Saturday, July 28, 2012

ADEUS 405!


É hoje que – terminada a temporada de exames, com as clássicas pressões das provas para corrigir e notas para lançar (embora haja sempre lugar a descobertas apesar de tudo interessantes, designadamente quando o prof. tem de se armar em Champpolion e procurar, quantas vezes em vão, um sentido em pérolas literárias do absurdo como “verdade empírica que segue apenas diretrizes jurídicas, pelo que dogma (verdade)”!!!), tudo entremeado com dúvidas (há que admitir, por vezes bastante tontas ou, mesmo, incompreensíveis) dos alunos que, a meia dúzia de dias do final do ano, descobem que ainda tinham metade das ucs para fazer, e com direito à enxaqueca da praxe (parece que já passou! Uf!) – abandono o nº 405 da residência de Leiria, ou seja, aquilo a que eu chamo, atendendo à exiguidade do espaço (diretamente proporcional ao conforto, todavia), a minha “casinha” entre-Liz-e-Lena.
Já habitava entre estas quatro paredes – onde se acha uma pequena cozinha, um “open space”, um (micro, micro, micro) “walking closet” (como alguém lhe chamou, quando me mudei) e um wc – há três anos, e muitas foram os dias e as noites que aqui passei. Costumo dizer, convictamente, que, se não fosse este refúgio leiriense, a minha adaptação à cidade, onde já conheço uma boa meia dúzia de espaços e gentes, teria sido muito mais difícil e espinhosa! A genial ideia de, numa residência virada sobretudo para albergar alunos, criar uma ala votada para acomodação de professores locais (no sentido de portugueses) e/ou visitantes, partiu do IPL, para o que aproveitou confortabilíssimas instalações existentes no centro da cidade, a dois passos da Marquês de Pombal. Criava-se, assim, uma alternativa a outra bela ideia do Politécnico, esta direcionada para estadias mais breves e pontuais: a Pousadinha. No entanto (e talvez por as minhas temporadas em Leira não serem, em regra, breves nem pontuais), nunca me consegui adaptar tão bem à Pousadinha (que conheci primeiro) quanto à residência da Marquês. Muito menos central, a meu ver menos confortável, nomeadamente por ser tão impessoal, com funcionários menos dedicados, e um funcionamento que, por vezes, não era excelente (lembro-me bem do ridículo que era chegar mais tarde e ter de ir pedir a chave, não havendo ninguém para no-la entregar). Não, a Pousadinha não era do meu agrado… Já esta residência bem localizada e (dentro das contingências locais) mais urbana, a dois passos de tudo e servida por funcionários gentis, me cativou desde o início, e em qualquer uma das suas versões. Digo isto porque, no decorrer do, apesar de tudo curto, período em que cá passo parte da semana (ou seja, destes três anos), já conheci duas gerências: há um ano, o IPL optou por passar a gestão do empreendimento – que, com a nova administração, ganhou novo nome e novos funcionários (que em nada desmerecem os anteriores, os quais já tinham alcançado uma pontuação elevada com base nos meus critérios muito exigentes e apertados). Agora, a gestão cabe ao Eric & C.a, sendo que não deixou, também, de ser interessante acompanhar o primeiro ano desta novel pequena empresa.
Ao longo destes três anos, vivi bastante no 405: corrigi centenas e centenas de frequências na secretária em que escrevo este post (de direito da família, introdução ao direito, direito do urbanismo, introdução à administração pública, direitos reais, sociologia jurídica…), e outras tantas de relatórios. Aqui queimei pestanas e ganhei cabelos brancos a “marrar”, semana após semana, com todo o afinco possível, direito europeu. Aqui desenhei um pouco; aqui pensei e escrevi muito e muito sobre Goa, o seu direito e as suas elites; aqui compus meia dúzia de posts para este blogue e desesperei com o mau sinal da net. Houve momentos de angústia (não só devido ao direito europeu!), desde logo potenciados pela minha clássica propensão para a hipocondria (ao longo destes três anos, devo ter pensado um par de vezes que me finaria entre as “minhas” paredes da av. Humberto Delgado), mas muitos mais de satisfação. Por um lado, comecei a conhecer melhor, primeiro, a residência, depois, a rua, depois a avenida, depois a cidade, e estabeleci excelentes relações de vizinhança por todas estas paragens (desde o balcão onde entrego e recebo as chaves, ao café/padaria com os seus excelentes pães chamados “brasileiros” e ótimas sopas diárias, à frutaria da Gina, à farmácia Sanches, às livrarias e papelarias locais, à biblioteca Afonso Lopes Vieira, ao Clube de Ténis, onde tanto gosto de ir treinar duas vezes por semana, à câmara, à Lusiclara, onde, por indicação de “gente municipal”, comecei a comprar aquelas que são, efetivamente, as melhores brisas desta terra, e excelentes bolos secos, sendo atendido por uma família amabilíssima, ao sapateiro que me remenda, de forma milagrosa, “rombos” impossíveis nas sapatilhas, etc etc). Por outro, houve momentos marcantes, aqui passados: algumas boas notas obtidas, alguns momentos épicos na edição das “Famílias de Seia” (foi na “casinha” que passei a limpo as dedicatórias, e daqui eu e a Alex expedimos quilos e quilos de exemplares do livro, trazidos às pazadas para o meu quarto graças a um carrinho de mãos emprestado pelo Eric), meia dúzia de aventuras culinárias (como o “rebentamento no micro-ondas”, ou o “milagre do puré instantâneo não demasiado liquefeito”, uma proeza conseguida a meias com a Marta João, ainda que a muitos quilómetros de distância), alguns sustos (como quando acordei, a meio da noite, a sonhar que estava junto de um incêndio e, realmente, começou a cheirar imenso a queimado, soou o alarme e a doida da espanhola bêbada do andar de baixo, que tinha deixado queimar leite, começou aos gritos “fuego, fuego!”) e outros tantos momentos de boa-disposição. Aqui conheci professores e estudantes brasileiros e chineses. Entre os primeiros, havia um que (pasme-se!) dominava muito bem a história da vida de um velho tio botânico que, em tempos da corte no Brasil, ficou célebre por ter descoberto a “quina brasiliense” (genes herdados pela minha Mana bióloga, certamente!); entre os segundos, é impossível não me lembrar da chinesa que eu achava que passava os dias a trabalhar, até dando conta disso ao meu Pai, numa das vezes que ele por cá passou (“O Pai já viu o que ela estuda? É uma coisa brutal, sempre à secretária!”). O meu progenitor desconfiou de tanta dedicação, e da pose um tanto hirta à secretária, olhou-a de outro ângulo, e descobriu que, afinal… o que ela fazia era ver filmes atrás de filmes! Aqui tive, durante a primeira fase de gerência, de ralhar com alguns alunos mais indisciplinados, graças à minha voz grossa e ao facto de não ser anão (“Vocês portam-se mal, e nós chamamos o prof!” parecia, segundo mais tarde me disseram, ser uma ameaça de vez em quando esgrimida face a um aluno mais embirrento). E por aqui passaram vários livros que li, agora acomodados em Coimbra, sendo que nos recantos do 405 repousaram igualmente, ao longo deste período, resguardadas e bem arrumadas, meia dúzia de peças curiosas e antigas, no seu trânsito até ao rumo final: a casa PLCO.
Ao longo destes três anos, o 405 foi ganhando alguma alma e personalidade: coisas como a minha manta aos quadrados a servir de colcha, livros e jornais um pouco por todo o lado (mas tudo relativamente arrumado, ok?), uma “baixela” própria em tons de verde alface (desde pratos e talheres a tachos), meia dúzia de rabiscos a “demonstrar” que o espaço é de LCO, potes com lápis Giotto, uma faca de manteiga de Poiares, uma foto do mais recente encontro PL na Foz do Arelho ajudam a caracterizar o espaço. Coisas – todas elas – que, na verdade, facilmente se movem, prontas a encher outro espaço leiriense.
É hoje que volto costas ao 405. A política da residência, para o ano que vem (sim, para mim, os anos começam, efetivamente, em Setembro) é o abandono progressivo desta ala, em abono da que lhe é fronteira. Por isso, devo manter-me no mesmo piso, mas mudo-me para o 407. É um espaço em tudo semelhante ao que agora abandono, só que ao contrário. Ou seja, sentir-me-ei, no máximo, um pouco como a Alice, isto é, “do outro lado do espelho”.

Há um par de dias perguntavam-me: “Achas que vais ter pena de deixar o 405?”. A réplica veio pronta (creio que para alguma surpresa do interlocutor): “Na verdade, nenhuma. Novas etapas exigem novos espaços”. E há que ter sempre presente aquela máxima tão verdadeira: Se fizeres o que sempre fizeste, terás o que sempre tiveste. Isso chega-te? Bom, para mim, alma burguezona que se compraz sobretudo com o “ir mais além”, não me chega, definitivamente.
Por isso, adeus 405! Foi um prazer conhecer-te! De ti levarei excelentes recordações e a memória – afinal, há UMA coisa de que irei ter saudades – da vista fantástica para a ermida da Srª da Encarnação, que me acompanhou de perto ao longo destes anos TÃO cheios!

2 Comments:

At 12:47 PM, Anonymous Ni said...

quem sabe se o 407 não tem ainda melhor vista?

casulo rules!! :P

 
At 12:31 PM, Anonymous ES said...

Que agradável surpresa a de descobrir este blog! Esperamos que o 407 inspire um novo post. Quem sabe pela nova vista?! ;)

 

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