Sunday, March 16, 2014

Sinais distintivos

Há meia dúzia de dias uma pessoa cuja opinião prezo lançou a seguinte pergunta aos membros de um grupo que se costuma reunir regularmente:
- Algum de vocês indica expressamente no facebook que é católico?
Ao que respondi lesto:
- Eu não, e até acho isso um bocado chungoso.
O que fui dizer! Claro está que se levantaram ato imediato vozes contra semelhante afirmação.
Adiante… o certo é que a tal pessoa nos deixou à guisa de conselho a seguinte sugestão:
- Pensem um bocado nisso.
E eu pensei, no caminho de regresso a casa, debaixo da lua cada vez mais cheia que iluminava francamente o meu itinerário até à Solum.
“Se calhar chungoso não exprime exatamente o que eu queria dizer” – magicava para comigo – “Mas como diabo conseguirei explicar o quão desnecessário me parece ser andarmos a propalar confissões religiosas em perfis do fb?”.
Ora, sempre me ensinaram que nos momentos em que se torna difícil fornecer de imediato um esclarecimento coerente devemos tentar fazê-lo por aproximações. Trata-se de uma técnica a que recorro com bastante frequência e que geralmente funciona.
Pois bem… para mim indicar expressamente um credo no perfil de fb parece-me… redundante. Isso mesmo, redundante. Isto porque a meu ver a simpatia ou adesão a uma dada confissão deve-se espelhar mais na personalidade do “titular” do perfil – e consequentemente no seu mural – do que em declarações enfáticas. Caso contrário não se cairá no risco de chover no molhado?
Vamos lá ver se consigo explicar a minha tese através das tais aproximações, mesmo que recorra a exemplos intencionalmente exagerados. Vêm-me desde logo à cabeça três ilustrações possíveis.
Por um lado, os cartões dos bancos. Todos nós os temos (mais ou menos dourados) e os usamos quotidianamente. Assim sendo, creio que não há ninguém que tenha conseguido escapar à conversa dos títulos académicos:
- Sr… dr?
- Sim?
- Hummm… Sr? Dr?
- Ah… desculpe, não tinha percebido a pergunta. Bom, sou licenciado em ***
- Portanto, dr…
- Sim, mas olhe… não quero que me ponha nada disso no cartão! Basta o meu nome… quero SÓ o meu nome!
Mas o interlocutor prossegue, sereno:
- E é dr. ou dooooouutor?
- Só dr.
- Mas com esperança de vir a ser dooooouutor?
- Sim, sim.
- Então já sabe: mal tenha o grau, vem logo cá para fazermos a modificação.
- Mas qual modificação? Ouça… eu quero só o nome!
Nada feito. Quando duas semanas o cartão chega percebemos que em vez de Manuel, Joaquim ou Serafim nos chamamos Dr.!
Ora, eu sou suficientemente confiante em mim mesmo e no Google para ter a certeza de que quem estiver interessado consegue facilmente saber qual é o meu historial académico sem necessidade de espreitar para o cartão do banco. Espero que isso seja óbvio para os que me conhecem pessoalmente e sei que os que não têm essa oportunidade (ou não a querem ter) o podem descobrir num breve mergulho de meia dúzia de segundos na web.
Por outro, as bolas do geneall. Bom, nem todos as conhecerão. O geneall é o que o nome indicia: um site dedicado à genealogia que tem vindo a conhecer bastante aceitação junto do público em geral. Um dos seus atrativos é fornecer uma interessante, útil e gigantesca base de dados da qual constam largos milhares de portugueses. Mais polémica foi a inclusão de umas bolas coloridas junto dos que tivessem um avoengo conhecido comum. Uma bola por cada avô famoso. Mas são uns avós tãaaaao ilustres e tãaaaao remotos que já ninguém sente qualquer ligação a esses augustos personagens. Vejam o caso da minha pessoa, da minha mana e dos nossos primos. Temos cinco contas coloridas a adornar a nossa página: uma bola amarela pelo “avô” Carlos Magno, uma azul escura pelo “avô” Hugo Capeto, outra azul clara pelo “avô” Afonso Henriques, uma verde pelo “avô” Fernando I de Leão e Castela e ainda uma vermelha pelo “avô” Guilherme I de Inglaterra. Não julguem que há aqui qualquer ponta de vaidade. Por razões puramente matemáticas (já tentaram calcular quantos 9ºs avós tem cada um de nós, por exemplo?) quase toda a gente descende por algum ramo destes troncos ilustres. Ou seja, as bolas coloridas estão ao alcance da generalidade – e ainda bem, pois animam os perfis. Para que servem então as bolas? Lá está: para nada. Entre os que, como eu, gostam e se dedicam à genealogia elas são absolutamente inúteis (nós sabemos ou conseguimos saber facilmente quem descende de quem). Para os que olham com desconfiança ou indiferença os estudos linhagísticos podem até tornar-se fonte desnecessária de irritação. Para os ignorantes, são incompreensíveis e disparatadas.
Finalmente, gravata e botões de punho. Vem-me à cabeça um diálogo relativamente frequente:
- Então e o que faz?
- Sou professor.
(expressão de comiseração por parte do interlocutor)
- De quê?
- De direito.
- Ora essa! Quem diria! Não se veste nada adequadamente! Quem diria, quem diria…
- Como assim?
- Nunca o vi vestido de advogado.
- É normal pois jamais fui advogado. Assim, para que iria eu usar uma toga?
(expressão de impaciência da contraparte)
- Não, nada disso! Estou a falar do traje comum… está a ver… fato, gravata… e botões de punho.
- Ahhhh
- Nunca o vi vestido dessa maneira.
- É provável… mas acredite que muito raramente uso uns botões de punho e ato uma gravata ao pescoço.
- A sério? Anda sempre com essa pasta a tiracolo, não é nada de advogado… ou professor de direito. E nem sequer tem uma agenda daquelas jurídicas com uma balança na capa e as férias judiciais todas marcadas…
- Pois, eu não preciso. A minha agenda é do Corto Maltese, um personagem de banda desenhada de que gosto bastante.
- Está a ver? Eu bem digo!
Não querendo arriscar novamente a parecer presunçoso, bastam-me cinco minutos de conversa com alguém para deixar bem claro o que faço. Precisarei para além disso de sinais que o exteriorizem? Não creio…

Serão as três aproximações apresentadas suficientes para ilustrar a minha teoria? Oxalá que sim.

Acho que o mesmo se passa com o facebook. Sem necessidade de agendas “com balanças na capa”, cartões com títulos escarrapachados e continhas coloridas… está lá tudo!

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