Gravatas
Hoje participei num
congresso na Faculdade e, por isso, vesti-me (para não me esquecer totalmente
como é) “à professor de direito” – isto é, a como, no imaginário do português
comum, se deve enfarpelar um jurista: usei um fato. No entanto, deixei a
gravata de lado.
Ao entrar para a sessão
na qual devia intervir, uma pessoa cuja opinião prezo, perguntou-me, de forma fortuita
(acho eu, que não estava à espera de tal questão), ao ver-me de botões da
camisa desabotoados:
- Então, não trazes
gravata?
Na altura, vários
motivos levaram a que tenha dado uma resposta rápida e atabalhoada: a sessão
estava a começar, a enxaqueca começava a martelar-me fortemente os neurónios,
estava preocupado (como é natural) com o sucesso da minha “charla”. Enrolei
meia dúzia de palavras, e matei o tema ali.
No entanto, ao voltar a
pé para casa (é a vantagem do centro de Lisboa: tudo se faz maravilhosamente
bem a pé, ainda que de fato), já mais aliviado da enxaqueca (abençoado almogran e quem o inventou!) e com a
comunicação despachada, restabelecido com uma cafézada saldanhesca, voltei a
pensar no assunto.
Porque é que não usei
(ou quase nunca uso) gravata? Na verdade – confesso! – eu LEVAVA uma gravata,
para o caso de tal ser absolutamente indispensável, bem arrumada na pasta do
pc. Mas não contava recorrer à dita a não ser em caso de “estado de necessidade”.
Pois bem… efetivamente
(não obstante a resposta esfarrapada que dei na altura, mercê de todas aquelas contingências),
e apesar de não ter nada de visceral contra gravatas (gosto de inovar os nós e
tudo) nem fatos, não me dá jeito usar nem um, nem outro! Eu explico-me melhor,
recorrendo a uma trindade de motivos:
Por um lado, eu sou um
rapaz que, sobretudo, anda. Quando posso, vou a pé a todo o lado, e gosto muito
de o fazer (também ajuda não ser o melhor condutor do universo…). É a andar que
me ocorrem as melhores ideias para artigos e rabiscos, é a andar que vou vendo
o que se passa em meu redor (gosto particularmente de tomar atenção aos
detalhes), é a andar que consigo manter as minhas rotinas: tomar café no mesmo
sítio, comprar o jornal no quiosque de sempre, etc. Ora, experimentem andar de
fato. Não é forçosamente mau, mas dá muito menos jeito do que com um par de
sapatilhas.
Por outro lado, eu sou
um rapaz que – por muito que o tente evitar – anda sempre carregado de tralha.
Ou é a pasta com os cadernos das aulas e os relatórios dos alunos (daquelas
para pôr a tiracolo, que NÃO ficam bem com fato), ou a mochila com o pc e os
papéis da tese, ou a raquete, tudo sempre à mistura com livros e papelada
vária, somando vários quilos que vou alegre e já indiferentemente transportando
comigo ao longo das minhas caminhadas diárias.
Por fim, eu sou um
rapaz que gosta de bibliotecas, alfarrabistas e papéis velhos. Ah! E de
antiquários. E não resisto a entrar e vasculhar bem vasculhado qualquer um com
que me depare ao longo – lá está – das minhas peregrinações pedestres. Mais
ainda: como gosto muito de desenhar, ando geralmente de moleskine no bolso, para rabiscar o que parecer mais interessante,
quer seja altar barroco, casa moderna, perna de cadeira ou turista de passagem.
Experimentem fazer isto de fato e gravata… eu sei, ficaria mesmo ridículo.
Assim, acho que, umas
tantas horas depois, cheguei a uma resposta minimamente satisfatória. Eu não
uso gravata – nem fato, nem sapatos brilhantes – quotidianamente pura e simplesmente
porque tal seria tão desfasado com as minhas rotinas como andar vestido de
cabaia (a paixão por Goa levar-me-ia a tais extremos?) ou langotim pelas ruas
de Lisboa, ou de fato de treino Coimbra fora. Não uso por não gostar, mas
apenas porque não funciona comigo, com a minha maneira de viver. Mal cheguei a
casa, desenovelei a gravata e tirei o fato. Vesti-me “à Luís”, e foi com prazer
que revi as minhas velhas e surradas sapatilhas. E lembro-me sempre de um
episódio de um dos romances da minha Avó: não é por nos vestirmos de preto ou
vermelho que sentimos mais falta (ou fazemos um luto mais efetivo) de alguém.
Continuamos a ser os mesmos. Portanto, o Luís vestido “à Luís” é o mesmo
professor de direito, amante de história e de Goa, que gosta de rabiscar, fazer
genealogias e tomar café no Saldanha, ir treinar ténis duas vezes por semana e,
por vezes, muito raramente, se dissimula atrás da aparentemente séria armadura
de um fato, com ou sem gravata.
2 Comments:
Gostei primo, ainda bem que chegaste a essa resposta:)
Mais vale ser Luís sem gravata do que Luís disfarçado atrás da gravata, certo, prima? ;)
E como correm as coisas por aí? Os negócios multimilionários do nutricionismo continuam de vento em popa? :)
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