FEIRAS
Em
época não só de crise (o que leva o cidadão comum a procurar soluções e espaços
alternativos, no sentido de mais
económicos, onde adquirir os bens a cujo consumo já se acostumou) mas também de
um certo culto de alguma “memorabilia vintage” bastante escolhida, ouço cada
vez mais falar de feiras e mercados de rua. Não me refiro somente aos
vocacionados para a venda de couves, rabanetes e outras coisas comestíveis do
género (a esses estou acostumado: o meu Pai sempre foi um devotado frequentador
do mercado municipal de Coimbra, e em casa do meu Tio ZN – que acabam por ser,
afinal, os locais familiares por onde mais paro – sempre se falou com toda a
naturalidade dos vendedores paquistaneses do seu congénere de Alvalade), nem
das mega-feiras do género da da Golegã, ou da de Santarém (durante as quais sei
que os meus alunos originários de qualquer uma destas localidades tendem a
descurar muito a sua assiduidade nas aulas), mas de todas as feirinhas de
pendor urbano que surgem em qualquer esquina (não vejam nestas considerações a
crítica que elas não comportam), ou, mesmo, a miríade de feiras temáticas que,
de norte ao sul do país, se vão organizando ao longo do ano.
Ora,
no que diz respeito a feiras, eu mantenho uma atitude que considero
simultaneamente prática e prudente. Por um lado, prudente, pois (cautelosamente,
lá está!) esforço-me por, salvo casos excecionais, ao visitar uma nova feira,
partir com as expetativas mais baixas possível. A proliferação das ditas não é
sempre acompanhada por uma aposta na sua qualidade, e muitas há que constituem
verdadeiras deceções. Por assim ser, se entrar a esperar pouco, pode ser que
tenha a sorte de ficar favoravelmente impressionado! De qualquer forma, e mesmo
que tal não suceda, fica um patamar mínimo garantido: vim cá sem grandes
ilusões, daqui saio tal como entrei!
Por
outro lado, gosto de acreditar que adoto uma postura pragmática (ou redutora,
dizem algumas vozes!). Há, para mim, três tipos de feiras: as NÃO, as SIM e as
NIM.
As
NÃO, está bom de ver, são aquelas das quais, à partida, sei que vou gostar
pouco, ou mesmo nada. Em regra, porque têm tendência a provocar-me bocejos de
aborrecimento ou porque sou tão ignorante nos produtos que vendem que estar lá
ou não é praticamente a mesma coisa. Nesta categoria entram, desde logo, os mercados
de peixe – e, a bem de verdade, as feiras de produtos comestíveis em geral. É
certo que há algumas de que gosto verdadeiramente: aprecio uma feira de
chocolates, gosto de mercados de enchidos e até acho alguma graça a mostras de
doçaria. Mas, senhores, aquelas feiras em que se exibem dezenas e dezenas de
espécies de peixe que parecem todos iguais (sim, eu assumo achar DIFÍCIL
distinguir os malditos peixes na banca, por muito que isso provoque a ira
paterna, que considera ser essa uma prova de iliteracia gastronómica
imperdoável!), ou catorze tipos de repolho e doze de grelos não são lugar para
mim! Ou as feiras de vinhos! Eu, nessa matéria, sou muito orientado, e sei
claramente o tipo de vinhos de que gosto, os anos e os produtores (para mim,
ainda nada bate o Duas Quintas de 96). No entanto, quando toca a comparar bouquets e analisar frutados, sou –
admito, sem peias – bastante inepto! “Sente
o aroma de carvalho velho?”, podem perguntar-me. Eu (tentando perceber a
resposta pelo tom de voz ou pela expressão do interlocutor) posso até garantir
que mim, mas não passa de uma mentira piedosa. “Mentiras por bem e amor agradam
a Nosso Senhor”, segundo explicava a minha Avó. Por isso, não me sinto
especialmente culpado por estas pequenas faltas! Outro caso típico são os
mercados de marisco. O marisco e eu temos uma relação complicada, porque absolutamente
indiferente. Na verdade, pode-se até dizer que não há relação. Quando as
pessoas me perguntam qual é o meu marisco preferido, eu respondo “Lagosta. Já sei que me vai dizer que é
muito seco, mas é mesmo por isso que gosto. E também aprecio as cracas da
Terceira, uma vez por ano. De resto, não me parece necessário andar a palmilhar
bancas malcheirosas. E confesso que, mesmo no que diz respeito à lagosta, o meu
voto vai mesmo para a lagosta fingida” (um pudim frio de pescada e tomate,
que se faz cá em casa e de que eu gosto IMENSO!!). Não é que não goste de
marisco… apenas me esqueço que existe. Há muito boa gente que brada precisar de
comer marisco uma vez por mês, ou qualquer coisa do género. Eu creio que posso
estar sem sequer o ver a vida inteira (e eu adoro praia e o mar, pelo que isso
é difícil) e nem me lembrar da sua existência.
Outras
das feiras NÃO são aquelas terríveis mostras de roupa (seja ela étnica – se bem
que ache graça à de Anjuna, em Goa – ou mais barata, etc) em que tendas e
tendas parecem vender milhares de peças todas terrivelmente parecidas umas com
as outras, ou, ainda, as feiras de material de bricolage. Nestas últimas, eu
olho para aquelas ferramentas, as ditas olham para mim, concluímos que jamais
nos compreenderemos verdadeiramente, e cada um parte feliz e sem remorsos para
seu lado.
Depois,
temos as feiras NIM. Estas, que constituem (felizmente!) a maioria, são um campo
aberto, um desafio a seguir. Parte-se sem saber o que se vai encontrar, e
espera-se pelo menos achar algo que desperte o nosso interesse. Por vezes, as
expetativas saem totalmente frustradas, noutras até acaba por se achar alguma
graça àquilo.
Finalmente,
as SIM. Estas são, então, as feiras de que sei que, à partida, vou gostar. E,
para mim, há dois grandes tipos deste género: as feiras e mostras de velharias
e antiguidades e as feiras do livro. Ah! E – eis talvez um toque de algum “exotismo
beirão” – qualquer feira onde se possam comer boas febras no pão (a dos Santos,
em Mangualde, é das melhor pontuadas neste ranking).
A
mim, relaxa-me sempre uma boa feira de velharias! Ou mesmo uma loja repleta de
peças de melhor qualidade. Pode ser um amontoado de tralha velha e inútil, mas
desperta sempre em mim uma trindade de instintos: o prazer de investigar por
entre aquelas pilhas de bricabraque e falsas velharias, na mira de encontrar
algo de jeito (e o bem que me sabe quando me deparo com uma peça que me
interesse!); o prazer de negociar e regatear (eu admito que gosto de o fazer, e
sou bastante chato, pois posso estar a pechinchar uma coisa qualquer, desde que
antiga, que me chame a atenção, durante meses, ou mesmo anos – sou a praga de
qualquer vendedor); e o gosto de comparar. O mundo das antiguidades é, digam o
que disserem, um mundo de padrões, e só se aprofunda o nosso know-how na matéria vendo muito,
comparando muito e (no meu caso) desenhando repetidamente os pormenores. É tudo
uma questão de detalhes, de toques, de repetições, de – no fundo – treinar muito
“o olho”. Claro que isso por vezes me traz dissabores: continuo a achar que um dos
momentos mais bizarros da minha vida foi quando fui (literalmente!) expulso de
um antiquário em S. Bento por o dono da loja estar plenamente convencido de que
eu era um “olheiro” dos Cabral de Moncada Leiloeiros. Eu bem expliquei ao
homenzinho que, apesar de também me chamar Cabral, não tinha NADA a ver com os
Moncadas. Mas ele mostrou-se irredutível. Enfim… também ninguém me mandou
dizer-lhe que, umas portas acima, havia um armário indo-português quase
idêntico a um que ele tinha na loja, mas por 2/3 do preço que pedia. E que não
era ele quem pedia o valor acertado. E também é certo que, na semana seguinte,
ia eu a subir a rua, o homenzinho saiu disparado da loja apresentando-me as
mais compungidas desculpas. As justificações apresentadas foram aceites, mas na
verdade nunca mais voltei a pôr os pés naquela loja. Outro dos momentos
estranhos nos périplos de Luís pelo mundo das antiguidades foi quando me
deparei, numa montra conimbricense, com uma pilha de fotos antigas da minha
família à venda. A loja estava fechada, mas telefonei, a espumar de fúria ao
dono. A resposta ainda me transtornou mais “As
grandes são a 40 euros, as médias a 20, as pequeninas a 15. Também tenho vária
documentação. Os preços são altos porque é uma família ilustre da cidade, os PL”.
Não interessam os detalhes, mas a verdade é que assustei o senhor: uns dias
depois, o mesmo depositava toda aquela papelada e fotos nas minhas mãos, a
custo zero (bom, houve uma que tive de pagar, porque a imbecil da mulher do
dono “gostava muito dela”).
Restam,
assim, as feiras do livro. Quão repousantes e proveitosas podem ser, sobretudo
agora, quando temos de contar os tostões! A par dos alfarrabistas (um dia
destes também lhes dedico um post), são, não raro, a solução possível nestes
tempos de vacas magras e carteiras escalavradas. Sejam velhos ou novos, por
abrir ou usados, em português ou noutros idiomas, ajudam sempre a recuperar
energias e a multiplicar ideias – sendo que, umas e outras, como é bem sabido, nunca
são demais! ;-)
1 Comments:
as de velharias não sei, mas a de Mangualde foi este fim de semana! como perdeste essa oportunidade de visita? :P
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