GIN TASTING EM LEIRIA (uma quase crónica social)
-
Vocês vão ao gin tasting?
Dois
pares de olhos esbugalhados fitaram-me.
-
ONDE?!?
- Oh, burros! Ao gin
tasting! A prova de gin’s que vai haver
no mercado de Santana no próximo sábado! Vão? Eu vou. Talvez possamos combinar.
- Tu BEBES gin?
- É claro que bebo gin,
e gosto muito. Já bebo gin há que séculos e acho estranhíssimo que vocês, que
têm a minha idade, me façam essas perguntas! Qual é a vossa marca de gin
preferida?... erh… isto é, partindo do princípio que vocês têm uma…
- Nós não bebemos gin! –
disseram em uníssono os meus colegas de ténis.
- Eu só bebo cerveja e
vinho tinto – disse um.
(Confesso
que estive para lhe perguntar se bebia vinho tinto às 3 da manhã, mas
ocorreu-me de repente que talvez ele não saísse muito à noite!).
- O gin não faz mal? Tipo,
não é uma bebida que se deve consumir com cuidado? –
perguntou o outro.
- Gin NÃO é absinto! – retorqui
eu, a começar a ficar exasperado.
Pegámos
nas raquetes e achei mais prudente deixar a conversa por ali.
Era
no entanto um contratempo não quererem vir. Ainda tentei desafiar duas das
amigas que mais fielmente me acompanham a estes eventos. Mas uma estava junto à
ria e outra na serra. Argh! Azar dos azares! Valeria mesmo assim a pena ir
espreitar?
O
meu Pai, que me conhece mais do que diz, arranjou-me um convite. Eu ainda
reclamei (coitado do Pai, que para além de me desencantar estas facilidades por
vezes tem de me ouvir!) um bocado (Agora tenho
mesmo de ir!! E se não me apetecer? E se for uma chunguice?”), mas depois dei-lhe
razão. Isto porque o meu progenitor saberia certamente três coisas: (i) que embora eu reclamasse ia achar
graça aparecer (saber-me-ia bem depois de uma manhã de aulas e de uma tarde de
estudo, para além de ser óbvio que eu gosto de gin e que não sou nada indiferente a estas iniciativas da moda… nem que seja para dizer eu não fui, mas até tinha convite…); (ii) que mal tivesse noção de que o bilhete custava 15 euros a
minha costela Mathias bloquearia qualquer vontade em ir espreitar o evento; e (iii) que eu adoro ter convites ,
entradas vip, atendimentos personalizados, and
so long.
Assim,
munido do meu salvo-conduto (esteticamente bastante bem conseguido, muito art deco), não tive de secar numa fila,
comprei um balão para beber o gin (3
euros), puseram-me uma pulseirinha no pulso e consideraram-me apto para entrar.
Em
ocasiões de gala, Leiria veste inevitavelmente Korrodi. Esta não foi uma
exceção e o evento teve lugar no antigo mercado de Santana – um local excelente
para o albergar. O espaço central da antiga praça da cidade foi provisoriamente
coberto e convidaram um dj conhecido. À entrada, tinha-se a estranha sensação
de algo estar errado: era como se estivéssemos a chegar a uma discoteca às…
sete e meia da tarde! Uma bizarra matinée,
portanto! O recinto achava-se repartido entre vários balcões, cada qual correspondendo
a uma marca diferente. Apesar de gostar de gin,
confesso que não conhecia a maior parte delas. De espaços a espaços, havia uns
pequenos lavatórios com sifão para se lavarem os copos entre provas de gin de marca diferente.
Conscienciosamente, tinha decidido beber apenas dois copos, um dos quais seria
inevitavelmente da minha marca preferida: Hendricks. Comecei por aí. É
realmente interessante ver como os especialistas preparam as bebidas nestes
certames. Com múltiplos cuidados e enormes requintes, um rapaz com um chapéu de
coco e vestido como os meus trisavós aprestou e entregou-me a minha, que estava
uma delícia. De copo na mão, era altura de dar uma vista de olhos, para analisar o
ambiente.
Entre
meia dúzia de caras vagamente conhecidas, creio que estava presente boa parte
do que se pode chamar os filhos dos
moldes. Isto é, os herdeiros dos empresários locais que fizeram dinheiro
nos moldes e nos plásticos. Com os seus casacos de malha esterlicados, relógios
vistosos e pulseiras entrançadas à Adolfo Mesquita Nunes, distinguem-se a
milhas. Os poucos séniores optavam pelos clássicos blazers azul-escuros. As meninas locais usavam os seus vestidos
escuros justos (à mistura com uma ou outra envergando incompreensíveis peças
com padrões animais) e sentavam-se com displicência pelas cadeiras e demais assentos
dispostos pelo recinto. Vários usavam uns ridículos panamás pretos e brancos que a organização devia ter distribuído.
Uma
menina loura e simpática desafiou o escriba (que é alourado e, quando quer,
também simpático) de forma simultaneamente educada e comedidamente atrevida
para participar num concurso qualquer que envolvia tirar uma foto para pôr no
facebook. O escriba declinou, naturalmente, mas não deixou de pensar Afinal isto está mais civilizado do que eu
esperava. Vãs ilusões, meus caros, vãs ilusões! Mal a nega foi dada, ainda
que embrulhada em amabilidade, uma companheira da menina, pouco loura e nada
simpática, irrompeu à minha frente vociferando:
-
Atão você não quer tirar a foto que a
minha colega pediu??!
Enfim…
todos os créditos que o meeting tinha
ganho nos últimos cinco minutos se esfarelaram irremediavelmente com aquele atão e aquele você!
Mas
novas surpresas estavam reservadas. Um pouco adiante, encontrei dois dos mais
empenhados dos meus alunos políticos.
Convém dizer que eu acho imensa graça a esta categoria de estudantes que me
passam pelas mãos. Inapelavelmente fazendo parte da licenciatura em
administração pública, vibram com tudo o que seja partidário e eleiçoeiro,
passam a vida em campanhas e cabalas políticas e politizadas, adoram debates inflamados…
e, a bem da verdade, gozam de uma (espero que discreta) proteção do seu professor
de IAP. Lá estavam eles, um dos quais com o ridículo chapelinho da praxe, a
comentar qualidades de gin. Afinal, o
gin até pode ser considerado uma
bebida “de políticos” – ou, pelo menos, de aspirantes a políticos que gostam de
seguir as modas.
-
Oh Professor, não me diga que está a
beber HENDRICKS!!
- Claro que estou a
beber Hendricks. Eu gosto imenso de Hendricks e é o único gin que bebo há já
uns tempos.
- Oh Professor! Como é
que é possível que não esteja a beber Botanic!!??
- Nem sei o que isso é:
nunca provei!
- Oh Professor!! Não
pode ser! Nem diga isso! Tem de ir provar já!!
(Bom,
perante tal veemência lá me decidi que o segundo copo tinha mesmo de ser do tal botanic).
- O Professor vai
gostar imenso! Olhe, o balcão é já este!
Olhei
com alguma apreensão as misturas coloridas que os barmen iam preparando.
- Hummm… meninos, não
gosto muito de gin’s multicolores… mas eu experimento. Vou circular um bocado
mais e já vou à banca do Botanic.
Circulei
entre os presentes, entretido naquela espécie de colagem do Upper East Side possível à realidade
local, acabei o Hendricks e lá me predispus a seguir o conselho dos meus
antigos alunos. Escolhi um botanic
classic com umas amêndoas laminadas, que me pareceu tentador e foi sugerido
por um empregado solícito. Não me arrependi! Apesar de não chegar aos pés do
Hendricks, é uma ótima alternativa (fãs de gin,
se ainda não experimentaram, abalancem-se!). E foi de botanic na mão que aproveitei a última das coisas boas deste gin tasting leiriense: como o mercado de
Santana é no centro da cidade, era possível aos presentes percorrerem o velho
casco histórico de copo da mão, beberricando o seu gin enquanto trocavam meia dúzia de palavras ou espreitavam as
montras das redondezas.
Uma
solução agradável e que soube combinar a cidade com o evento… enquanto as pedras
de gelo e as amêndoas se iam misturando na bebida de fim de tarde.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home