Saturday, November 23, 2013

A IMPRESTABILIDADE DA UNIFORMIZAÇÃO

Há meia dúzia de dias tive a oportunidade de participar (ativamente) numa aula aberta para a qual foi convidado um jovem deputado pertencente à atual maioria governamental. A sessão foi estimulante desde logo por ter permitido a discussão sobre uma série de temas que atualmente preocupam todos – desde alunos a professores – os que se debruçam minimamente sobre o estado do país e sobre o enquadramento jurídico de vários dos principais obstáculos com que nos temos de defrontar.
A dado momento, o nosso visitante sublinhou com algum ênfase a velha tese de que nós portugueses nos devíamos inspirar mais nos suecos; ser mais nórdicos, enfim.
Ora, embora compreendendo o alcance das suas palavras – e mesmo (ainda que com algum esforço) reconhecendo que as mesmas pretendem transmitir uma mensagem positiva – é-me impossível perfilhar esta teoria ou qualquer outra sua semelhante. Cada vez me convenço mais de que se durante os anos da parvoeira (os teen) nos esforçamos (ou pelo menos que a maioria de nós o faz) seriamente para nos integrarmos num determinado grupo, ou tribo, ou estereótipo, também encetamos um caminho inverso ao alcançar a idade adulta. Isto é: à ideia de integro-me porque sou parecido com eles sucede (desejavelmente) a tese do integram-me pelo que eu sou e por ter potenciais que lhes interessam/fascinam/desafiam/estimulam. Basicamente: começamos a ficar mais certos das nossas qualidades, a manejar melhor os defeitos que nos infernizam e – literalmente (no sentido da bem conhecida parábola) – a pôr os talentos a render. Quando se passa a trintena, ninguém quer ter de se haver com duplicados – é a velha e certeira máxima de a fotocópia ser sempre pior do que o original. E tendo-se tantos originais à mão, quem se contentará com reproduções mais ou menos eficazmente repintadas? Duvido seriamente de que alguém com um pingo de amor-próprio e de curiosidade o faça. Não há pachorra para gente uniforme e monocórdica e tudo o que desejamos é encontrar um punhado de almas com que simultaneamente nos identifiquemos e que nos desafiem/estimulem. Um equilíbrio difícil e uma meta ambiciosa, é certo – mas nesta idade quem é que se compadece com projetos fáceis?
Tal atitude acaba contudo por se tornar num pau de dois bicos, pelo que importa manejá-lo cuidadosamente. Por um lado, temos de descobrir o que há de especial (ou extraordinário, no sentido literal da palavra) em cada um de nós e trabalhar esse filão. Existem porém obstáculos a isto. Em primeiro lugar, dá trabalho. Em segundo lugar, implica uma certa exposição e uma dose (calculável) de risco. Se eu me afirmo por X e Y convém que quando for preciso consiga demonstrar a verdade do que digo. Por outro lado, há que combater a tendência que todos temos para a banalização. É que, se é certo que qualquer um está ciente das suas múltiplas potencialidades, também o é que todos frequentemente cedemos a não provocar ondas, a seguir o que existe e o que já está feito por ser mais fácil (pelo menos num primeiro momento). Isto é, trocamos a adrenalina de sermos nós mesmos pelo conforto aparente de uma existência semi-etérea em que estamos presentes em tudo mas não participamos em nada. Um pouco como figurantes, ou atores muito secundários. Gente que se vê com prazer, para quem se sorri, mas por quem se passa com indiferença e depressa se esquece. Por outro lado ainda, há que concatenar tudo isto. Lá por desejar pôr os meus talentos a render, não me posso esquecer de que o faço integrado num grupo e que o faço (ainda que de forma relativamente inconsciente) para ser integrado nesse grupo (e integração, para mim, significa desempenhar um papel ativo). Se me perder numa espiral de egotismo, duvido que tal me vá servir de muito. Finalmente, o último aspeto a tomar em consideração é o sentimento de culpa ou mesmo de transgressão que nos assalta quando cedemos à inércia, à uniformização ou a estímulos que sabemos ser passageiros e infrutíferos e abandonamos a nossa especificidade para nos juntarmos à carneirada. É a pena que comina os que sabem que podiam ter feito mais ou de forma diferente mas que resolveram deixar-se ir. E custa que se farta – para além de em regra (já todos passámos por situações do género) ter tendência a revelar-se uma experiência bastante secante. Quem já não sentiu na pele o ferrete da velha máxima britânica sometimes I pretend to be normal but it gets boring so I go back to be me?
Foi do que me lembrei ao ouvir o tal deputado – rapaz empenhado, certamente acreditando nos seus conselhos de nos tornarmos um bocadinho mais nórdicos. Mas o que se passa com cada um de nós não acontecerá também com o nosso país? Não temos por vezes a tendência de o querermos converter numa versão xerox e latina de uma realidade nórdica impossível (e atrevo-me a acrescentar, sem qualquer ofensa para os nossos vizinhos das terras gélidas, indesejada)?
Este não é naturalmente um problema exclusivo dos dias de hoje: recordo-me bem de ter estudado as obsessões com a suiçificação de Portugal nos alvores do século XX e da obsessão com o pobre do Numa Droz – cujas doutrinas quiseram impor a camartelo entre nós. O resultado está à vista…
Se calhar, o segredo passa por tentarmos encontrar para o país o equilíbrio que procuramos para cada um de nós. O país já não é um adolescente tonto que não sabe bem o que quer nem o que virá a ser. Tem uma identidade e uma maneira de encarar a realidade. Não deveríamos partir – muito simplesmente, muito calmamente, muito orgulhosamente – desse pressuposto?
Eu prezo a possibilidade de ter o IKEA à porta para aí comprar estantes billy; gostei imensamente quando era miúdo de ler A maravilhosa viagem de Nils Holgersson e os Emílios da Astrid Lindgren; espero visitar Estocolmo e ver os fiordes; fico verdadeiramente satisfeito com a qualidade de vida na Dinamarca e como todos os verdadeiros amantes de bacalhau tenho uma simpatia especial pelos mares noruegueses. Mas não quero que as billy substituam a minha velha e portuguesa secretária de torcidos, nem que o Nils pontapeie os seus congéneres lusitanos. E porque diabo a terrina onde o Emílio meteu a cabeça não pode ser mandarim e ter vindo de Macau? E apesar de apreciar o bacalhau do mar da noruega tal não significa nem que vá tentar fazer cultura de bacalhaus nas nossas águas nem que comece a desejar trocar o mar onde gosto tanto de mergulhar por aqueles paraísos gelados!

Para que precisará a europa – e o mundo – de um país onde se façam sucedâneos das billy, se tente infrutiferamente criar bacalhaus em águas demasiado quentes e se tente imitar sem sucesso (e com uma boa dose de ridículo) um estilo de vida característico de outra parte do planeta? 


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