SCHMACK SCHMACK
É facto indesmentível e demonstrado à saciedade que os tempos de crise constituem terreno fértil para mudanças (mais ou menos bruscas, depende) dos hábitos sociais. Alguns deles, compreendem-se bem – eu, por exemplo, ando a fazer esforços hercúleos (e muitas visitas às bibliotecas) para não comprar tantos livros como é habitual e arredo-me prudentemente de todos os centros de “despesismo luisino”, ou, pelo menos, ao frequentá-los adopto uma postura de fria e germânica contenção. Posso dizer, com orgulho, que cheguei agora mesmo da FNAC de mãos a abanar – por muito que um “portraits de Goya” me fizesse um olho dengoso ou que na secção de papelaria houvesse um escantilhão tentador. Mas, em abono da verdade, nem um, nem outro, eram de qualquer forma indispensáveis.
Outras novidades – a o serem (estamos ainda no plano das conjecturas) – não são tão imediatamente compreensíveis. É neste patamar que situo a beijomania no cais de embarque. Eu explico-me melhor: como é sabido, sou um utente habitual dos serviços de camionagem Coimbra-Leiria, Leiria-Coimbra, Lisboa-Leiria, Leiria-Lisboa (graças a Deus há comboio entre Coimbra e Lisboa!), e, à semelhança dos muitos que se acham em idênticas condições, já vou reconhecendo, nos cais de embarque, caras habituais, práticas rotineiras, rituais e praxes, usos e costumes que dariam para compor um dos códigos que fizeram as delícias dos nossos legisladores oitocentistas (e fazem as nossas, falando dos que os estudamos hoje). É claro que, por vezes, irrompe naquela normalidade rotineira, um ou outro personagem ou situação que agitam as águas (há um par de semanas, foi o caso do transexual que, depois de negociar as condições do contrato que o levava a casa de um certo cavalheiro de Gaia, onde ia permanecer alguns dias e ser, a meu ver, regiamente pago, acedeu, no mac que trazia, à sua – como dizer… – “página promocional”, permitindo a todos nós, estivéssemos ou não interessados, ficarmos inteirados não só dos termos em que prestava os serviços anunciados mas também das suas potencialidades físicas). No entanto, e em regra, nada se passa. Ou seja, tudo o que se passa não foge à normalidade.
Foi por isso que, ontem, à espera da camio leiriense (especialmente atrasada), estranhei o furor beijoquento que grassava ao longo de tudo o cais. Não se tratava, advirta-se desde já, dos costumeiros beijos dos namorados antes de uma semana ou um par de dias afastados, do par de beijos dados às amigas quando as revemos, ou dos habituais cumprimentos aos progenitores e demasiada parentela. Nada disso: eram sessões continuadas, frenéticas, desesperadas, como se Portugal fosse os EUA e um dos beijados fosse partir desde o Dakota do Norte até à Florida! E o fenómeno não se cingia aos habituais casos pontuais, rápidos, previsíveis. Não: era uma febre avassaladora, que contagiava grande parte dos que, à minha semelhança, esperavam uma qualquer camioneta. E não pensem, almas viperinas, em sequer sugerir que eu, devido a uma qualquer carência de beijos que me pudesse estar a afectar o entendimento, é que os via e multiplicava em razão do meu desespero. Garanto-vos: era pandemia inédita e voraz.
Ora, é impossível evitar a pergunta óbvia: PORQUÊ? O que levou estas várias almas a beijarem-se tão entusiasticamente num local tão pouco hospitaleiro e agradável como a estação de camionagem da Lusa-Atenas? Não me digam que é influência do ambiente: o mau cheiro (e não, não falo apenas do derivado dos escapes) e aquele encardido que não sai, por muito que se esfregue, que todos associamos àqueles espaços não me parece ser de molde a estimular tais manifestações. Gostos são gostos, e longe de mim querer discuti-los, mas eu compreendo bem que haja situações em que, estando uma pessoa especialmente interessante (do ponto de vista beijável) nas proximidades, o ambiente ajuda. Ver e cheirar o mar, o odor de glicínias, o cheiro do calor (ah! Esse, para mim, é fatal! LOL), a aragem perfumada de um pinhal a sério, mesmo uma biblioteca que cheiro a livros – esses são cenários interessantes. Não uma porcaria de um cais de “carreiras”!
Portanto, remeto-me à explicação que, hoje em dia, neste país e nesta Europa, para tudo serve: a beijomania no cais de embarque não pode ser outra coisa que não um efeito da crise! E tenho uma tese e tudo: as pessoas estão mais deprimidas e fragilizadas, sentem mais fundo a solidão que uma ausência de um par de dias pode causar e, motivadas pelo desespero (e por uma certa vontade de imitação, pois nesta terra o “carneirismo” conta vários adeptos fiéis) beijam-se, onde nunca se beijaram (ia acrescentar “e como nunca se beijaram”, mas acho que isso é terrivelmente cruel, pelo que essa parte deve considerar-se censurada).
Enfim, mas se esta moda pega – ou se durar tanto quanto a crise (isto é, se não tiver fim à vista) – tal pode vir a ter efeitos na minha rotina de viagens. Imaginem bem que, por não gostar do cheiro de escapes e C.a, acabo por ser o único que, no terminal, não tem alguém ao lado para beijar freneticamente. Ou que (hipótese MUITO mais assustadora), todos os presentes, cedendo à beijomania no cais de embarque, começam a praticá-la, e só sobro eu e o tal travesti de aparência ranhosa… Oxalá tal não aconteça! Caso contrário, lá vou ter eu, rapaz rotineiro, de mudar os meus hábitos (mas jamais, insista-se, tal mudança passará por beijar o travesti). E não sei se, neste caso, ao contrário de muitos outros, será fácil: primeiro, é preciso convencer alguém que eu ache freneticamente beijável a acompanhar-me até ao cais (hummmm… não sei se será muito exequível); depois, imaginar que não estou rodeado da fauna habitual, naquele lugar pouco apetitoso, e entregar-me, sem restrições, à beijomania.
Talvez seja mais fácil a crise passar do que eu conseguir fazer tudo isto! ;-)
Outras novidades – a o serem (estamos ainda no plano das conjecturas) – não são tão imediatamente compreensíveis. É neste patamar que situo a beijomania no cais de embarque. Eu explico-me melhor: como é sabido, sou um utente habitual dos serviços de camionagem Coimbra-Leiria, Leiria-Coimbra, Lisboa-Leiria, Leiria-Lisboa (graças a Deus há comboio entre Coimbra e Lisboa!), e, à semelhança dos muitos que se acham em idênticas condições, já vou reconhecendo, nos cais de embarque, caras habituais, práticas rotineiras, rituais e praxes, usos e costumes que dariam para compor um dos códigos que fizeram as delícias dos nossos legisladores oitocentistas (e fazem as nossas, falando dos que os estudamos hoje). É claro que, por vezes, irrompe naquela normalidade rotineira, um ou outro personagem ou situação que agitam as águas (há um par de semanas, foi o caso do transexual que, depois de negociar as condições do contrato que o levava a casa de um certo cavalheiro de Gaia, onde ia permanecer alguns dias e ser, a meu ver, regiamente pago, acedeu, no mac que trazia, à sua – como dizer… – “página promocional”, permitindo a todos nós, estivéssemos ou não interessados, ficarmos inteirados não só dos termos em que prestava os serviços anunciados mas também das suas potencialidades físicas). No entanto, e em regra, nada se passa. Ou seja, tudo o que se passa não foge à normalidade.
Foi por isso que, ontem, à espera da camio leiriense (especialmente atrasada), estranhei o furor beijoquento que grassava ao longo de tudo o cais. Não se tratava, advirta-se desde já, dos costumeiros beijos dos namorados antes de uma semana ou um par de dias afastados, do par de beijos dados às amigas quando as revemos, ou dos habituais cumprimentos aos progenitores e demasiada parentela. Nada disso: eram sessões continuadas, frenéticas, desesperadas, como se Portugal fosse os EUA e um dos beijados fosse partir desde o Dakota do Norte até à Florida! E o fenómeno não se cingia aos habituais casos pontuais, rápidos, previsíveis. Não: era uma febre avassaladora, que contagiava grande parte dos que, à minha semelhança, esperavam uma qualquer camioneta. E não pensem, almas viperinas, em sequer sugerir que eu, devido a uma qualquer carência de beijos que me pudesse estar a afectar o entendimento, é que os via e multiplicava em razão do meu desespero. Garanto-vos: era pandemia inédita e voraz.
Ora, é impossível evitar a pergunta óbvia: PORQUÊ? O que levou estas várias almas a beijarem-se tão entusiasticamente num local tão pouco hospitaleiro e agradável como a estação de camionagem da Lusa-Atenas? Não me digam que é influência do ambiente: o mau cheiro (e não, não falo apenas do derivado dos escapes) e aquele encardido que não sai, por muito que se esfregue, que todos associamos àqueles espaços não me parece ser de molde a estimular tais manifestações. Gostos são gostos, e longe de mim querer discuti-los, mas eu compreendo bem que haja situações em que, estando uma pessoa especialmente interessante (do ponto de vista beijável) nas proximidades, o ambiente ajuda. Ver e cheirar o mar, o odor de glicínias, o cheiro do calor (ah! Esse, para mim, é fatal! LOL), a aragem perfumada de um pinhal a sério, mesmo uma biblioteca que cheiro a livros – esses são cenários interessantes. Não uma porcaria de um cais de “carreiras”!
Portanto, remeto-me à explicação que, hoje em dia, neste país e nesta Europa, para tudo serve: a beijomania no cais de embarque não pode ser outra coisa que não um efeito da crise! E tenho uma tese e tudo: as pessoas estão mais deprimidas e fragilizadas, sentem mais fundo a solidão que uma ausência de um par de dias pode causar e, motivadas pelo desespero (e por uma certa vontade de imitação, pois nesta terra o “carneirismo” conta vários adeptos fiéis) beijam-se, onde nunca se beijaram (ia acrescentar “e como nunca se beijaram”, mas acho que isso é terrivelmente cruel, pelo que essa parte deve considerar-se censurada).
Enfim, mas se esta moda pega – ou se durar tanto quanto a crise (isto é, se não tiver fim à vista) – tal pode vir a ter efeitos na minha rotina de viagens. Imaginem bem que, por não gostar do cheiro de escapes e C.a, acabo por ser o único que, no terminal, não tem alguém ao lado para beijar freneticamente. Ou que (hipótese MUITO mais assustadora), todos os presentes, cedendo à beijomania no cais de embarque, começam a praticá-la, e só sobro eu e o tal travesti de aparência ranhosa… Oxalá tal não aconteça! Caso contrário, lá vou ter eu, rapaz rotineiro, de mudar os meus hábitos (mas jamais, insista-se, tal mudança passará por beijar o travesti). E não sei se, neste caso, ao contrário de muitos outros, será fácil: primeiro, é preciso convencer alguém que eu ache freneticamente beijável a acompanhar-me até ao cais (hummmm… não sei se será muito exequível); depois, imaginar que não estou rodeado da fauna habitual, naquele lugar pouco apetitoso, e entregar-me, sem restrições, à beijomania.
Talvez seja mais fácil a crise passar do que eu conseguir fazer tudo isto! ;-)
1 Comments:
beijoquices à parte, as sugestões serão arquivadas para prendas futuras ;)
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