O reflexo de "O Espelho"
No
passado mês de novembro, Lisboa foi sacudida (se muito ou pouco intensamente,
já depende da perspetiva de cada um) pela saída do primeiro número de uma
publicação que pretendia – e continua a pretender segundo creio, pois julgo que
a equipa que a idealizou deseja de alguma forma dar continuidade à iniciativa –
agitar as pacatas águas do nosso viver nacional: “O Espelho”. Contando com um
punhado de colaboradores despachados e bem-intencionados (entre os quais o meu
primo R.), sob a tutela de nomes conhecidos da nossa praça (e eu não posso,
naturalmente, deixar de referir PVG), “O Espelho” – folha que tem graça e
sentido de oportunidade – desde cedo escolheu algumas bandeiras para desfraldar
em prol da sua causa. Uma delas foi o testemunho de um jovem português que
passou por França ao qual emprestaram o nome (que penso ser fictício) de Miguel. Miguel, apresentado como futuro de uma Europa sem rumo, náufrago da
triste realidade em que a nossa União nos estaria (ou está) a lançar. Li com
atenção o depoimento de Miguel,
simpatizei com as suas perspetivas, acredito ter compreendido as apreensões, os
medos e as limitações que o coagem. No entanto, achei Miguel um fraco. Tal como tendo a achar todos aqueles que com ele
se perfilam num coro de lamúrias em vez de reagir. Por vezes, gostava que o Miguel pusesse os olhos no Zé.
O
Zé, é verdade, beneficiou de inúmeros
privilégios de que o Miguel –
infelizmente, porque a sociedade continua a ser injusta – não teve oportunidade
de gozar: uma família grande e coesa, pais que se dão bem, dinheiro suficiente
para encarar o mundo com a necessária segurança, possibilidades de estudar e de
se cultivar tanto quanto quisesse. No entanto, isso não lhe bastou: é que, ao
contrário do Miguel, o Zé cedo descobriu ter uma marcada
vocação para algo – jogar rugby. Mas… como jogar rugby a sério numa pasmacenta
cidade de província sita num país tão periférico como o nosso? As hipóteses de
sucesso eram escassíssimas e, tal como o Miguel,
o Zé sabia não poder errar, “ter de jogar sem falhas” – e jogar,
aqui, significa saber fazer as apostas corretas quer no campo, quer na gestão
da carreira. E foi assim que o Zé,
mal começou a adquirir alguma autonomia (que só alcançou graças aos esforços
perseverantes em ser cada vez melhor numa área para a qual era, naturalmente,
muito apto), voltou costas à pacata cidadezinha e rumou para Lisboa. Terá sido
tudo fácil? Certamente não, mas valeu a pena. Nessa altura, o Zé levava no bolso vontade de vencer, o
12º ano feito e a opção de não entrar logo na universidade. E, por vezes (ai,
ai, o padrinho penitencia-se), é quase tão difícil o descendente de uma família
onde a tradição universitária é grande recusar dar esse passo como o rebento de
uma estirpe onde tal costume não exista lograr pleno sucesso no ensino
superior. Pouco tempo esteve, porém, na capital: o Zé, sabendo perfeitamente que mesmo a nossa maior cidade era
demasiado estreita para os horizontes largos que almejava, cedo principiou a
planear o passo seguinte. E esse passo foi Narbonne. E o Zé – que podia, afinal, ter-se limitado a ficar por Lisboa,
chorando a mediocridade do desporto nacional e a sua desdita em nascer
português e europeu – meteu meia dúzia de coisas (entre as quais, certamente,
uma bola de rugby) num saco e rumou a
França. Ah! Esqueci-me de dizer: não sabia falar francês. Isso demoveu-o? É
óbvio que não – onde melhor podia aprender a língua do que lá? O Miguel fala em saudades, o Zé prefere apostar na esperança; o Miguel chora benesses perdidas, amizades
interrompidas, o Zé, mesmo quando as
coisas parecem estar a correr mal, tem imensa vontade em saber o que os
próximos dias, semanas e meses lhe reservam. O Miguel aparece com olhos de carneiro-mal-morto na sua foto de “O
Espelho”, o Zé enche páginas de
jornais desportivos!
Dá
vontade de dizer, a um e a outro:
-
Miguel, põe os olhos no Zé e deixa de ser fiteiro!
-
Zé, tem paciência para com o Miguel, mas não te deixes arrastar pelo
seu triste fado e pelo seu semblante mortiço. Miguéis, há-os às resmas, um pouco por todos os cantos: já os Zés são, infelizmente, muito mais raros.
Eu
tenho a sorte extrema de ser o orgulhoso padrinho de um deles!
Muitos
parabéns ZG!