Bibliófilos do/no facebook
Há
já umas semanas que corre no facebook um
desafio que encoraja os utilizadores daquela rede social a escolherem dez
livros que os marcaram durante a vida. Tenham 15 ou 95 anos, não podem escolher
mais do que a dezena prescrita (fica em aberto se as coleções ou as trilogias
devem ser consideradas como um item ou vários) e – acima de tudo – é recomendável
que o façam com a ligeireza que estas graçolas demandam. Não se assume qualquer
vínculo, não se acata nenhum compromisso. Pensa-se nalguns dos livros que fazem
ou fizeram parte do nosso quotidiano e listam-se os respetivos títulos e
autores. Depois, pede-se o mesmo a uns tantos amigos. E assim sucessivamente. A
iniciativa – que é básica e inocente – conheceu bastante adesão. Eu confesso
que já fiz o meu rol e que (será isto reflexo do voyeurismo que dizem que o facebook
acaba por promover entre os seus utilizadores??) tenho lido com uma pinga de
interesse os de outros – conhecidos, amigos ou pessoas sobre as quais não sei
grande coisa. Admito que tal já me valeu alguns sorrisos e, mais importante, me
permitiu (sempre com a minha mania de padronizar e classificar) criar algumas
categorias entre as quais julgo poderem ser repartidos aqueles a quem este “desafio”
foi proposto. Sob pena de excluir casos não subsumíveis a nenhuma destas
classes, creio que incluem boa parte do universo em análise:
GRUPO I: OS
INDIFERENTES Aqui cabem vários tipos de reações. Por
um lado, temos os que acharam o desafio uma cretinice e nem sequer se dignaram
a pensar nele. Por outro, os que não tiveram (ainda?) oportunidade para lançar
mãos ao trabalho. Este foi suplantado por outras prioridades. Finalmente, há os
que ou não gostam pura e simplesmente de ler ou apesar de até “consumirem” um
livro de tempos a tempos não leram o suficiente (e os suficientes) para
conseguirem ter uma visão panorâmica quanto baste que lhes permita andar a
escolher obras preferidas/marcantes. São tudo atitudes legítimas.
GRUPO II: OS MEDROSOS
Este é um punhado de gente interessante, que inclui várias fações. Penso
concretamente nos que apesar de até
conseguirem facilmente estabelecer o seu ranking
não o fazem por terem receio do que os demais possam pensar. Temem que as
suas escolhas não sejam suficientemente eruditas, ricas, variadas, originais… e
assim, a meu ver, demonstram que realmente não fazem parte do grupo dos
genuínos amantes de livros. Quem gosta de ler e de livros sabe e percebe que há
uma enorme gama de tendências, que variam não só de pessoa para pessoa como
relativamente a cada um de nós. As preferências bibliográficas mudam conforme a
idade, o sítio onde estamos, a altura do ano (uma das leitoras mais compulsivas
que conheço lê por exemplo muitíssimo mais numa das metades do ano), com quem
estamos, o nosso estado de espírito, o tipo de trabalho que nos achamos a
desenvolver…
Devo
confessar que acho este grupo um bocadinho desprezível.
GRUPO III: OS
VERDADEIROS LEITORES Neste apartado incluo os que tiveram a honestidade
e a ausência de pruridos tontos bastantes para com toda a naturalidade
elencarem uma mão cheia de títulos que lhes dizem efetivamente alguma coisa. Ou
que a dada altura da sua vida desempenharam um papel muito especial. Sem dramas
nem subterfúgios e sabendo perfeitamente que nem todas as obras que nos
moldaram têm se ter marcos da literatura ou trabalhos mundialmente aclamados.
Mais: sabendo que uma verdadeira lista
deste género não tem (ia mesmo escrever que não deve) ser totalmente coerente. E que quando feita com
honestidade facilmente espelhará – para todos aqueles que a percorrerem – a essência
do seu autor. É realmente interessante constatar em como algumas destas pessoas
conseguiram efetivamente apresentar uma relação de obras que têm tudo a ver com elas. Com diferentes
facetas e aspetos da sua vida – todos importantes, interligados e fundamentais
para se compreender a personalidade do verdadeiro
leitor que está em causa.
GRUPO IV: AS PATÉTICAS
FRAUDES Deixo propositadamente este grupo para último
lugar. Creio que sabem a quem me refiro. Nada mais, nada menos do que aos que
fizeram listas “politicamente corretas”. De entre os dez títulos que criteriosamente
escolheram (sabe-se lá se roubando-os a alguma página da net de onde constem as
mais incríveis obras da literatura
mundial ou àqueles resumos do género Conheça
em 5 minutos as 50 obras-primas da literatura) constam única e
exclusivamente títulos batidos de livros universalmente aclamados. Não é que eu
desaconselhe a leitura de Dostoievski, Tolstoi, Duras, Proust, Dante, Kafka,
Virginia Woolf e Platão. Mas os membros do grupo IV desconhecem duas verdades terríveis.
Por um lado, que quem gosta realmente de
ler e efetivamente lê sabe que nem só
de Kafka vive o homem… Por outro, que se percebe
(e não tem de se abordar o assunto de forma clara) quando alguém leu ou não
determinados livros…
Eu
continuo a defender o mesmo: há que temer muito mais os que escondem o romance
de José Rodrigues dos Santos debaixo da sobrecapa de Tosltoi do que os que
abertamente dizem que leram Fúria Divina.
A minha Trisavó afirmava que um homem mau era melhor do que um homem estúpido pois
o mau pode tornar-se bom mas o estúpido jamais se conseguirá tornar esperto. É
fácil adaptar esta máxima ao universo de certos pretensos leitores.
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