Sunday, February 10, 2013

FERIADOS


Hoje de manhã, em virtude de um princípio de enxaqueca irritante que se comprazia em torturar-me a cabeça, e no seguimento dos “primeiros socorros” para o atalhar – almogran, café, pão seco e uma boa dose de ar fresco – fui dar uma volta enquanto a maleita diminuía de intensidade para eu poder voltar a concentrar-me no trabalho que me esperava na escrivaninha.
No regresso do café, debaixo de uma chuva miudinha que até me estava a saber bem (de alguma forma, contribuía para “arrefecer” a cefaleia), atalhei por um jardim público ao longo do qual se desenrola uma longa pista de corrida a que os meus conterrâneos dão imenso uso, demonstrando o quão úteis podem ser equipamentos urbanos deste jaez. No entanto, como era domingo, e domingo de manhã, e manhã nublada e tristonha, apenas um casal percorria – numa marcha muito lenta ou em passo ligeiramente acelerado, conforme preferirem – a pista. Envergando ambos horrorosas parkas de plástico (a dele, de um sóbrio azul; a dela, de um cor-de-rosa eletrizante), que os resguardavam dos esparsos pingos que caíam do céu escuro, vinham entretidos em animada conversa. Por sermos os únicos àquela hora no parque, por a minha passada regular (que é estugada, admito) ser quase igual à marcha lenta da parelha em questão, e, talvez, por eu ser demasiado curioso, não deixei de ouvir um pouco do insano diálogo que travavam:
(…)
- E é inadmissível não darem em todo o país um feriado tão bonito… (“estão a falar do carnaval”, pensei).
- É … efetivamente (o recurso um tanto forçado e atabalhoado a alguns termos nada coloquiais parecia indiciar que a relação entre os “corredores” se aproximava mais da de colegas de trabalho – o sr. Sousa da contabilidade e a D. Lídia da secretaria, ou qualquer coisa do género – do que de amigos de longa data; se bem que também se pudesse tratar de um caso de início de “flirt”, em que cada um pretendesse deslumbrar o outro graças ao recurso a um léxico alegadamente erudito… mas quem é que “flirta” em calças de treino e parka de plástico com capucho, ao longo de uma pista de corrida?!?) vale a pena ver todos a viverem o feriado…
- Até as crianças da escola, os adultos, os velhinhos nos lares! A propósito, viu a marcha dos meninos na 6ª?
- Olhe, vi, coisa bem linda! Não sei porque é que nos tiram isto… tiram-nos tudo!
- A culpa é das câmaras (“já tardava!”, suspirei, ao ouvir isto). Se “eles” (assim mesmo, género máfia russa ou tríade de Macau) nos dessem o dia é que era… e não era só algumas câmaras, eram todas!
- É que é uma data que toda a gente celebra – argumentava ele – quase como no Natal, até mais do que a Páscoa. O português, na terça-feira de carnaval, sai de casa, diverte-se…
- E há tanta tradição… - ajudava ela, que gostava de dar ares de culta – Faça sol ou faça chuva, há corsos, há marchas, há animação!
- E tudo na rua, nada em casa! – anuía o companheiro (o que, confesso, me deixou um bocado baralhado, pois existem sempre várias festas particulares nesta época, mas se calhar o par em questão não sabia disso… De qualquer forma, creio que este argumento invocando o caráter “público”, se assim o podemos dizer, da época tinha sobretudo como propósito enaltecê-la em comparação com as festividades natalícias e pascais, as quais seriam, pelo contrário, mais recônditas e centradas na família).
- Deviam era tirar os outros feriados, e manter este! – espingardava, debaixo da parka rosada, a senhora – Os outros, há uns dos quais ninguém quer saber! Olhe o 5 de outubro!
- É verdade, é verdade – concordava ele, de forma intensa – se as câmaras não nos mandassem estar lá todos (??!!) e se a televisão não filmasse a cerimónia em Lisboa, ninguém ligava! Era um dia como os outros! (e dava mais um puxão ao capucho, que a todo o momento teimava em descair)
- É que não tem sentido, termos de ver aquilo na televisão…
- E olhe – juntava ele, agora querendo exibir a sua vasta ciência livresca – eu agora até ando a ler um livro sobre (ligeira hesitação)… sobre a carbonária. E digo-lhe que ler o que aquela gente fez e comemorar o 5 de outubro… não sei, não sei o que lhe diga. Não me parece certo…
Nisto, ela assustou-se um pouco, talvez receando estar ao lado de algum exaltado realista que ocultasse sob a capa barata uma t-shirt do PPM ou da Causa Real, e cortou:
- Bom, isto não tem nada a ver com as convicções monárquicas de cada um …. Pode-se ser ou não, cada qual sabe de si…
Ele, apercebendo-se do deslize, apressou-se a concordar:
- Claro, claro… e olhe que eu não digo para não haver comemorações… até pode haver, na câmara… mas feriado é que acho que não! É que são coisas diferentes…
- Tem toda a razão. Assim uma cerimónia pequenina na câmara, e já estava.
O companheiro, certamente desejoso por descalçar a bota já incómoda da suspeição anti carbonária (logo anti república), atacou um feriado mais antigo (na verdade, forçoso é admitir que, à luz de uma lógica bastante simplista, foi uma boa resolução: “dou agora um pontapé noutro grupo para me desculpar do murro à carbonária”):
- Outro é o primeiro de dezembro! Para que serve aquilo?                                    
E ela, rápida:
- Concordo consigo! Se for aí pela rua, e perguntar a quem passa, 80% por cento das pessoas não sabem o que se comemora no 1º de dezembro!
(e, como a resposta tardasse, prosseguiu)
- Eu por acaso sei que é o dia de Nossa Senhora (!!! sic, certamente por confusão com a festividade da Conceição, a 8 do mesmo mês), mas quem é que mais sabe!
Ao que ele, certamente para não parecer ignorante (que diabo, até estava a ler um livro sobre a carbonária!) aduziu:
- Pois é! Era o dia da mãe! Lembro-me tão bem… dia da mãe, dia 1 de dezembro!...
- É isso mesmo! E alguém sabe porque é que o mudaram lá para maio? Não ninguém sabe, ninguém nos diz!
- Tem toda a razão! E isto só prova que nos deviam dar feriado na terça-feira!
- Lá está! Ainda por cima, uma festa de cultura, com tanta tradição!
- Tanta!
- E em todo o mundo!! Em todo o mundo!!!
- Err… eu por acaso não sei se na China há carnaval… Há?
- …
Nesta altura, caros leitores destes Prazos, já eu estava muito longe para escutar a réplica. O que vos parece? Teria sido a resposta positiva ou negativa? ;)


2 Comments:

At 2:02 AM, Blogger Maggie said...

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At 2:03 AM, Blogger Maggie said...


Tenho a dizer que por estes lados vive-se muito o Carnaval e as pessoas quando lhes é dado a escolher que dia preferem ter de tolerância, se o Natal ou se o Carnaval a grande maioria responde o Carnaval, mas não é por não viverem o Natal (até porque é mais uma desculpa para festejar, comer, beber e socializar...), simplesmente no Natal muitos estão de férias...
Agora, acho estranho que por Coimbra debatam sobre o Carnaval e a importância de ser feriado com tanta convicção, já que pouco ou nada se festeja por esses lados... existem algumas festinhas temáticas em discotecas e festas particulares (as do n.17 eram bem giras) mas fora isso pouco se vive o Carnaval... por aqui começam as festividades na 5ª feira com os bailinhos de Carnaval, e vês muita gente mascarada ou com algum apetrecho carnavalesco, tenham 6 ou 60 anos de idade...e continuam em festa até 3ª feira à noite.
Por cá o Carnaval é bem vivido e por isso muitos vão ter tolerância, porque feriado,... acho que nunca foi, ou estou equivocada?

 

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