Wednesday, July 04, 2012

MUNDOS PARALELOS




As breves reflexões de hoje, escritas entre o fim do jantar e a saída para ir apanhar a camio rumo a Leiria, foram-me inadvertidamente sugeridas por um comentário tecido por um amigo que muito prezo e respeito, E.. Poderia, ao invés deste par de considerações, ter enveredado pela matéria fascinante de como detesto fazer camas com edredões – e detesto MESMO, trata-se de um ódio profundo, difícil de desentranhar, mesclado com a minha incapacidade absoluta de acertar os ângulos daquela diabólica espécie de fronha gigantesca – ou pelo quanto gostei de ver o resultado final do manto “à Joana Vasconcelos” que várias almas trabalhadoras conimbricenses dedicaram à Rainha Santa.


O E. – rapaz que, como eu, gosta de Goa – aborda um tema que a todos nos diz bastante: como caracterizar aquela terra, que tem tantos ângulos sob os quais pode ser analisada? Sob a lupa da maior parte da sua população – esmagadoramente hindu e pouco ou nada interessada no que se passa em Portugal? Sob a perspetiva dos hippies de há umas décadas e dos fanáticos do trance dos dias que correm – gente que lá está como poderia estar em qualquer outro local, desde que lhe fornecessem os ingredientes adequados? Sob o prisma dos muitos indianos que, hoje, buscam aqueles areais para retemperarem forças durante as férias? Sob a mirada dos portugueses inadaptados que para lá fogem, na esperança de, longe de tudo e todos mas sentindo-se num ambiente que apesar de tudo pode ser exoticamente familiar, refazerem a sua vida e reordenarem a sua tola? Ou sob o ângulo do mundo cada vez mais brumoso das velhas elites católicas de Bardez, Salsete e Ilhas?

Pergunto eu: a grande vantagem deste perigoso cocktail não é, precisamente, poder escolher-se a visão e a abordagem que mais se conforma com o que nos faz sentir bem? Terá de haver uma visão dominante? Terá de haver um discurso oficial, uma grelha que nos imponha um rígido imperativo “Goa é assim”?
Eu – todos os que me conhecem o sabem – simpatizo profundamente com as ditas velhas elites católicas. Poderia carpir, numa linguagem eivada de pseudo-lamentos, a sua decadência e o seu desaparecimento dos palcos principais da Goa moderna. Mas, na verdade, eu não sei – e, provavelmente, nunca saberei – se lá fazem, hoje, efetivamente, falta. Poderia, por outro lado, diabolizar o seu legado. Mas, na verdade, eu estou longe de o considerar (ao tomá-lo como um todo) nocivo. Poderia, pura e simplesmente (como tantos fazem) ignorá-lo. Mas elas não deixam, pois, na sua discrição, são demasiado visíveis.

Tal como Orlando Ribeiro (entre vários outros) eu senti-me em casa junto deste pequeno grupo. À semelhança do grande geógrafo, experimentei as semelhanças – extraordinárias, pelo muito que os distancia e os aproxima – existentes entre ele e as velhas elites dos Açores ou das Beiras, que tão bem conheço.
Em 2006, um parente. E.O., publicou um vasto e precioso tratado sobre genealogias da Beira. O lançamento foi tão discreto quão cheio de significado. Toda a “fidalguia” da Beira convergiu a um obscuro solar perdido no meio de pinheirais e vinhedos para tomar parte na celebração. Não sei se aquelas dezenas de pessoas, que se tratam todas entre si por “primos”, mesmo que tenham em comum um 15º avô, sentiram todas o mesmo, mas creio bem que sim: “Deus meu, ao que nós chegámos”. No entanto, quem soube e não foi convidado apressou-se a dizer “os séculos passam e eles mantêm-se iguais”.
Nesse mesmo ano, Fonseca e Costa dá a conhecer um filme do qual gosto especialmente: “Viúva rica solteira não fica”. Tendo a Ínsua como cenário, é um retrato – cruel, muito mais cruel do que se possa imaginar – da “minha” Beira.

Em 2008, Miguel Gomes enche jornais com “Aquele querido mês de Agosto”. Expõe-se a realidade para lá dos muros da Ínsua, a crueza das relações, o patético de toda uma região, o kitsch que o verniz da(s) Ínsua(s) por um lado ameniza, mas por outro aumenta.
Fonseca e Costa fala da Beira de uma minoria; Gomes da das massas. Muitas outras minorias poderiam – e deveriam – ser exploradas por realizadores com a qualidade destes dois (o que, esperemos, talvez venha a suceder no futuro). No entanto, eu não posso “Fonseca e Costizar” o mundo, e impor-lhe uma Beira vista sob o ângulo da mesma; nem os adeptos de Gomes podem querer “Gomesmizar-me”: eu não quero e não deixo.

Não se passará o mesmo com Goa? Não se passará, aliás, o mesmo com todos os lugares do mundo de que gostamos porque são como os imaginamos… mesmo que essa visão seja apenas…parcial?

2 Comments:

At 9:37 AM, Anonymous Anonymous said...

Concordo em absoluto, em Goa passa-se o mesmo.... o difícil mesmo é dar essa visão global, mas é esse o desafio, começar da perspectiva do sistema para focar - e, por isso, tão difícil. Parece-me que já o indiciaste.

Beijinho Gauddeano.

 
At 9:37 AM, Anonymous Anonymous said...

Concordo em absoluto, em Goa passa-se o mesmo.... o difícil mesmo é dar essa visão global, mas é esse o desafio, começar da perspectiva do sistema para focar - e, por isso, tão difícil. Parece-me que já o indiciaste.

Beijinho Gauddeano,
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