim de repente vêm-me à
cabeça umas nove hipóteses, mas a verdade é que todas elas pecam por serem
bastante inverosímeis…
1)
É
um olheiro. Hummmm…. Então deve ser um profissional frustrado.
Porque diabo é que ele ia gastar tanto do seu precioso tempo com meia dúzia de
pessoas que apesar de gostarem de jogar ténis algumas vezes por
semana o fazem realmente mal?
2)
É
um avaliador do prof Mas então não devia ser mais velho e
experiente? E ter um ar mais profissional?
3)
É
um funcionário da câmara a avaliar o funcionamento do clube para ver se merecemos
continuar a receber o subsídio que o município nos atribuía.
Também não serve. Volta a questão da idade, não tem qualquer identificação e
certamente o dinheiro que lhe pagariam para ali estar tanto tempo já teria ultrapassado a mais generosa das ajudas
autárquicas;
4) É um discípulo do prof, que quer
conhecer todas as técnicas de ensino e está a fazer uma espécie de internato.
Ai sim…e ficava ali com cara de parvo manhãs e tardes consecutivas sem
substituir uma única vez o seu mestre?!?
5) É um aluno de mestrado em Educação
Física que está a fazer um estudo sobre as aulas de ténis do CETL.
Que tema tão aborrecido! Esperemos que não seja isso, coitado do rapaz e de
quem terá de ler a tese!
6)
É
um agente do clube rival, o CITL. Deve ser mesmo isso…
e deixavam-no andar à vontade a ver o que queria. Brilhante dedução, Luís!...
7)
É
um delinquente a cumprir pena de reinserção social
e nós não somos mais do que um motivo para tentar controlar a fúria de um
qualquer serial killer ou traficante
leiriense. Outra alternativa muito válida!
8) É parente ou admirador de alguém
que anda no CETL. Bolas, mas isso não justifica que lá
passe tanto tempo e gaste os seus dias entre diferentes aulas. A não ser que o
visado seja o nosso treinador.
9) É um simples lunático…
solução simples mas eficaz… tirando o pormenor de parecer uma pessoa 100% sã e
lúcida.
Vou
agora equipar-me e rumar ao CETL. O tempo parece melhor e o treino vai
certamente saber bem… especialmente se não houver casacos vermelhos incógnitos
pelas redondezas! ;)
1 Comments:
Perguntar discretamente ao treinador não é uma opção, porque?... :P
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