Sunday, October 20, 2013

GIN TASTING EM LEIRIA (uma quase crónica social)

- Vocês vão ao gin tasting?
Dois pares de olhos esbugalhados fitaram-me.
- ONDE?!?
- Oh, burros! Ao gin tasting! A prova de gin’s que vai haver no mercado de Santana no próximo sábado! Vão? Eu vou. Talvez possamos combinar.
- Tu BEBES gin?
- É claro que bebo gin, e gosto muito. Já bebo gin há que séculos e acho estranhíssimo que vocês, que têm a minha idade, me façam essas perguntas! Qual é a vossa marca de gin preferida?... erh… isto é, partindo do princípio que vocês têm uma…
- Nós não bebemos gin! – disseram em uníssono os meus colegas de ténis.
- Eu só bebo cerveja e vinho tinto – disse um.
(Confesso que estive para lhe perguntar se bebia vinho tinto às 3 da manhã, mas ocorreu-me de repente que talvez ele não saísse muito à noite!).
- O gin não faz mal? Tipo, não é uma bebida que se deve consumir com cuidado? – perguntou o outro.
- Gin NÃO é absinto! – retorqui eu, a começar a ficar exasperado.
Pegámos nas raquetes e achei mais prudente deixar a conversa por ali.
Era no entanto um contratempo não quererem vir. Ainda tentei desafiar duas das amigas que mais fielmente me acompanham a estes eventos. Mas uma estava junto à ria e outra na serra. Argh! Azar dos azares! Valeria mesmo assim a pena ir espreitar?
O meu Pai, que me conhece mais do que diz, arranjou-me um convite. Eu ainda reclamei (coitado do Pai, que para além de me desencantar estas facilidades por vezes tem de me ouvir!) um bocado (Agora tenho mesmo de ir!! E se não me apetecer? E se for uma chunguice?”), mas depois dei-lhe razão. Isto porque o meu progenitor saberia certamente três coisas: (i) que embora eu reclamasse ia achar graça aparecer (saber-me-ia bem depois de uma manhã de aulas e de uma tarde de estudo, para além de ser óbvio que eu gosto de gin e que não sou nada indiferente a estas iniciativas da moda… nem que seja para dizer eu não fui, mas até tinha convite…); (ii) que mal tivesse noção de que o bilhete custava 15 euros a minha costela Mathias bloquearia qualquer vontade em ir espreitar o evento; e (iii) que eu adoro ter convites , entradas vip, atendimentos personalizados, and so long.
Assim, munido do meu salvo-conduto (esteticamente bastante bem conseguido, muito art deco), não tive de secar numa fila, comprei um balão para beber o gin (3 euros), puseram-me uma pulseirinha no pulso e consideraram-me apto para entrar.
Em ocasiões de gala, Leiria veste inevitavelmente Korrodi. Esta não foi uma exceção e o evento teve lugar no antigo mercado de Santana – um local excelente para o albergar. O espaço central da antiga praça da cidade foi provisoriamente coberto e convidaram um dj conhecido. À entrada, tinha-se a estranha sensação de algo estar errado: era como se estivéssemos a chegar a uma discoteca às… sete e meia da tarde! Uma bizarra matinée, portanto! O recinto achava-se repartido entre vários balcões, cada qual correspondendo a uma marca diferente. Apesar de gostar de gin, confesso que não conhecia a maior parte delas. De espaços a espaços, havia uns pequenos lavatórios com sifão para se lavarem os copos entre provas de gin de marca diferente. Conscienciosamente, tinha decidido beber apenas dois copos, um dos quais seria inevitavelmente da minha marca preferida: Hendricks. Comecei por aí. É realmente interessante ver como os especialistas preparam as bebidas nestes certames. Com múltiplos cuidados e enormes requintes, um rapaz com um chapéu de coco e vestido como os meus trisavós aprestou e entregou-me a minha, que estava uma delícia. De copo na mão, era altura de dar uma vista de olhos, para analisar o ambiente.
Entre meia dúzia de caras vagamente conhecidas, creio que estava presente boa parte do que se pode chamar os filhos dos moldes. Isto é, os herdeiros dos empresários locais que fizeram dinheiro nos moldes e nos plásticos. Com os seus casacos de malha esterlicados, relógios vistosos e pulseiras entrançadas à Adolfo Mesquita Nunes, distinguem-se a milhas. Os poucos séniores optavam pelos clássicos blazers azul-escuros. As meninas locais usavam os seus vestidos escuros justos (à mistura com uma ou outra envergando incompreensíveis peças com padrões animais) e sentavam-se com displicência pelas cadeiras e demais assentos dispostos pelo recinto. Vários usavam uns ridículos panamás pretos e brancos que a organização devia ter distribuído.
Uma menina loura e simpática desafiou o escriba (que é alourado e, quando quer, também simpático) de forma simultaneamente educada e comedidamente atrevida para participar num concurso qualquer que envolvia tirar uma foto para pôr no facebook. O escriba declinou, naturalmente, mas não deixou de pensar Afinal isto está mais civilizado do que eu esperava. Vãs ilusões, meus caros, vãs ilusões! Mal a nega foi dada, ainda que embrulhada em amabilidade, uma companheira da menina, pouco loura e nada simpática, irrompeu à minha frente vociferando:
- Atão você não quer tirar a foto que a minha colega pediu??!
Enfim… todos os créditos que o meeting tinha ganho nos últimos cinco minutos se esfarelaram irremediavelmente com aquele atão e aquele você!
Mas novas surpresas estavam reservadas. Um pouco adiante, encontrei dois dos mais empenhados dos meus alunos políticos. Convém dizer que eu acho imensa graça a esta categoria de estudantes que me passam pelas mãos. Inapelavelmente fazendo parte da licenciatura em administração pública, vibram com tudo o que seja partidário e eleiçoeiro, passam a vida em campanhas e cabalas políticas e politizadas, adoram debates inflamados… e, a bem da verdade, gozam de uma (espero que discreta) proteção do seu professor de IAP. Lá estavam eles, um dos quais com o ridículo chapelinho da praxe, a comentar qualidades de gin. Afinal, o gin até pode ser considerado uma bebida “de políticos” – ou, pelo menos, de aspirantes a políticos que gostam de seguir as modas.
- Oh Professor, não me diga que está a beber HENDRICKS!!
- Claro que estou a beber Hendricks. Eu gosto imenso de Hendricks e é o único gin que bebo há já uns tempos.
- Oh Professor! Como é que é possível que não esteja a beber Botanic!!??
- Nem sei o que isso é: nunca provei!
- Oh Professor!! Não pode ser! Nem diga isso! Tem de ir provar já!!
(Bom, perante tal veemência lá me decidi que o segundo copo tinha mesmo de ser do tal botanic).
- O Professor vai gostar imenso! Olhe, o balcão é já este!
Olhei com alguma apreensão as misturas coloridas que os barmen iam preparando.
- Hummm… meninos, não gosto muito de gin’s multicolores… mas eu experimento. Vou circular um bocado mais e já vou à banca do Botanic.
Circulei entre os presentes, entretido naquela espécie de colagem do Upper East Side possível à realidade local, acabei o Hendricks e lá me predispus a seguir o conselho dos meus antigos alunos. Escolhi um botanic classic com umas amêndoas laminadas, que me pareceu tentador e foi sugerido por um empregado solícito. Não me arrependi! Apesar de não chegar aos pés do Hendricks, é uma ótima alternativa (fãs de gin, se ainda não experimentaram, abalancem-se!). E foi de botanic na mão que aproveitei a última das coisas boas deste gin tasting leiriense: como o mercado de Santana é no centro da cidade, era possível aos presentes percorrerem o velho casco histórico de copo da mão, beberricando o seu gin enquanto trocavam meia dúzia de palavras ou espreitavam as montras das redondezas.

Uma solução agradável e que soube combinar a cidade com o evento… enquanto as pedras de gelo e as amêndoas se iam misturando na bebida de fim de tarde.

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