Monday, June 03, 2013

Em Londres, com poucas libras e muito que fazer

- Oh pah, ela está a dizer que não é preciso trocar muitos euros por libras… que aceitam euros em quase todas as lojas da cidade…
- Hummmm… olha que não foi nada disso que me disseram…
- Mas a taxa de câmbio é brutal! Eles são uns ladrões! Já viste: ficam-nos logo com 3 libras!
- E três libras dá mesmo quantos euros?
- Vê na máquina!...
- Não dá tempo!
- Olhem, vocês façam o que quiserem. EU disse que era melhor trazer já libras de Portugal.
- E EU digo que isso foi uma estupidez: sabes lá de quanto dinheiro vais precisar!
- Fiz um cálculo: se for necessário mais, troco.
- E se acontecer o contrário?
- Ora, fico com meia dúzia de libras em casa. Até dá jeito, para a próxima vez que cá vier.
- Mas QUEM é que faz isso? Depois, quando precisares efetivamente delas, não as vais achar!
- Claro que vou! Arruma-las num envelope!
- E perdes o envelope!
- Não, se tiveres vários envelopes com dinheiro de diferentes países, para quando precisares. Género rupias, para Goa.
- Tinha de ser… Goa!
- Olha, despachem-se mas é, que a paquistanesa está a olhar para nós com cara de seca!
- Paquistanesa? Como sabes que ela é paquistanesa, e não indiana?
- Sei lá… sei, pronto! Acho que é…
- Eu também acho que é…
- Eu acho que não…
- Ela nem sequer é muçulmana!
- Como sabes??
- Tem um símbolo hindu!
- “Símbolo hindu”? Que raio de coisa: nem sabes o nome do tal símbolo, como é que sabes que ele é hindu?
- E há montes de muçulmanos na Índia!
- Mas não são assim tantos em Goa!
- Mas a Índia não é só Goa!
- Pois não, também há Damão e Diu… e o bandel de Ugly e a ilha de Angediva!
- Mas ela não é goesa…
- Definitivamente não. Caso contrário seria mais amável e mais verdadeira: e dir-nos-ia que NINGUÉM vai aceitar euros!
- Sirs, please…
- Vá, vão lá trocar os euros. Daqui a um bocado ficamos sem dinheiro, sem bagagens, sem resto do grupo!

E assim começou o périplo!

É verdade: o nosso grupo jurídico-histórico (FDUNL/ICS) deslocou-se na passada semana a Londres, a antiga cabeça do imenso mundo britânico, para conferenciar e dissertar aos londrinos que nisso vissem algum interesse (poucos o fizeram, convenhamos…) sobre as maravilhas (e os aspetos menos maravilhosos, também) do antigo império ultramarino português e das soluções miméticas (Como se diz? Mimésis ou Mímesis??) que nele fomos detetando. Entre investigadores e bolseiros, éramos uma magra dezena – pequenos em número, é certo, mas grandes em craveira. Foram uns dias escassos e muitíssimo cheios, repletos de trabalho e, em cada minuto possível, de escapadelas para conhecermos um pouco melhor a cidade. E dias cheios de paradoxos, também. Pensemos em meia dúzia mal contada deles:

PARADOXO Nº 1: estivemos em Londres, e nunca comemos nada que se assemelhasse a comida inglesa! Nem uns banalíssimos e modestos fish and chips! Nós ainda tentámos, mas os esforços saíram sempre baldados! Tirando os dias em que nos apressámos a comer qualquer coisa em andamento (sandochas de atum não são apanágio da cozinha britânica!) ou em atacar um prato o mais velozmente possível (e o Pedro Ferreira revelou mais um dos seus talentos: descobrir restaurante bem localizados que não nos levassem mais libras do que as que tínhamos!) – o qual, guess!, foi a italianada rápida da praxe – alimentámo-nos de cozinha oriental. Sim! Comemos muito mais caril do que marmalade e indubitavelmente mais noodles do que roast beef na capital da Velha Aliada!

PARADOXO Nº 2: como é que um casaco da Zara e uma rapariga apavorada nos valem a descoberta de um bar? Parte de nós, desejosos de explorar a cidade e experimentar os célebres pints, aproveitou as cálidas (enfim, para os padrões locais!) noites londrinas para conhecer melhor as redondezas. Como estávamos instalados na Russel Square, tudo ficava muito próximo e urgia desentorpecer as pernas, a fim de digerir as solenes conversas e reflexões em torno de questões “imperiais” bem como o caril deglutido. No entanto, é bem sabido que o que, para nós, portugueses – raça latina degenerada, que não se deita a horas decentes – se pode considerar como “ainda muito cedo” equivale ao que para o londrino médio é “tardíssimo”! Por tal, enquanto percorríamos as ruas cheias de transeuntes que se passeavam entre portas fechadas e montras de ar sombrio, íamos pensando no que fazer para encontrar um bar interessante, relativamente perto de casa e que, acima de tudo, estivesse ainda aberto. Três coisas nos valeram nesta demanda: (1) o Please, do you have a lighter? repetido até à exaustão pelo Manel – que fuma ininterruptamente (embora o negue com veemência) – e que nos levou a uns bêbados que nos deram (bom, apenas um deles; o outro nem se mexeu) um par de indicações preciosas (e gabaram, incompreensivelmente, o casaco do fumador do grupo); (2) o facto de o Pedro ter um GPS instalado no cérebro (que capacidade prodigiosa de fixar itinerários!); e (3) o ter o nosso GPS humano (que é bom rapaz, e tem ar de não partir um prato) assustado uma pobre transeunte com a sua barba e a sua pele talvez não tão imaculadamente branca quanto devia. E a rapariga (“Que era pequena, mas não era anã”), desejando ver-se livre dele, lá nos apontou o caminho para o Onneil’s. No entanto, quando o GPS humano, o tipo-do-belo-casaco-que-parava-a-todo-o-momento-para-pedir-fumo, o indómito potencial explorador das Novas Conquistas e eu próprio nos aproximámos finalmente do Onneil’s, já era demasiado tarde! Fechava dali a 10 minutos… e não íamos gastar 6 precisas libras num pint que teríamos de beber a correr! Entretanto, o GPS humano ficou encantado com a sede da junta local (IGUALZINHA à da sua terra natal! :p), o rapaz-do-casaco com as casas de um crescent e eu próprio muito desapontado com a pobreza dos interiores que se divisava das janelas iluminadas. Tudo demasiado Ikea! Que capital de império esta!

PARADOXO Nº 3: como é que num colóquio sobre o império português se conseguiu falar constantemente no… Ceilão?! Bom, é certo que o Ceilão foi, durante algumas décadas, um território administrado pela coroa portuguesa, mas, por muito que eu goste do P.e José Vaz e dos oratorianos brâmanes de Goa (sendo que nenhum deles foi referido, a propósito!) bem como do episódio da conversão do moço Chingalá e do nome Jafanapatão, não me parece que tenha tido assim TANTA importância no nosso intermezzo oriental. No entanto, falou-se mais dele do que de Goa! É que nos surgiu, entre os participantes, uma alma britânica e oxfordiana vidrada no Ceilão. Literalmente vidrada! Carthago delenda est, repetia incessantemente o velho Catão!, And the case of Sry Lanka?, lembrava a todo o momento este fanático da ilha! E comparava-a com tudo: com Goa, com a América, com a europa, com o Congo! Abençoado Ceilão, que ali tens um defensor estrénuo e um admirador denodado!

PARADOXO Nº 4: onde é que cabiam tantos filipinos?? Ficámos num hotel imensíssimo (o lobby lembrava vagamente uma estação de comboios, tal era o trânsito de gente, muita dela desesperada por não achar sinal de internet em nenhum lugar), onde corredores de ar sinistro se afundavam em retas sem fim ladeadas por um número incompreensível de portas. Era impossível que todas aquelas portas representassem entradas para quartos: estavam demasiado juntas, algumas em péssimas condições, outras aferrolhadas de forma suspeita! O que esconderiam? Não obstante os nossos esforços, não lobrigámos uma resposta plenamente satisfatória. No entanto, algumas tinham de acomodar as hordas de filipinos que invadiam os longos corredores de manhã cedo! Talvez arrumados às postas, quiçá amontoados em espaços exíguos, os filipinos foram os nossos mais fiéis companheiros!

PARADOXO Nº 5: como um bando de pés rapados fez compras na Regent Street. Enfim, não fomos todos a fazer lá aquisições, mas somente o GPS humano. Nós, os demais, ajudámos acompanhando-o solidariamente à loja, onde o rapaz tinha de, forçosamente, adquirir um recuerdo para a sua cara-metade, para quem aquele estabelecimento tinha especialmente brotado em pleno coração do luxo da metrópole. Por isso, fica a nota: por menos libras que haja, o bem-querer faz sempre com que estiquem! Mesmo em Londres, mesmo em Regent Street, ao lado de Blake, Mortimer, Francis Albany e Olivia Sturgess! ;)


1 Comments:

At 4:41 AM, Anonymous Joana said...

ahahah
excelente relato! :)
faltou, realmente, um fish&ships... e no dia em que saíram à noite foi sábado, não? estranho estar tudo fechado...

 

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