MUNDOS PARALELOS
As
breves reflexões de hoje, escritas entre o fim do jantar e a saída para ir
apanhar a camio rumo a Leiria, foram-me inadvertidamente sugeridas por um comentário
tecido por um amigo que muito prezo e respeito, E.. Poderia, ao invés deste par
de considerações, ter enveredado pela matéria fascinante de como detesto fazer
camas com edredões – e detesto MESMO, trata-se de um ódio profundo, difícil de
desentranhar, mesclado com a minha incapacidade absoluta de acertar os ângulos
daquela diabólica espécie de fronha gigantesca – ou pelo quanto gostei de ver o
resultado final do manto “à Joana Vasconcelos” que várias almas trabalhadoras
conimbricenses dedicaram à Rainha Santa.
O
E. – rapaz que, como eu, gosta de Goa – aborda um tema que a todos nos diz
bastante: como caracterizar aquela terra, que tem tantos ângulos sob os quais
pode ser analisada? Sob a lupa da maior parte da sua população –
esmagadoramente hindu e pouco ou nada interessada no que se passa em Portugal?
Sob a perspetiva dos hippies de há umas décadas e dos fanáticos do trance dos
dias que correm – gente que lá está como poderia estar em qualquer outro local,
desde que lhe fornecessem os ingredientes adequados? Sob o prisma dos muitos
indianos que, hoje, buscam aqueles areais para retemperarem forças durante as
férias? Sob a mirada dos portugueses inadaptados que para lá fogem, na
esperança de, longe de tudo e todos mas sentindo-se num ambiente que apesar de
tudo pode ser exoticamente familiar, refazerem a sua vida e reordenarem a sua
tola? Ou sob o ângulo do mundo cada vez mais brumoso das velhas elites
católicas de Bardez, Salsete e Ilhas?
Pergunto
eu: a grande vantagem deste perigoso cocktail não é, precisamente, poder
escolher-se a visão e a abordagem que mais se conforma com o que nos faz sentir
bem? Terá de haver uma visão dominante? Terá de haver um discurso oficial, uma
grelha que nos imponha um rígido imperativo “Goa é assim”?
Eu
– todos os que me conhecem o sabem – simpatizo profundamente com as ditas
velhas elites católicas. Poderia carpir, numa linguagem eivada de
pseudo-lamentos, a sua decadência e o seu desaparecimento dos palcos principais
da Goa moderna. Mas, na verdade, eu não sei – e, provavelmente, nunca saberei –
se lá fazem, hoje, efetivamente, falta. Poderia, por outro lado, diabolizar o
seu legado. Mas, na verdade, eu estou longe de o considerar (ao tomá-lo como um
todo) nocivo. Poderia, pura e simplesmente (como tantos fazem) ignorá-lo. Mas
elas não deixam, pois, na sua discrição, são demasiado visíveis.
Tal
como Orlando Ribeiro (entre vários outros) eu senti-me em casa junto deste pequeno
grupo. À semelhança do grande geógrafo, experimentei as semelhanças –
extraordinárias, pelo muito que os distancia e os aproxima – existentes entre
ele e as velhas elites dos Açores ou das Beiras, que tão bem conheço.
Em
2006, um parente. E.O., publicou um vasto e precioso tratado sobre genealogias
da Beira. O lançamento foi tão discreto quão cheio de significado. Toda a “fidalguia”
da Beira convergiu a um obscuro solar perdido no meio de pinheirais e vinhedos
para tomar parte na celebração. Não sei se aquelas dezenas de pessoas, que se
tratam todas entre si por “primos”, mesmo que tenham em comum um 15º avô,
sentiram todas o mesmo, mas creio bem que sim: “Deus meu, ao que nós chegámos”.
No entanto, quem soube e não foi convidado apressou-se a dizer “os séculos
passam e eles mantêm-se iguais”.
Nesse
mesmo ano, Fonseca e Costa dá a conhecer um filme do qual gosto especialmente: “Viúva
rica solteira não fica”. Tendo a Ínsua como cenário, é um retrato – cruel,
muito mais cruel do que se possa imaginar – da “minha” Beira.
Em
2008, Miguel Gomes enche jornais com “Aquele querido mês de Agosto”. Expõe-se a
realidade para lá dos muros da Ínsua, a crueza das relações, o patético de toda
uma região, o kitsch que o verniz da(s) Ínsua(s) por um lado ameniza, mas por
outro aumenta.
Fonseca
e Costa fala da Beira de uma minoria; Gomes da das massas. Muitas outras
minorias poderiam – e deveriam – ser exploradas por realizadores com a
qualidade destes dois (o que, esperemos, talvez venha a suceder no futuro). No
entanto, eu não posso “Fonseca e Costizar” o mundo, e impor-lhe uma Beira vista
sob o ângulo da mesma; nem os adeptos de Gomes podem querer “Gomesmizar-me”: eu
não quero e não deixo.
Não
se passará o mesmo com Goa? Não se passará, aliás, o mesmo com todos os lugares
do mundo de que gostamos porque são como os imaginamos… mesmo que essa visão
seja apenas…parcial?
2 Comments:
Concordo em absoluto, em Goa passa-se o mesmo.... o difícil mesmo é dar essa visão global, mas é esse o desafio, começar da perspectiva do sistema para focar - e, por isso, tão difícil. Parece-me que já o indiciaste.
Beijinho Gauddeano.
Concordo em absoluto, em Goa passa-se o mesmo.... o difícil mesmo é dar essa visão global, mas é esse o desafio, começar da perspectiva do sistema para focar - e, por isso, tão difícil. Parece-me que já o indiciaste.
Beijinho Gauddeano,
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