H10
Há lugares que
permanecem – indiferentes ao correr dos anos e ao bater dos acontecimentos
quotidianos – associados a recordações especialmente gratas. Lugares onde nos
sentimos confortáveis, momentos em que nos sentimos particularmente bem,
ambientes nos quais experimentámos o que cremos ser uma genuína sensação de
bem-estar. Eu, como todos, tenho uma mão-cheia desses locais na minha mente, e
sabe bem pensar, de vez em quando, neles.
Quando o calor aperta (como
felizmente, para minha grande alegria, começa agora a acontecer) começo a
lembrar-me da praia e do cheiro da Solum nos dias de estio, e é incrível como
pensar num odor, bem como no vento subtil e quente que, parecendo vir desde o
deserto, visita Coimbra em Julho, me faz sentir mais vivo e bem disposto!
Também nestes dias mais longos e agradáveis, recordo-me das longas tardes, com
a minha mana e a minha prima (e, agora, com uma terceira pessoa muito especial:
Zabi!), no terraço ou no jardim da VP, dedicando-nos ao que sabe melhor fazer
naquela casa: nada, a não ser beber limonada e conversar de trivialidades. A Beira
é uma agradável fornalha para quem pode disfrutar destes momentos,
espreguiçando-se numa velha cadeira de lona… e se me esforçar um pouco (não é
preciso muito, a minha memória ainda é apreciável) quase que ainda consigo
vislumbrar, em alguns relances proporcionados por portadas entreabertas, uma
velha jarra mandarim ou uma mesa vinda de Macau, e deliciar-me com o – cada vez
mais difuso – odor de cânfora que temperou as nossas infâncias e adolescências
(por paradoxal que possa parecer) no Portugal profundo. Ou recordo-me do cheiro
a papel e a livros de casa dos Avós, onde havia sempre tios a qualquer hora do
dia e constantes desafios a enfrentar.
Ora, outro dos espaços
que permanecem num compartimento muito especial das minhas reminiscências é o
Pio. Não vou, novamente, voltar a fazer uma apologia deste colégio: basta dizer
que foi um local onde me senti – mais do que alguma vez esperei –
particularmente bem. Tanto que sinto ainda sinto vivas saudades. Ainda hoje, só
tenho boas recordações dos anos que lá vivi, a maior parte deles no meu quarto –
o H10 – junto ao gabinete do subdiretor (que garantia que, por muito tarde que
eu recolhesse, às 8 estivesse acordado, para me pôr a estudar).
Por exagerado
que pareça, o Pio foi, em muitos aspetos, determinante na minha vida. Se eu já
gostava de Lisboa, é à trindade ZN-PIO-SGL que devo gostar ainda mais! Se sei
alguma coisa sobre Goa, associarei sempre esses primeiros tempos de pesquisa (e
algum desespero!) ao Pio! Tal como associarei, por muitos anos que viva, ao Pio os jogos de ténis – e eu
sempre a perder tão mal!... –; as sessões de cinema na cripta; as conversas com
o P.e T. (o que é afinal, um sermão dos
ossos?); os quadrados de marmelada do pequeno-almoço; as chegadas “a casa”
(para mim, o Pio rapidamente se tornou em casa lisboeta) de madrugada; as
festividades mais ou menos solenes; as admoestações do P.e O. (“Vá lá, rapazes, despachem-se. As senhoras
têm de arrumar a cozinha”) e o seu fanatismo pelo Benfica (“rapazes, hoje há jogo, despachem-se a
jantar”); os dias de lasanha e pizza, em que todos aparecíamos, e os do
horroroso peixe assado ou lulas, em que o refeitório se esvaziava; os regadores
dos quais a água era servida para os jarros, na cozinha; as comemorações do
cinquentenário; a D. F., governanta que por vezes parecia vinda de outros tempos que tudo controlava; a
senhora da biblioteca que falava, falava, falava… enquanto me desencantava os
livros de que precisava naquele acervo rico; as saídas com amigos de longa data
mas que também estavam pela capital (nunca as festas de Santo António me
souberam tão bem como nessa altura!); o contraste, que eu apreciava, entre uma
certa austeridade espartana dos quartos e uma maior sumptuosidade de outros
espaços; a localização magnífica; a sensação excelente (para qualquer novato, creio...) de, entre mais de 100, jamais nos sentirmos sozinhos; as visitas dos antigos alunos e agora homens
ilustres; as festas, nas quais o padre diretor e a severa governanta se
tornavam solícitos colaboradores e ajudavam a distribuir o gelo; e…
naturalmente, os amigos.
E que bons amigos lá
fiz, todos diferentes de mim, muitos dos quais jamais teria conhecido se não tivesse
passado parte da minha vida naquele lugar! Um deles, foi o Marcos… o Marcos,
que agora (disse-me ele, há um par de dias) se prepara para casar! E quando
falo em Marcos, Pio e raparigas, não posso deixar de me lembrar, com um sorriso
– e alguma nostalgia por tantas horas de conversas só aparentemente
improdutivas, quer nos quartos uns dos outros, quer nas caminhadas ao Saldanha –
nos muitos disparates que dizíamos e pensávamos, se bem que com as melhores
intenções! Ou na visita de uma certa “amiga nórdica” (dele, não minha), que
levámos a jantar às Janelas Verdes, e que queria por força comer rena (ou
veado? já nem sei…) num restaurante especializado em bacalhau, obrigando uma já
exasperada Joana Maia a verter-lhe, quase integralmente, a ementa para inglês (“oh
pahh… como é que se diz bacalhau em inglês?!....”). Ou do café da esquina, com
as suas empregadas brasileiras e atiradiças. Ou da dita nórdica querer vir a
uma das nossas festas (convinha aparecer minimamente aprumado!) com umas
jardineiras de ganga, e queixar-se de que o colégio era bonito… não fossem os
crucifixos! (ah! Alma protestante e luterana! ;) ).
Pois bem… o Marcos – meu
companheiro de mesa no vasto refeitório, contraparte em animados debates, amigo
grande apesar (ou por causa?) das diferenças que nos separavam (ele adepto da
pobreza franciscana, do misticismo de Taizé, da espiritualidade austera de S.
Domingos; eu gostando de órgãos barrocos, de imperialismos jesuíticos e das
missas cenográficas e repletas de pratas dos Mártires – e isto é só um exemplo)
e das perspetivas que tínhamos em comum, advogado de coragem rara (que
abandonou os confortos e a segurança da capital para ir viver os seus sonhos) –
vai casar. Eu, por minha parte, não posso deixar de me sentir, por um lado, irremediavelmente,
mais velho; por outro, muito satisfeito pelo amigo que encontrou a felicidade
junto da Nina, uma rapariga que ainda não tenho a sorte de conhecer; e, por outro
lado ainda, agradecido ao Pio, que me permitiu conhecer o Marcos, e construir
uma amizade tão sólida que nem a distância esmorece.
Um dia, daqui a uns
anos, talvez tenha o prazer de ver algum dos Cabrais ou dos PL da nova geração,
que queira estudar em Lisboa, ter vontade de se alojar no Pio, o colégio que
ainda tanto me diz. Nessa altura, acho que não resistirei a mostrar-lhe o meu pin, a desejar que fique (as boas
tradições são para se manter!) no H10… e que se divirta tanto e faça tão bons
amigos como eu tive a sorte de fazer.
Muitos parabéns,
Marcos! J
(Quis incluir alguma
das nossas fotos no Pio, mas não tenho nenhuma em Leiria… Fica uma da cripta e outra do court)
PS: este blogue foi
começado a escrever… no H10! J
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