Tuesday, February 18, 2014

Bibliófilos do/no facebook

Há já umas semanas que corre no facebook um desafio que encoraja os utilizadores daquela rede social a escolherem dez livros que os marcaram durante a vida. Tenham 15 ou 95 anos, não podem escolher mais do que a dezena prescrita (fica em aberto se as coleções ou as trilogias devem ser consideradas como um item ou vários) e – acima de tudo – é recomendável que o façam com a ligeireza que estas graçolas demandam. Não se assume qualquer vínculo, não se acata nenhum compromisso. Pensa-se nalguns dos livros que fazem ou fizeram parte do nosso quotidiano e listam-se os respetivos títulos e autores. Depois, pede-se o mesmo a uns tantos amigos. E assim sucessivamente. A iniciativa – que é básica e inocente – conheceu bastante adesão. Eu confesso que já fiz o meu rol e que (será isto reflexo do voyeurismo que dizem que o facebook acaba por promover entre os seus utilizadores??) tenho lido com uma pinga de interesse os de outros – conhecidos, amigos ou pessoas sobre as quais não sei grande coisa. Admito que tal já me valeu alguns sorrisos e, mais importante, me permitiu (sempre com a minha mania de padronizar e classificar) criar algumas categorias entre as quais julgo poderem ser repartidos aqueles a quem este “desafio” foi proposto. Sob pena de excluir casos não subsumíveis a nenhuma destas classes, creio que incluem boa parte do universo em análise:
GRUPO I: OS INDIFERENTES Aqui cabem vários tipos de reações. Por um lado, temos os que acharam o desafio uma cretinice e nem sequer se dignaram a pensar nele. Por outro, os que não tiveram (ainda?) oportunidade para lançar mãos ao trabalho. Este foi suplantado por outras prioridades. Finalmente, há os que ou não gostam pura e simplesmente de ler ou apesar de até “consumirem” um livro de tempos a tempos não leram o suficiente (e os suficientes) para conseguirem ter uma visão panorâmica quanto baste que lhes permita andar a escolher obras preferidas/marcantes. São tudo atitudes legítimas.
GRUPO II: OS MEDROSOS Este é um punhado de gente interessante, que inclui várias fações. Penso concretamente nos que apesar de até conseguirem facilmente estabelecer o seu ranking não o fazem por terem receio do que os demais possam pensar. Temem que as suas escolhas não sejam suficientemente eruditas, ricas, variadas, originais… e assim, a meu ver, demonstram que realmente não fazem parte do grupo dos genuínos amantes de livros. Quem gosta de ler e de livros sabe e percebe que há uma enorme gama de tendências, que variam não só de pessoa para pessoa como relativamente a cada um de nós. As preferências bibliográficas mudam conforme a idade, o sítio onde estamos, a altura do ano (uma das leitoras mais compulsivas que conheço lê por exemplo muitíssimo mais numa das metades do ano), com quem estamos, o nosso estado de espírito, o tipo de trabalho que nos achamos a desenvolver…
Devo confessar que acho este grupo um bocadinho desprezível.
GRUPO III: OS VERDADEIROS LEITORES Neste apartado incluo os que tiveram a honestidade e a ausência de pruridos tontos bastantes para com toda a naturalidade elencarem uma mão cheia de títulos que lhes dizem efetivamente alguma coisa. Ou que a dada altura da sua vida desempenharam um papel muito especial. Sem dramas nem subterfúgios e sabendo perfeitamente que nem todas as obras que nos moldaram têm se ter marcos da literatura ou trabalhos mundialmente aclamados. Mais: sabendo que uma verdadeira lista deste género não tem (ia mesmo escrever que não deve) ser totalmente coerente. E que quando feita com honestidade facilmente espelhará – para todos aqueles que a percorrerem – a essência do seu autor. É realmente interessante constatar em como algumas destas pessoas conseguiram efetivamente apresentar uma relação de obras que têm tudo a ver com elas. Com diferentes facetas e aspetos da sua vida – todos importantes, interligados e fundamentais para se compreender a personalidade do verdadeiro leitor que está em causa.
GRUPO IV: AS PATÉTICAS FRAUDES Deixo propositadamente este grupo para último lugar. Creio que sabem a quem me refiro. Nada mais, nada menos do que aos que fizeram listas “politicamente corretas”. De entre os dez títulos que criteriosamente escolheram (sabe-se lá se roubando-os a alguma página da net de onde constem as mais incríveis obras da literatura mundial ou àqueles resumos do género Conheça em 5 minutos as 50 obras-primas da literatura) constam única e exclusivamente títulos batidos de livros universalmente aclamados. Não é que eu desaconselhe a leitura de Dostoievski, Tolstoi, Duras, Proust, Dante, Kafka, Virginia Woolf e Platão. Mas os membros do grupo IV desconhecem duas verdades terríveis. Por um lado, que quem gosta realmente de ler e efetivamentesabe que nem só de Kafka vive o homem… Por outro, que se percebe (e não tem de se abordar o assunto de forma clara) quando alguém leu ou não determinados livros…

Eu continuo a defender o mesmo: há que temer muito mais os que escondem o romance de José Rodrigues dos Santos debaixo da sobrecapa de Tosltoi do que os que abertamente dizem que leram Fúria Divina. A minha Trisavó afirmava que um homem mau era melhor do que um homem estúpido pois o mau pode tornar-se bom mas o estúpido jamais se conseguirá tornar esperto. É fácil adaptar esta máxima ao universo de certos pretensos leitores.

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