LIVROS
Para
muitos de nós (ou, na ótica dos mais fatalistas, que, contrariamente ao que
penso, defendem que 2/3 do mundo são compostos por pessoas desinteressantes – e
partindo, com alguma petulância, do princípio de que não faço parte dessa larga
fatia da sociedade – para alguns de nós), há coisas relativamente às quais
quase pode dizer “nasci a gostar disto”, ou “nasci a gostar de fazer aquilo”.
Claro está que tal é impossível, e que estas predisposições genéticas, ou como
lhes quiserem chamar, dependem muitíssimo do contexto em que surgimos e nos
desenvolvemos, das influências que vamos tendo ao longo da vida, da ousadia em
testarmos os nossos limites, and so long…
Pois
bem, no meu caso, creio que não errarei muito se disser que “nasci a gostar”
(ou, de outra forma, que “não me lembro sequer de não gostar muito de”) de três
coisas: de história, de desenhar e de livros. Daqui, creio que decorre muito do
resto que me define como Luís. Claro está que foi uma trindade desastrada, esta
que me calhou em rifa. Eu, se, naturalmente, não abdico de nenhum destes
predicados, admito, no entanto, que algumas vezes desejei que, aos três (como
bom Mathias, não vou abrir mão de qualquer um, desde logo porque me iria sentir
“coxo”!) se juntasse um ou outro mais popular. Por que diabo não sei eu jogar
futebol e sou tão aselha mesmo para o único desporto que pratico com entusiasmo
(o ténis)?!? Isso é terrível para quem não suporta perder, como é o meu caso
(embora seja altamente saudável para umas “liçõezinhas de humildade” de que não
raro careço!). E por que sou tão duro de ouvido, que nem uma porcaria de uns
acordes numa guitarra consigo acertar? Teria dado muito jeito, nos meus
longínquos 15, 16 e 17 anos (altura em que desenhar bem, escrever não muito mal
e saber identificar mais facilmente estilos de cadeiras do século XVIII do que
jogadores do futebol não é, a curto prazo, assaz prometedor! LOL).
Tudo
isto para dizer, afinal, que gosto de livros – mais, que gosto MUITO de livros.
Mesmo que isso fosse quase inevitável: cá em casa, os livros erguem-se por
todos os cantos, em torres, muralhas e ameias, formando castelos que assustam
os menos preparados. O cenário repete-se nas casas de vários dos meus tios, e o
mesmo se passava na dos meus Avós. Uma irmã do meu Avô tinha tão poucos livros
que se viu obrigada a afetar três salas da sua casa a biblioteca doméstica, e
eu recordo-me de, em dada altura, a mesa da sala de jantar estar inutilizada
por se achar coberta por livros. Portanto, praticamente se poderia dizer: como
nada podias fazer contra eles, juntaste-te a eles! Ora, esta livralhada que permanentemente
me rodeia, e no meio da qual me sinto especialmente confortável, também sempre
primou pela heterogeneidade. O meu Avô era professor de Agronomia, a minha Avó
de Literatura. A minha Mãe é matemática, o meu Pai de Letras, a minha mana de
Biologia e os meus nove tios direitos seguiram todos áreas diferentes uns dos
outros. E eu sou de Direito. Por isso, estou acostumado a ver livros de álgebra
à mistura com trabalhos sobre jornalismo, romances mesclados com monografias
históricas, cartapácios jurídicos a par de estudos sobre o fitoplâncton, teses
sobre culturas tropicais e milho híbrido emparelhadas com histórias da
literatura francesa, calhamaços latinos encostados a bandas desenhadas (para
quem gosta de livros e de desenhar, a BD é uma escolha natural) e ensaios pios.
Ah! E a bibliografia gastronómica que o meu progenitor acumula paredes meias
com delicados volumes de poesia. A minha irmã costuma dizer – com a graça
cáustica que herdou da nossa Avó materna – que ainda hoje tem dificuldade em
perceber porque é que, num dia em que estava à procura de um código qualquer na
secretária da Teófilo, que eu lhe tinha pedido para trazer, encontrou apenas
uma monografia sobre “Os privilégios do cabido da sé patriarcal de Lisboa”. O
problema, argumentava, não era haver um livro sobre o tema (ela, com um background igual ao meu, está acostumada
a encontrar volumes sobre os assuntos mais díspares), mas qual o motivo que me
levara a consultá-lo. Claro que eu lhe expliquei ser um estudo
interessantíssimo, que me tinha dado imenso jeito para escrever uma nota
biográfica sobre um velho tio que fora cónego da patriarcal e deputado (estava
a Mª Filomena Mónica a ultimar o seu trabalho sobre os deputados
oitocentistas). Ela limitou-se a dizer “sem comentários”!
Na
verdade, o facto de se estar acostumado a viver rodeado de tão vasta e
desirmanada livralhada pode ter aspetos muito positivos. Por um lado,
percebemos que não há campos estanques de saber. Por outro, que os nossos
conhecimentos, por muito que os procuremos aumentar, têm sempre largas
pradarias por onde crescer (e que há sempre gente que vai bem mais avançada
nesses périplos, como, felizmente, os meus tios nunca me deixaram esquecer!).
Por fim, que os livros são ótimos auxiliares durante toda a vida, quaisquer que
sejam os nossos estados de espírito. Comigo, pelo menos, é assim. Como toda a
gente, há dias (ou partes do dia) em que estou super bem-disposto e radiante, e
outros em que acordo com um humor tenebrosamente péssimo. Alturas em que estou
angustiado (e não consigo pregar olho), outras em que tudo me sorri. Épocas em
que me sinto mais nostálgico e períodos em que quero experimentar coisas novas.
Em qualquer um desses casos, há sempre um livro adequado. Pode ser um volume
que ainda não conheça, pode ser uma obra muitas vezes revisitada. Não tem, de
forma alguma, de ser um romance. Eu relaxo verdadeiramente (acreditem, não é
pose – aliás, quem se poderia orgulhar de uma coisa tão estúpida?!?) a folhear
volumes de enciclopédias (a Portuguesa e Brasileira é a minha preferida), lendo
entradas aleatoriamente. Ou a ler cartapácios genealógicos, de forma a seguir
aqueles puzzles. Ou relações de bens e (o que me acalma especialmente, por
muito bizarro que pareça) livros notariais com assentos de testamentos dos
séculos XVIII e XIX. Insólito? Indubitavelmente! No entanto, como não sou um
“intelectual” (enfim, nem sei se o sou, uso o termo como designação de alguém
cujo trabalho é ler, estudar e dar aulas) nada tradicional, leio um pouco de
tudo. Sou, na verdade, como dizia sobre si mesmo um professor da FEUC, bastante
omnívoro em matéria literária. Depende, repito, é do estado de espírito. Quando
me sinto particularmente cansado e com muito trabalho pela frente, há álbuns do
Tintim que são leitura quase obrigatória e quotidiana. Quando me tenho de
concentrar num tema e não me posso perder em romances, releio quase sempre as
novelas de Camilo – e choro, choro, choro a rir com elas! O mesmo se passa com
“Alice no País das Maravilhas”. Eu não consigo explicar porquê: mas consegue
fazer-me soltar gargalhadas solitárias nos momentos de maior breu. Há passagens
em que sorrio instantaneamente só de pensar nelas. Insónias? Júlio Dinis! E
depois de analisar uma pilha de processos judiciais oitocentistas? Ficção
científica, uma “coboiada” ou, mesmo, literatura juvenil dos anos 60 e 70.
Resultado infalível: o stress
processual esvai-se, e fica-se pronto para mais um molho de pendências! ;-) Se
me apetece (e ainda não conheço), não vou por autores e modas: leio, e já está.
Espero jamais deixar de ler alguma coisa por “não ser adequado”, “ser demasiado
popular”, “ser demasiado erudito”. Sim, eu sou o tipo estranho que, depois de
ler uma BD hesita se deve continuar “atacando” um estudo sobre a talha dourada
no norte de Portugal ou uma análise sobre o periodismo jurídico em Braga. Ah!,
nunca pondo de lado a hipótese de passar os olhos por "pérolas" como as memórias
de Rita Ferro (bem melhores do que eu imaginava, já agora; mas ainda a anos-luz
das de sua avó!).
Por
isso, hoje, que acordei com mau humor, fiquei um bocado irritado quando
constatei que o meu Pai, imbuído da melhor vontade, tentara “encaixar”, na medida do
possível, a nova coleção de biografias das rainhas de Portugal (os volumes que
já li estão bem maus, ao contrário dos dos reis, já agora!) numa prateleira da
estante grande da sala – e, com isso, remetera para a segunda fila os policiais
da Agatha Christie. Resmunguei logo com o progenitor, que me replicou
imediatamente para que é que eu queria as A. C. tão à mão. “Quem é que lê isto?”, perguntava. Tive de o relembrar que as leio
eu, e com muita frequência. Nesta altura de maior “atividade cerebral”, os
dramas e os crimes em ambientes ainda a rescender aos restos vitorianos do
império britânico são uma leitura muito adequada, a meu ver. E nada é melhor,
antes de adormecer, do que “navegar” um pouco até à rica e aristocrática
Chimneys e, conjuntamente com Anthony, a cáustica Bundle (Lady Eileen, ok, ok)
Brent, filha do dono da casa, e a determinada e (imagino eu) mais gira Virginia
Revel, procurar saber mais sobre a Herzolosváquia! ;-) Ou fazer percurso
idêntico, mas já sem recorrer ao original de A. C.: há uns anos, Riviére e
Suhner realizaram uma excelente adaptação para BD! ;-)
1 Comments:
Não podia estar mais de acordo!
Como uma famosa personagem de serie televisiva diria (ainda que no caso dela, acerca de sapatos...um outro poço sem fundo!):
“I like my money right where I can see it — standing in my shelf"!
bjs
JMaia
Post a Comment
<< Home