Em Londres, com poucas libras e muito que fazer
-
Oh pah, ela está a dizer que não é preciso trocar muitos euros por libras… que
aceitam euros em quase todas as lojas da cidade…
-
Hummmm… olha que não foi nada disso que me disseram…
-
Mas a taxa de câmbio é brutal! Eles são uns ladrões! Já viste: ficam-nos logo
com 3 libras!
-
E três libras dá mesmo quantos euros?
-
Vê na máquina!...
-
Não dá tempo!
-
Olhem, vocês façam o que quiserem. EU disse que era melhor trazer já libras de
Portugal.
-
E EU digo que isso foi uma estupidez: sabes lá de quanto dinheiro vais
precisar!
-
Fiz um cálculo: se for necessário mais, troco.
-
E se acontecer o contrário?
-
Ora, fico com meia dúzia de libras em casa. Até dá jeito, para a próxima vez
que cá vier.
-
Mas QUEM é que faz isso? Depois, quando precisares efetivamente delas, não as
vais achar!
-
Claro que vou! Arruma-las num envelope!
-
E perdes o envelope!
-
Não, se tiveres vários envelopes com dinheiro de diferentes países, para quando
precisares. Género rupias, para Goa.
-
Tinha de ser… Goa!
-
Olha, despachem-se mas é, que a paquistanesa está a olhar para nós com cara de
seca!
-
Paquistanesa? Como sabes que ela é paquistanesa, e não indiana?
-
Sei lá… sei, pronto! Acho que é…
-
Eu também acho que é…
-
Eu acho que não…
-
Ela nem sequer é muçulmana!
-
Como sabes??
-
Tem um símbolo hindu!
-
“Símbolo hindu”? Que raio de coisa: nem sabes o nome do tal símbolo, como é que
sabes que ele é hindu?
-
E há montes de muçulmanos na Índia!
-
Mas não são assim tantos em Goa!
-
Mas a Índia não é só Goa!
-
Pois não, também há Damão e Diu… e o bandel de Ugly e a ilha de Angediva!
-
Mas ela não é goesa…
-
Definitivamente não. Caso contrário seria mais amável e mais verdadeira: e
dir-nos-ia que NINGUÉM vai aceitar euros!
-
Sirs, please…
-
Vá, vão lá trocar os euros. Daqui a um bocado ficamos sem dinheiro, sem
bagagens, sem resto do grupo!
E assim começou o
périplo!
É verdade: o nosso
grupo jurídico-histórico (FDUNL/ICS) deslocou-se na passada semana a Londres, a
antiga cabeça do imenso mundo britânico, para conferenciar e dissertar aos
londrinos que nisso vissem algum interesse (poucos o fizeram, convenhamos…)
sobre as maravilhas (e os aspetos menos maravilhosos, também) do antigo império
ultramarino português e das soluções miméticas (Como se diz? Mimésis ou Mímesis??) que nele fomos detetando. Entre
investigadores e bolseiros, éramos uma magra dezena – pequenos em número, é
certo, mas grandes em craveira. Foram uns dias escassos e muitíssimo cheios,
repletos de trabalho e, em cada minuto possível, de escapadelas para conhecermos
um pouco melhor a cidade. E dias cheios de paradoxos, também. Pensemos em meia
dúzia mal contada deles:
PARADOXO Nº 1: estivemos
em Londres, e nunca comemos nada que se assemelhasse a comida inglesa! Nem uns
banalíssimos e modestos fish and chips!
Nós ainda tentámos, mas os esforços saíram sempre baldados! Tirando os dias em
que nos apressámos a comer qualquer coisa em
andamento (sandochas de atum não são apanágio da cozinha britânica!) ou em
atacar um prato o mais velozmente possível (e o Pedro Ferreira revelou mais um
dos seus talentos: descobrir restaurante bem localizados que não nos levassem
mais libras do que as que tínhamos!) – o qual, guess!, foi a italianada rápida da praxe – alimentámo-nos de
cozinha oriental. Sim! Comemos muito mais caril do que marmalade e indubitavelmente mais noodles do que roast beef na
capital da Velha Aliada!
PARADOXO Nº 2: como
é que um casaco da Zara e uma rapariga apavorada nos valem a descoberta de um
bar? Parte de nós, desejosos de explorar a cidade e experimentar os
célebres pints, aproveitou as cálidas
(enfim, para os padrões locais!) noites londrinas para conhecer melhor as
redondezas. Como estávamos instalados na Russel
Square, tudo ficava muito próximo e urgia desentorpecer as pernas, a fim de
digerir as solenes conversas e reflexões em torno de questões “imperiais” bem
como o caril deglutido. No entanto, é bem sabido que o que, para nós,
portugueses – raça latina degenerada, que não se deita a horas decentes – se pode
considerar como “ainda muito cedo”
equivale ao que para o londrino médio é “tardíssimo”!
Por tal, enquanto percorríamos as ruas cheias de transeuntes que se passeavam
entre portas fechadas e montras de ar sombrio, íamos pensando no que fazer para
encontrar um bar interessante, relativamente perto de casa e que, acima de tudo,
estivesse ainda aberto. Três coisas nos valeram nesta demanda: (1) o Please, do you have a lighter? repetido até à exaustão pelo Manel –
que fuma ininterruptamente (embora o negue com veemência) – e que nos levou a
uns bêbados que nos deram (bom, apenas um deles; o outro nem se mexeu) um par
de indicações preciosas (e gabaram, incompreensivelmente, o casaco do fumador
do grupo); (2) o facto de o Pedro ter
um GPS instalado no cérebro (que capacidade prodigiosa de fixar itinerários!);
e (3) o ter o nosso GPS humano (que é
bom rapaz, e tem ar de não partir um prato) assustado uma pobre transeunte com
a sua barba e a sua pele talvez não tão imaculadamente branca quanto devia. E a
rapariga (“Que era pequena, mas não era
anã”), desejando ver-se livre dele, lá nos apontou o caminho para o Onneil’s. No entanto, quando o GPS
humano, o tipo-do-belo-casaco-que-parava-a-todo-o-momento-para-pedir-fumo, o
indómito potencial explorador das Novas
Conquistas e eu próprio nos aproximámos finalmente do Onneil’s, já era demasiado tarde! Fechava dali a 10 minutos… e não
íamos gastar 6 precisas libras num pint que
teríamos de beber a correr! Entretanto, o GPS humano ficou encantado com a sede
da junta local (IGUALZINHA à da sua terra natal! :p), o rapaz-do-casaco com as
casas de um crescent e eu próprio
muito desapontado com a pobreza dos interiores que se divisava das janelas
iluminadas. Tudo demasiado Ikea! Que
capital de império esta!
PARADOXO Nº 3: como
é que num colóquio sobre o império português se conseguiu falar constantemente
no… Ceilão?! Bom, é certo que o Ceilão foi, durante algumas décadas, um
território administrado pela coroa portuguesa, mas, por muito que eu goste do
P.e José Vaz e dos oratorianos brâmanes de Goa (sendo que nenhum deles foi
referido, a propósito!) bem como do episódio da conversão do moço Chingalá e do nome Jafanapatão, não me parece que
tenha tido assim TANTA importância no nosso intermezzo
oriental. No entanto, falou-se mais dele do que de Goa! É que nos surgiu,
entre os participantes, uma alma britânica e oxfordiana vidrada no Ceilão. Literalmente vidrada! Carthago delenda est, repetia incessantemente o velho Catão!, And the case of Sry Lanka?, lembrava a
todo o momento este fanático da ilha! E comparava-a com tudo: com Goa, com a
América, com a europa, com o Congo! Abençoado Ceilão, que ali tens um defensor
estrénuo e um admirador denodado!
PARADOXO Nº 4: onde
é que cabiam tantos filipinos?? Ficámos num hotel imensíssimo (o lobby lembrava vagamente uma estação de
comboios, tal era o trânsito de gente, muita dela desesperada por não achar
sinal de internet em nenhum lugar),
onde corredores de ar sinistro se afundavam em retas sem fim ladeadas por um
número incompreensível de portas. Era impossível
que todas aquelas portas representassem entradas para quartos: estavam
demasiado juntas, algumas em péssimas condições, outras aferrolhadas de forma
suspeita! O que esconderiam? Não obstante os nossos esforços, não lobrigámos
uma resposta plenamente satisfatória. No entanto, algumas tinham de acomodar as hordas de filipinos que invadiam os longos
corredores de manhã cedo! Talvez arrumados às postas, quiçá amontoados em
espaços exíguos, os filipinos foram os nossos mais fiéis companheiros!
PARADOXO Nº 5: como
um bando de pés rapados fez compras na Regent
Street. Enfim, não fomos todos a
fazer lá aquisições, mas somente o GPS humano. Nós, os demais, ajudámos
acompanhando-o solidariamente à loja, onde o rapaz tinha de, forçosamente, adquirir um recuerdo para a sua cara-metade, para
quem aquele estabelecimento tinha especialmente brotado em pleno coração do
luxo da metrópole. Por isso, fica a nota: por menos libras que haja, o bem-querer
faz sempre com que estiquem! Mesmo em Londres, mesmo em Regent Street, ao lado de Blake, Mortimer, Francis Albany e Olivia
Sturgess! ;)
1 Comments:
ahahah
excelente relato! :)
faltou, realmente, um fish&ships... e no dia em que saíram à noite foi sábado, não? estranho estar tudo fechado...
Post a Comment
<< Home