Às portas do ensino superior
Numa esplanada
conimbricense, durante a manhã de hoje, duas amigas tomam café enquanto
conversam por telefone com um colega. Acabam de saber que saíram as notas. Para
mal dos meus pecados – e de todos os que genuinamente gostam e trabalham nesta
área –, são claramente de humanidades.
- Puto, puto, vê lá
quanto tive. A história e a português.
(resposta)
- 11 a história e 12 a
português… Obrigada puto!
- Tiveste boas notas! –
dizia a amiga (enquanto eu deixava cair o queixo pensando exatamente o
contrário) – Pede para ver as minhas!
- Puto, vê as da Inês [nome
ficcional].
E voltando-se para a
outra:
- Tiveste 10 e 8.
- Ai, estive mal.
- Não estiveste nada!!
Dá para entrar, é o que interessa!
- Pede para ele ver
quem teve melhor nota.
- Puto, checka lá a melhor nota a história.
(resposta)
- Foi o Luís [este nome optei por manter! LOL]!
Não posso crer! Quanto é que ele teve?
(resposta)
- Catorze! O Luís teve catorze! É incrível! Como é que consegue?
- Ele é tão
inteligente!! – acrescentava a outra, pondo os olhos em alvo (enquanto eu
pensava: mas que bando de burros é este?)
De repente, a rapariga
do 8 lembrou-se:
- Pede-lhe para ver a
nota da Helena [nome não ficcional].
- Puto, vê a da Helena.
(resposta)
- A sério? Se calhar
faltou. Mas eu lembro-me de a ver lá…
Dirige-se então à
amiga:
- Diz que a Helena não
aparece.
- Que estranho! Eu
tenho a certeza que ela foi.
- Que queres? Ele não encontra
o nome…
- Mas será que ele viu
bem? Olha que Helena é com “h” (eu já tinha vontade de fugir, não fosse o café
que aí vinha e a perna em recuperação que precisava de permanecer esticada mais
uns minutos).
- Ah, é verdade! Puto,
puto, não te esqueças que o nome dela se escreve com “h”. Isso, pois… Não, não
é com “e”. Temos a certeza. Vê lá…
(resposta)
- Ah, teve também 14. O
mesmo que o Luís. Pois, já se calculava. Puto, e tu? Quanto tiveste?
(resposta)
- Ora, puto. Passaste,
é o que é preciso!
E pondo um ar
escandalizado:
- O quê? Tu vais ou
quê?? Tu és doido, puto! Repetir exames? Olha que me disseram que a segunda
chamada é muito mais difícil. E que não podes concorrer agora se fores fazer os
exames de segunda chamada.
(resposta)
- Quem me disse? Sei
lá, já não me lembro… Não, não foi na televisão. Puto, isso não interessa. Tens
é de te deixar dessas ideias! Segunda chamada? Para quê? Vive a vida!
(resposta)
- Puto, tu é que sabes.
Olha, diz-me, e como é que é agora? Tenho de entregar os papéis onde?
(resposta)
- Ah, é só até dia 20?...
Sim, na escola? Boa, puto, obrigada. Sim, vou lá mesmo no dia 20. Ná, não há
mal ir no último dia, antes é que parecia iria parecer uma desesperada, puto.
Bom, puto, fica bem.
Depois de desligar,
dedica toda a atenção à amiga, ainda a digerir as classificações magníficas que
obtivera.
- Não preocupes! Vais
entrar!
- Mas entrar em quê?
Com a minha média… não dá para nada do que queria!
- Ora, o que conta é
entrar. Depois é divertir-te com as praxes! Eles fazem coisas horríveis às caloiras (aduz com ar entusiasmado).
A companheira solta
risadinhas e gritinhos.
- A
sérioooooooooooooo??!! Ai, que loucura! Mas ainda não sei a que concorrer…
- Deixa-te disso!
Concorres a qualquer coisa. Sei lá, turismo!
- Mas eu não sei nada
de turismo. Nem sei se gosto…
- O que interessa é
entrar. Depois, seja o que for!
Casquinada da amiga, já
animada.
- Pois é! Tens mesmo
razão.
NOTA FINAL: se daqui a
uns anos estas meninas vierem manifestar-se para a rua e captarem a atenção dos
meios de comunicação social acusando o Estado e todos nós de lhes “desfazermos
os sonhos e a vida” e de as “obrigarmos a emigrar” como sucedeu com os “cérebros”
da nação, deveremos sentir muita solidariedade para com a sua causa? Eu
confesso hesitar.