Friday, May 30, 2008

Uma inenarravel composicao poetica!!

A investigacao tem destas coisas: por vezes, deparamo-nos com documentos da maior importancia pela grave seriedade com que tratam assuntos sisudos; outras, com divertidissimas - e positivamente BIZARRAS - obras (nas quais, sejamos francos, Goa e prodigiosamente fertil). Eis um bom exemplo:

Em 1891, para festejar a Circuncisao do Menino Jesus, J. J. Fragoso (devoto goes, pois entao) compos esta perola:

O silex afiado
n'um golpe o feriu,
e o circuncidado
vagia no estabulo;
mas, crente ou escrava
da lei, que cumpriu,
a mae nao chorava.

O silex tem gume
da espada de Abrahao,
se e ara, se e lume
o peito virginio,
Belem e Moria
da conformacao
da Virgem Maria.

Cumprindo o preceito
se deu de Jesus
o nome ao eleito:
no ceu complacencia,na terra a esperanca
devia de jus ter sello da allianca.

Tuesday, May 20, 2008

Quem pode achar este poema colonialista?!?

VELHA GOA, de Tomas Ribeiro (poema do qual a minha Avo sabia boa parte de cor):

Eis a cidade morta, a solitaria Goa!
Seis templos alvejando entre um palmar enorme!
Eis o Mandovi-Tejo, a oriental Lisboa!
Onde, em jazigo regio, imensa gloria dorme!

Que fazes tu de pe, arco das grandes eras?
Que te sustem no ar, abobada que cismas?!
Passaram para nos as floreas primaveras,
as musicas da gloria, a luz dos aureos prismas.

Portico arrendilhado, orgulho da espessura,
Tao nobre, velho e nu... cobri-o trepadeiras!
Deixai-o afundar no oceano de verdura
Que sobe, cresce e abisma as grimpas derradeiras/

Nos somos do passado a timida memoria.
Buscando os seus avos no palmeiral funereo
Que aoenas sobredoira um tenue alvor de glorias,
Como de fatua gloria se esmalta um cemiterio.

Nomes que tanto ergueu a tuba, a lira, a historia,
Pachecos, Albuquerques, Almeidas Gamas, Castros,
Lorena, Alorna, Mello e tanta e tanta gloria,
Devem erguer-se a luz de mais propicios astros!

as se o formoso sol que a minha mente sonha,
Nao rompe a serracao nem calma adversos ventos;
Roubando-nos a luz poupai-nos a vergonha!
Caide sobre nos, heroicos monumentos!

Apesar do (um tanto provinciano) e saudosista romantismo melado de T. Ribeiro, ele consegue descrever bastante bem a sensacao dos portugueses quando, do alto da Senhora do Monte, contemplam Goa.


Aviso a navegacao

Os Prazos do Serrazim - que para alem de terem a sua existencia fisica paralela nas Beiras e serem velho feudo dos PL, gostam de noticiar eventos de inegavel importancia para a vida cultural portuguesa - nao poderiam jamais de salientar o seguinte acontecimento, a ter lugar muito em breve (e passamos a citar):

«Eduardo Lourenço comemora 85º aniversário na GuardaO ensaísta e director honorífico do Centro de Estudos Ibéricos desloca-se àGuarda no próximo dia 23 de Maio, data em que cumpre 85 anos. Natural de S.Pedro do Rio Seco (Almeida), Eduardo Lourenço esteve ligado à Guarda desde asua juventude, uma ligação retomada nas últimas décadas e intensificada coma criação do Centro de Estudos Ibéricos, uma ideia lançada pelo ensaístapor ocasião dos 800 anos da concessão do Foral à Cidade da Guarda.O Centro de Estudos Ibéricos preparou um programa especial para assinalar estedia, que tem início pelas 10h00, na sede do CEI, com um Encontro entrebolseiros e investigadores, portugueses e espanhóis, apoiados pelo Centrodesde 2004 e que desenvolveram trabalhos no âmbito do Projecto ?CulturasIbéricas, Sociedades de Fronteira: Territórios, Sociedades e Culturas emtempos de mudança?. À tarde vão também ser entregues as bolsas deinvestigação aos oito seleccionados para a edição deste ano.Da parte da tarde destaca-se o Colóquio ?A Ibéria d´aquém e AlémFronteiras?, onde Eduardo Lourenço participará com o escritor cabo-verdianoGermano de Almeida e o filólogo Fernando Rodríguez de la Flor, num debatesobre a língua e a literatura nos países de expressão oficial portuguesa enos países de língua castelhana.

Segue-se a apresentação de dois novos volumes da Colecção ?Iberografias?(CEI/Campo das Letras):?Existência e Filosofia. O Ensaísmo de Eduardo Lourenço?, de João Tiago Pedroso de Lima, professor na Universidade de Évora e estudioso da obra lourenceana ;


?Abandono do espaço agrícola na Beira Transmontana?, de Adélia Nunes,investigadora do CEI e professora na Universidade de Coimbra.Com a nova biblioteca praticamente concluída, segue-se uma cerimónia onde oEnsaísta fará a entrega simbólica de parte do seu espólio pessoal à futurabiblioteca municipal que tem o seu nome.»

Uma manha bem divertida!




Por vezes, as imagens dizem tanto ou mais do que as palavras!;)




Saturday, May 17, 2008

um gelado ao entardecer

A India! Quantos repetem estas palavras pondo os olhos em riste, numa expressao sonhadora! Quantos, na sua ignorancia (quase total - e que por ser tao crassa lhes confere o recurso a tal sobranceria) em materia religiosa nao imaginam estas paragens como um paraiso karmico onde, entre nirvanicos transes e vacas mais ou menos sagradas, todos vivem uma existencia de paz e praticamente absoluta harmonia.

Pois bem, amigos, a India (ou, pelo menos, esta pequenissima parte onde presentemente me acho, mas que passa por ser o El Dorado do sitio) nao e nada disso! E claro que nao ponho sequer em causa que este imenso pais albergue inumeras pessoas de optimo coracao e conduta ainda melhor.
No entanto, e com base no que ate agora vi, a India e um pais de tenebrosos contrastes, onde (muitos) vivem com (muito) pouco, e sob o prepotente jugo de uns tantos ligeiramente mais beneficiados.

O lugar onde agora me acho e realmente muito agradavel. A limpeza e manutencao do sitio e feita por um par de raparigas indianas. A sua vida e a maior tristeza, embora estejam sempre sorridentes. Descalcas, envergando uma das duas farpelas que tem (vao alternando), composta por uma saia e uma camisa que nao combinam e de tecido ordinario, lavam e limpam. Nao falam ingles, apenas hindi... pelo que estao impedidas de contactar com imensa gente, numa terra em que, para todos os efeitos, o ingles e a lingua oficial.

Ao fim do dia, gostam de se sentar nas escadas da entrada, a conversar e a ver quem passa. Por volta das 7.30, sacam de umas rupias e vao ate ao rapaz dos gelados, uma criatura esqualida montada numa bicicleta velha, que percorre as ruas das Fontainhas agitando o sino que tem preso ao guiador.

Flirtam um bocado com o rapaz, trincam o gelado, voltam 5 minutos a escada - para, pouco depois, retornar aos seus afazeres domesticos.

Os turistas anafados podem achar tudo isto muito pitoresco. Os ridiculos europeus que se pretendem indianizar a todo o custo, para se descobrirem (dizem) e fugirem dos temores que os perseguem (parece), acham que e encantador, e a ordem da vida.

Para mim, e uma coisa bem triste. Tenho vontade de dizer, a toda esta massa de gente que vive tao mal: VOCES SAO MUITOS!! REVOLTEM-SE!!

Thursday, May 15, 2008

Jose Vaz, santo bramane e cabeca do Oratorio


No Oratorio, entre palmares

Ha um par de dias, o Sidh - guia indicado para estas visitas a uma Velha Goa menos conhecida - levou-nos (ie, a mim e a mais dois, num grupo verdadeiramente heterogeneo, composto por um portugues, um luso-indiano, um franco-indiano e uma indiana, todos da mesma geracao) ao velho (mas menos arruinado do que seria de esperar, apesar de inabitavel) mosteiro de Santa Cruz dos Milagres, quartel general da Congregacao do Oratorio de Sao Filipe Nery do Clero Nativo de Goa. Ou seja, congregacao do lobby eclesiastico bramane, tendo a cabeca o Padre Jose Vaz, que tao querido e por esta gente.

Arquitectonicamente, o edificio nao podia ser mais despretensioso, destacando-se, na monotonia do seu longo (mas estreito, num artificio comum) corpo principal, apenas o portao - e mesmo assim, sendo este muito banal. Da igreja, nao vale quase a pena fazer mencao. Modesta nas suas origens, foi bastante arruinada num pessimo restauro dos anos 50 da passada centuria. Hoje, agoniza imersa numa deploravel miseria, rescendendo a pobreza e desleixo. No entanto, este velho edificio dos oratorianos, apesar da sua construcao banal, das suas linhas hirtas e demasiado singelas, da sua igreja desengracada, tem algo de especial. Envolto por luxuriante vegetacao, com restos de um belo jardins em tabuleiros, dispoe de uma situacao e de uma vista magnifica. Das suas janelas mais altas, do topo da igreja anexa, dos terrenos que o circundam, ve-se a Velha Goa, as Igrejas e o palmar que tanto entusiasmaram Tomas Ribeiro, E um lugar de grande pacatez, propicio ao estudo e mesmo a meditacao. Por isso, os desejos de quem visita aquelas ruinas, no que toca a uma sua possivel utilizacao futura, divergem radicalmente. Uns sonham com um hotel de grande luxo, que pusesse a Velha Cidade no mapa dos turistas (muito) ricos. Mas nao seria esta uma opcao um pouco radical, atendendo a pobreza e aos contrastes economico-sociais que caracterizam Goa e (sobretudo) a India?? Uma poderosa congregacao - poderosa desde a sua origem, quer no espaco ultramarino, quer no metropolitano - pretende fazer valer os seus direitos para transformar aquele espaco em local de meditacao e retiro. Tambem seria adequado.
Eu, pelo contrario, divirjo. Porque nao transformar aquele velho edificio (ou pelo menos parte dele) num local confortavel onde todos aqueles que gostam e precisam de estudar em Goa possam ficar? Os alojamentos em Goa sao, regra geral, muito fracos e pouco cuidados, para alem de escassos. Niguem gosta de ficar num quarto de uma familia alheia (e regra geral os goeses nao primam pela limpeza, o que e um facto indiscutivel), e a opcao de um hotel pode ser (e e, muitas vezes) incomportavel. Ha, e certo, Guest Houses, mas escasseiam as que tem um minimo nivel.

Por tudo isso, porque nao transformar aquelas paredes, que ja acolheram um instituto de ensino, num local onde os investigadores possam estudar e viver?

So assim a memoria de Goa se mantera. So assim a identidade goesa que todos gostam tanto de apregoar nao se esfarelara irremediavelmente num quarto de seculo.

Friday, May 09, 2008


Situacoes embaracosas

Todos temos momentos em que ou nao sabemos o que dizer, ou em que o espanto, a total surpresa, quase nos tolda o raciocinio, e ficamos com a resposta (que costuma ser pronta - embora sem aquela acida mas deliciosa ironia, que fere e mata, caracteristica de algumas pessoas nossas proximas, desde logo uma certa biologa-autarca) em suspenso. Em Goa, esses momentos tambem vao tendo o seu lugar. Eis um par de exemplos:

Ha um par de dias, ia eu a fantastica Casa dos Figueiredo de Loutolim - onde fui primorosamente recebido pela sua simpatica proprietaria - quando o meu novo taxista (sim, porque o velho, que se tornou um tanto impertinente quando eu me mudei para o centro da cidade, ficou apodrecendo la pelos lados de Britona), um homem simpatico e discreto, me convidou para a festa dos seus 50 anos! Deus meu! O que fazer? O que responder? Claro esta que me lembrei, nesse preciso momento, que tinha uma coisa marcada exactamente para esse mesmo dia! Um zar, claro esta, mas ja tinha dado a minha confirmacao!;)
Bom, e verdade que o homem foi inegavelmente simpatico, mas eu preferia que ele nem sequer tivesse formulado o convite!

Ontem, jantando no Pangim Inn (era o ultimo resistente na varanda - ja se sabe que nesta terra toda a gente recolhe de vespera), um dos empregados, que mal fala ingles (comunicamos, por isso, numa dificil, mas compreensivel, algaraviada de mau ingles e muitos gestos) perguntou se eu nao falava hindi. Surpreendido, eu disse que nao, que em hindi so sabia dizer SOMAR, BUDWAR e SAKRAWAR - ou seja, 2a,4a e 6a feira. Isto (claro que esta parte nao lhe expliquei!) porque eram os dias em que a Natividade ia a minha velha e britonesa casa! Mas o rapaz insistia, no seu linguarejar dificil de acompanhar, sempre com grandes sorrisos: porque uma pessoa como eu, que estudava tanto (eles acham que eu trabalho muito, porque encaram como sendo trabalho toda a minha actividade intelectual, mesmo ler um romance, escrever um postal ou desenhar uma paisagem!), ja devia saber algumas coisas!

Inenarravel! Claro que o que ele queria era que eu falasse hindi, para comunicarmos na lingua dele! Eu entao propus um acordo: eu aprendia hindi, e ele portugues.

Sera que hoje, ao jantar, o rapaz se vai chegar ao pe de mim e dizer, com a pronuncia carregada destas gentes: segunda feira, quarta feira, sexta feira?;)

Sunday, May 04, 2008

uma vista das Fontainhas


Saturday, May 03, 2008

Um furacao portugues na India

VENI, VIDI, VICI, podera dizer TPL - ainda em transito para Portugal - da sua passagem (breve, mas imensamente proficua) por terras deste Estado que ja foi da India e agora e so de Goa! Em escassos dez dias, TPL alterou por completo dinamicas, cilindrou preconceitos e hesitacoes, fez sugestoes tao logicas como absurdamente inovadoras para uma terra onde as novas ideias sao olhadas com alguma desconfianca! Foi entrevistada, e nao hesitou em dizer - sem, contudo, deixar de luzir uma necessaria e diplomatica prudencia - o que achava destas paragens.

Resgatou o feitor destes prazos do seu cativeiro de Britona, e ele hoje pode constatar como e bom viver no coracao das Fontainhas, em plena cidade, perto de tudo, longe de horizontes curtos e pobres! Como experiencia (e apenas como tal), uma vivencia britonesa e ate recomendavel - mas sabendo-se que tem um fim (e sabendo quando esse mesmo fim chegara)! A certa altura, ou se cai na apatica indolencia da miseria local, perdido entre os fedores da terra e das gentes, esquecendo-se que aquele nao e um meio em nada salubre, ou se cria de Goa uma tenebrosa ideia! Ou seja, vida de manducar ja nem no seculo XIX se recomendava - quanto mais duas centurias volvidas!!

Goa ganhou novas cores com esta visita, que deixou simpaticas recordacoes e um novo alento! Esta tudo decaido (e decaindo), e certo; e a identidade de que tanto se fala e cada vez mais uma quimera evolando-se entre as brumas do saudosismo de uma realidade que talvez nunca tenha realmente existido. Goa e cada vez menos Goa, e cada vez mais India, tambem no que a India tem de pessimo e brutal - o que nao e bom, nem mau (como tantos se apressam em classificar). E apenas a ordem normal das coisas.
No entanto, ha ainda uma restia soalheira de palmares verdes ensombrando uma cadeira indo-portuguesa onde sabe bem sentar, encostando-se nas velhas almofadas de belos bordados um tanto desmaiados. Se tivermos a sorte de na mesinha de marchetados instalada ao lado da cadeira encontrarmos uma bebida bem fresca, ainda conseguimos abstrair-nos o suficiente, ao ler velhos papeis, e voar para a complexa, injusta, desigual - tudo o que quiserem - mas fascinante (como jamais esta terra voltara a ser) Oriental Lisboa!