A PROPÓSITO DA IDADE
O post de hoje
prende-se, em boa medida, com a ira que sinto quando constato que alguns “espertalhões”
se tentam aproveitar da boa-vontade (eufemismo para, muitas vezes, não
recorrermos a expressões mais aviltantes tais como “indícios de senilidade”) de
pessoas que ultrapassaram as oito ou nove décadas de vida.
Há uns dias atrás, uma senhora-octogenária-que-me-é-próxima,
e à qual eu sirvo, ocasionalmente, de “consultor jurídico”, comunicou-me –
através de meias-palavras e entre muitos rodeados – que tinha recebido a visita
de um “empregado da PT” (segundo me dizia), o qual tinha sido “insolente”.
- Da PT? – estranhei eu
– Mas o que cá veio fazer?
Estava lançada a pedra
de toque para me servir mais um pedaço de informação:
- Sim, assim um rapaz
novo, do tipo espertalhaço. Muito insolente. Disse-me que vinha antes do
almoço, e só chegou depois – explicava a senhora-octogenária-que-me-é-próxima.
- Mas quando é que
combinou com ele uma vinda cá a casa? – insistia eu.
A resposta não foi, naturalmente,
imediata (nunca é, nem em Portugal, nem em Goa – deve ser por isso que há tanto
em comum entre ambos):
- Foi almoçar cozido à
portuguesa a Souselas, imagina tu! (para quem não saiba, Souselas é um arrabalde
de Coimbra onde dominam as fabriquetas e as pequenas indústrias). E, quando
chegou, batia na barriga a dizer “Que belo cozido cá canta. Eu sou homem de
muito alimento!”
Já um pouco exasperado
(e com pouca vontade de prosseguir em divagações gastronómicas baseadas em
menus de tascas souselenses), cortei:
- Mas, senhora-octogenária-que-me-é-próxima,
afinal o que é que ele CÁ VEIO fazer? Por que razão o chamou?
Finalmente, obtive uma
resposta ligeiramente mais satisfatória:
- Ora, porque a menina
do call center o mandou.
- QUE menina do call
center?
- Ai, filho, que call
center havia de ser?? Do da PT. A menina telefonou-me há uns dias, e foi muito
simpática…
- Em que dia foi, senhora-octogenária-que-me-é-próxima?-
perguntei eu, já a temer o pior.
- Deixa-me ver… olha, é
fácil: foi no da procissão da Rainha Santa. A menina, que era uma amabilidade,
até me perguntou porque é que tão pouca gente estava a atender os telefones em
Coimbra nesse dia… e eu respondi-lhe que devia ser por causa da Rainha Santa!
- Bom, e o que queria
essa menina?
- Na verdade, depois de
falar um pouco comigo, queria oferecer uma ótima promoção: a partir de agora,
passo a pagar 9 euros de telefone fixo por mês, desde que ligue apenas por
números começados por dois.
Ora, eu sabia que a senhora-octogenária-que-me-é-próxima
já tinha um excelente pacote PT, pelo que duvidei de tão inusitada vaga de
generosidade.
- E o que lhe
respondeu?
- Que estava
interessada, claro! Filho, sabes perfeitamente que eu só ligo para telefones
fixos, para os outros uso o telemóvel. Foi o que disse à menina “Ah! Todas as
minhas chamadas deste número são para 2… são quase todas para **** (localidade
onde nasceu a senhora-octogenária-que-me-é-próxima, e que é afamada pelos seus
derivados de lacticínios)”. E a menina até me disse logo “Ah! ****, terra de
bom queijo!”
E, voltando à mesma
tecla:
- Eu bem te disse que a
menina era uma simpatia. E lá lhe expliquei que agora os queijos já não são
nada comparados com os de antigamente.
Mas eu não estava,
desta vez (nem nunca, na verdade, pois detesto tal coisa – e dou graças a Deus
por não ter herdado nenhuma das propriedades da família cuja renda era paga em
carroças dos ditos! BLERGH!) interessado em queijo.
- Mas, senhora-octogenária-que-me-é-próxima,
qual é a relação da menina com o homem que cá veio?
- Bom, a menina, depois
de eu ter ficado interessada na promoção, informou-me de que um funcionário da
PT vinha cá a casa, para eu lhe dar os meus dados pessoais.
(Ups! A senhora-octogenária-que-me-é-próxima
esquecera-se de que a PT já tinha, naturalmente, os dados pessoais de que
precisava).
- E foi o que
aconteceu? Ou acabou por não lhe mostrar nada?
- Que ideia, filho! O
homem era insolente (agora me lembro que reclamou ter de subir as escadas,
dizendo “a senhora deve ter de pagar, quando quer que lhe tragam alguma coisa!”),
mas eu tinha combinado com a menina. Por isso, mostrei-lhe o que me pediu. Mas
nem imaginas o que aconteceu depois!
- O que foi?? –
perguntei, já com receio do que aí viria
- Quando recolheu as
informações, e antes de ir embora, disse-me “Agora são 10 euros, pela
deslocação”. Imagina tu!
- O que lhe respondeu?
- Que não lhe pagava
nem o cêntimo, porque tinha acordado com a menina, e que nunca ninguém vira um
funcionário da PT a pedir para ser pago numa deslocação! Acho que vou telefonar
para lá a reclamar.
(e eu a pensar: “se
calhar ele NÃO ERA funcionário da PT!)
Continuava a senhora-octogenária-que-me-é-próxima:
- E ainda por cima, ele
só me dizia que “era profissional liberal, e angariador de contratos”.
(Ai, ai!)
Foi aí que, não
especialmente preocupado com os 10 euros, lancei as duas perguntas que me
martelavam o cérebro:
- Senhora-octogenária-que-me-é-próxima,
tem a certeza que ele era da PT?
- Tenho! – foi a
resposta pronta.
- Ele estava identificado?
Mostrou-lhe alguma identificação?
- Bem, não… mas como a
menina era da PT…
- E tem a certeza de
que a tal menina era funcionária da PT?
Nova réplica imediata,
mas pouco satisfatória:
- Claro, filho! QUEM
MAIS me telefonaria por causa da conta do telefone? E até sabia quanto é que eu
tinha pago no mês passado!
As coisas estavam a
escurecer, pelo que era forçoso passar à pergunta essencial nº 2:
- Que documentos lhe
mostrou?
- Ah, o BI, coisas
assim…
- E ASSINOU alguma
coisa? (eu já adverti 150000000 a senhora-octogenária-que-me-é-próxima para não
assinar nada sem ma mostrar antes, mas, com o seu feitio autoritário, ela
muitas vezes quebra esta regra).
- Bem…. Pronto, já sei
o que vai dizer, mas sim!
- O que era? Leu?
- Não! Ia lá agora ler
aqueles papéis chatíssimos da PT!
- Mas eu já lhe disse
que TEM de os ler, e para não os assinar assim, de olhos vendados. E não se
importa de me mostrar o exemplar com que ficou?
- Que tontice, filho,
não fiquei com exemplar nenhum!
- Assinou um contrato e
não ficou com uma cópia?
- Que contrato, não
assinei contrato nenhum!!
E, depois de breves
segundos de apreensão:
- Filho, se calhar é
melhor ligares para a PT…
É claro que não liguei
à PT: fui a um dos seus balcões, zangadíssimo, pondo ainda a hipótese de ter
sido aquele servidor a aproveitar-se da debilidade que os quase 90 anos da senhora-octogenária-que-me-é-próxima
reclamam. No entanto, ao ser atendido, os meus piores receios foram confirmados:
não tinha sido a PT a fazer aquele contacto (“Para quê”, perguntava o
funcionário, “se a senhora-octogenária-que-lhe-é-próxima já tem um plano tão
vantajoso?”), mas, provavelmente, um concorrente. Felizmente, deu
(garantiram-me que sim) para cancelar o processo (basicamente, declarar que não
se quer alterar nem o operador, nem o plano, não obstante quaisquer propostas
em contrário, sem que eu seja consultado) e apresentar uma reclamação.
No entanto, o pior de
tudo isto não foram os 10 euros (pagamento cuja exigência a senhora-octogenária-que-me-é-próxima
considerava ter sido muito mais grave do que a assinatura de um eventual
contrato) reclamados pelo funcionário “insolente”, mas o aproveitamento
incrível – por parte da “menina” e do tal rapaz – das fraquezas que a velhice
inapelavelmente acarreta. Eu sei que a senhora-octogenária-que-me-é-próxima é
dotada de um feitio difícil, muitas vezes só se ouve a si mesma e tem pouca
paciência para escutar gente que não conhece e considera ser “apenas” um
funcionário da PT (e que, na sua ótica um tanto oitocentista, estará ao nível
de um carteiro ou da senhora que lava as escadas – também eles “muito amáveis”).
E sei que ela sabe perfeitamente que não pode andar por aí a distribuir assinaturas
e a mostrar cartões – mas que, ciclicamente, quebra estes compromissos. Sei,
também, que esta senhora-octogenária-que-me-é-próxima tem a sorte (?) de, dos
três netos que conta, dois serem licenciados em direito e a outra uma “barra”
em relações públicas.
No entanto, indigna,
mas indigna mesmo – não só pela senhora-octogenária-que-me-é-próxima mas também
pelas muitas e muitos outros que, mais desprotegidos, por esse país fora são
engrolados por “meninas simpáticas” e rapazes que comem cozido à portuguesa –
que haja gente sem uma pinga de carácter que, em vez de um trabalho limpo, se
preste a estes joguinhos com idosos.
E isso, não há crise
que justifique.
Fica o aviso, para
todos os que têm também senhoras(es)-octogenária(os)-que-lhes-sejam-próximas(os).
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