Rosa Mendes, o "Equador" e velhos holandeses
Há uns dias atrás, Pedro Rosa Mendes publicou um texto no "Público" - ao qual a redacção do periódico em causa concedeu merecido destaque - sobre a actual situação em Timor-Leste. Ao longo da peça (que não é excessivamente longa, nem excessivamente detalhada), o repórter/escritor dissertou amargamente sobre a sua experiência naquele país, que considera um fim do mundo, onde qualquer réstia de esperança que orgulhosamente se erga é acto imediata destruída pela indigência política, cultural, mental, social, económica que por lá reina.
Desde há já alguns dias, a TVI (desculpa lá, A., não quero ofender a tua dama) anda a passar, com notável insistência, anúncios à sua nova mega-produção. Uma adaptação daquele mau romance de Sousa Tavares que todos já lemos - "Equador". "Equador" é, a meu ver, um pouco as "Pupilas do senhor Reitor" dos dias que correm. Escorreitozinho, inocentezinho, com muita lamechice. Assim como, para mim, o seu sucessor ("Rio de Flores") é uma nova "Família Inglesa" - fórmula idêntica, mas pior conseguido. Cada geração portuguesa - para o mal e para o bem - tem o seu Júlio Dinis.
Ora, tal como as obras de Gomes Coelho, "Equador" presta-se com facilidade à adaptação televisiva (note-se, não disse cinematográfica), dando pano para mangas para impressionar os leitores com os dramas pessoais dos intervenientes e apresentando cenários idílicos para fazer sonhar as gentes.
Nos anúncios da TVI, é uma constante a imagem de uma Índia oitocentista que corresponde bem ao ideal que os europeus, regra geral, têm daquele subcontinente e daquela época. Gente a viver numa espécie de palácio de marajá, rodeada de princesas indianas carregadas de jóias. Quando se assoma à janela, mais do que imundície e a pobreza da multidão, divisam-se elefantes e seus cornacas. Aliás, era uma ideia que a referida estação de televisão pretendera já passar com a sua telanovela "Fascínios" (embora esta se reportasse a uma época diferente).
Os portugueses - seja por ignorância, seja por má vontade, seja mesmo pela invejável capacidade de idealizar que todos temos, e que foi motor para que nos aventurassemos tão longe - gostam de imaginar assim os restos do "seu império": exóticos, ricos, fascinantes, felizes.
Contudo, a realidade muitas vezes se afasta desta fantasia: em Goa, tal como em Timor (e Timor durante tanto tempo dependeu, esquecido por Lisboa, de uma Goa já bem miserável), a pobreza é a palavra de ordem, a indigência é o motor, a falta de cultura é uma triste herança por nós deixada.
Se calhar, Rosa Mendes idealizou um Timor que nunca existiu.
No entanto, e por outro lado, quando leio estes textos desencantados, lamento o quão pouco conhecemos a nossa história. E lembro-me sempre que quando os holandeses, depois de a exaurirem, deixaram a região nordeste do Brasil, explicaram que era praticamente impossível a um povo europeu morar naquelas terras esquecidas de todos. Só um povo de semi-selvagens como os portugueses, argumentavam, aguentava.
Pois... e é disso que nos esquecemos. É que, semi-selvagens ou não, fomos nós que lá conseguimos estar, e que colaborámos (melhor ou pior, isso é discutível) para hoje essas paragens serem um destino conhecido a nível mundial.
Apesar da dificuldade das condições de vida, da adversidade de todas as paragens tão inóspitas onde decidimos assentar arraiais, lá ficámos. Talvez por não termos outra oportunidade, talvez por puro interesse, talvez por displicência... mas ficámos.
Não desistimos (pelo menos TOTALMENTE) quando tudo pareceu correr mal.
A Goa do século XIX é um bom exemplo disso.
Timor dos nossos dias também.
Será que os portugueses que para lá vão hoje, em vez de lutarem pelos seus ideais - neste caso, um Timor livre, próspero e feliz - devem fazer como os holandeses no Brasil: gastámos o que tinham já fizemos o nosso pé de meia, abalemos para paragens mais civilizadas! ? Fica a pergunta.