Monday, October 15, 2012

O FALSO INGÉNUO E O VELHO REPULSIVO


Gosto muito de dar aulas (o que é uma imensíssima sorte, atendendo a que sou prof) e divirto-me verdadeiramente com algumas das minhas turmas, sendo que, neste aspeto, os meus “caloiros” de IAP (Introdução à Administração Pública) não me costumam dececionar. Em todas as aulas de IAP – abençoado acordo de Bolonha, que tão interessantes perspetivas veio abrir! – há uma parte (sempre mais magra do que o potencial de temas que se querem discutir) em que se abordam vários temas da atualidade, desde que, naturalmente, relacionados com a nossa Administração. Ora, como a dita é fértil em polémicas, temos pano para mangas. Em regra, o prof. (ie, eu) manda os alunos trabalhar em grupo, fora do tempo letivo, sobre um determinado assunto – com base numa notícia de jornal, num trabalho de campo, num pequeno inquérito, no capítulo de um livro –, pensar crítica e sustentadamente sobre o mesmo e, depois, na aula, nuns escassos 3 minutos, apresentar as conclusões a que chegou. Os resultados oscilam entre a monótona banalidade e as mais interessantes considerações, sendo que, felizmente, até ao presente, são estas quem tem dominado. Nos dias em que tudo corre de feição – ou seja, quando os alunos cumprem a sua parte em condições – está mais ou menos acordado (é um acordo de cavalheiros, na verdade, ou, talvez, um uso, se quisermos falar em termos mais jurídicos, adequados ao tom empregado nas aulas) que estes também usufruem da oportunidade de colocar um tema para discussão ao prof. É um tiro no escuro para mim, admito, mas a vida é mais divertida quando se correm estes riscos inofensivos.

Pois bem, como hoje os alunos se desenvencilharam bastante bem dos temas que tinham para analisar (“A gestão da informação médica relativa ao dengue na Madeira pode ser considerada reflexo de uma política de administração pública?” e “Como enquadrar a previsível derrota de Berta Cabral nas medidas que vêm sendo tomadas pelo presente governo? Pode um pacote de medidas duras em termo de administração condicionar uma eleição? Isso é positivo ou negativo?” – não se esqueçam que eles estão no 1º ano!), tiveram direito a colocar uma questão. A temática escolhida desta vez começou por me surpreender:

- Professor, como se escolhe o júri nos EUA?

Graças a Deus, há meia dúzia de semanas, em casa dos pais de um amigo meu, uma conhecida daquela família, que tem dupla nacionalidade (portuguesa e norte-americana), tinha-me explicado, em termos gerais, o processo bem interessante – e não tão linear como, até então, eu imaginava – da escolha de um júri. Por assim ser, e como não tenho má memória, acho que me consegui eximir razoavelmente do ónus de elucidar as minhas “crianças” (que de crianças nada têm, pois os mais novos já contam 18 anos). As reações foram, para minha surpresa, de algum alívio. Um chegou mesmo a dizer:

- Ah! Afinal, é muito mais sério do que eu imaginava. Eu pensava que eles iam recolhendo pelas ruas pessoas, e escolhiam quem não estava a trabalhar. Vagabundos, e assim! (!!!!)

Porém, ultrapassado o esclarecimento, uma dúvida persistia, martelando com vigor:

- Mas porque é que vocês estão tão interessados no júri dos EUA?

A resposta soou célere e em uníssono:

- Professor, por causa do Renato Seabra!

Cada vez percebia menos, pelo que continuei:

- O que é que vos deu para se lembrarem do Renato Seabra agora?

Todas as caras que me enfrentavam se cobriram de espanto e estupefação:

- O professor NÃO VIU a reportagem de ontem?

Tive de admitir que não.

- Afinal ele é um assassino! Afinal, ele andava com o velho. Afinal, ele inventou tudo – atropelavam-se, em jeito de resposta.

Antes de continuar com a descrição da aula, há que, neste passo, abrir um parêntesis necessário: à hora do almoço, fui ver a tal peça (da TVI, descobri depois…), e cheguei à conclusão de que os meus ingénuos alunos reproduziram ipsis verbis tudo o que lá se sugeria como sendo verdades incontestáveis.

Assim, em termos muito gerais, fiquei a saber que, graças a umas gravações que tinham sido entretanto disponibilizadas, creio que a título de prova, pelo hotel onde Castro e Seabra se tinham hospedado, bem como a testemunhos entretanto divulgados, o casal teria começado a viagem de forma apaixonada e, depois de várias discussões acesas, Castro teria pretendido acabar com a relação, perante o que o seu jovem amante, vendo-se afastado de um relacionamento que lhe permitia acesso a meios que almejava e a, alegadamente, algumas contrapartidas económicas, reagira violentamente. Isto, invoca-se, fora o prelúdio para o triste epílogo da questão.

É interessante notar como o caso de Seabra (e não me refiro a Castro de forma intencional, pois a eles só conta a figura, o procedimento, as consequências dos atos, etc, do jovem aspirante a modelo) – talvez por uma questão geracional, talvez por um certo sadismo característico de boa parte da humanidade – interessa aos meus alunos. Confesso que estava longe de imaginar que lhe prestassem alguma atenção. Enganei-me: conhecem-lhe os meandros, alvitram soluções, discutem pormenores, não perdem um folhetim desse mau romance de cordel bastante ensebado.

Ora, e o que penso eu sobre o assunto? Não conheço Seabra, nem conheci (desculpam a franqueza, mas digo-o sem rebuço: felizmente!) Carlos Castro; no entanto, propendo sempre para o partido do primeiro. Porquê? Essencialmente por quatro razões que nada têm a ver com o caso em questão: (i) admiro as famílias e os indivíduos que conseguem, à força de vontade e trabalho, alçar-se sempre mais longe, como creio ser o caso da irmã de Seabra (infelizmente, o rapaz parece ter sido seduzido pelo caminho oposto, do facilitanço e do arranjar encostos); (ii) nutro genuína simpatia pelo cunhado de Seabra (indiferente ao assunto, eu sei, mas que acabou por se ver envolvido em toda esta trama), ao qual devo algum aperfeiçoamento do meu – mau, por mais que me esforce – ténis; (iii) abomino as pessoas que vivem de chantagens, segredinhos e pseudo-joguinhos de poder, como creio que Castro fazia. Por dispor de uma mão cheia de dados alegadamente inconfessáveis e menos limpos (e só menos limpos por boa parte da sociedade portuguesa permanecer aferrada a uma hipocrisia que a fragiliza em vez de a fortalecer), Castro ensaiava, segundo creio, jogadas pouco claras recheadas de insinuações. Isso, para mim, é intolerável. Finalmente, (iv) sempre embirrei com as pessoas palermas que dizem aos jovens descocados como Seabra: Vai! Segue o teu sonho! – mas não lhes explicam como, nem que seguir sonhos demora tempo e dá trabalho. Caso contrário, garante, quase sempre, asneira.



No entanto, estas deambulações prévias não implicam, de forma alguma, que considere Seabra um anjo de inocência e Castro um demónio de perversão. Há que encarar o tema com alguma prudência, temperada com um conhecimento sério dos factos que não tenho nem quero ter. Posso, contudo, confessar que a minha principal impressão em torno de todo este caso – ou seja, o que me causa especial repugnância nesta história sórdida e infeta – não é o pretenso homicídio em si (por muito cruel que tenha sido), nem o horripilante Castro (por muito repulsivo que me parecesse o seu procedimento, em caça de jovens meninos aspirantes a um pseudo-estrelato e que estavam dispostos a fazer muito para o alcançar), nem Seabra (é impossível ser tão ingénuo como o pintam, e aquela tese de que se achou um mensageiro do céu é, no mínimo risível, tal como o é a ideia, que alegadamente acalentaria, que cada um muda de preferências sexuais como quem apaga ou acende um interruptor: hoje sou homo, amanhã hétero, depois talvez bi!), nem mesmo o serem dois homens (para mim, é igual serem dois homens, um homem e uma mulher, duas mulheres). Não, o que me indigna em tudo isto é – e desculpem-se se vai soar a moralismo barato, mas é genuíno – é a instrumentalização de uma pseudo-relação para fins que nada têm a ver com os sentimentos. Ou seja, nenhum deles estava (a estarem efetivamente…) com o outro porque gostava dele. Ou seja, por um simples “porque sim”. Um quereria carne fresca, o outro contactos e uns trocos. E é isso que, cada vez mais, as provas e os testemunhos recolhidos vêm demonstrando e sedimentando.

Pode ser resultado, admito, de uma certo “ideal de felicidade burguesa” que eu, alegadamente (dizem…) encareço de forma exagerada. Não o nego, nem por sombras. Mas de uma coisa estou convencido, aproveitando o post anterior: se se não estiver numa relação com uma pessoa que se considere “freneticamente beijável” no meio da mais imunda estação de camionetas, não vale a pena sequer equacionar estar. Compromissos amorosos baseados em outros interesses que não este, soam a falso… e a crime, nos casos mais extremados.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home