Tuesday, May 07, 2013

Uma nostalgia que teima em não existir


Nesta época de queimas e festejos académicos, inúmeros são os da minha geração que, lembrando-se de anos (há muito) passados, vão remexer nos escaninhos das suas memórias e nos baús onde conservam relíquias de outras épocas e, de sorriso nos lábios e expressão nostálgica e ridente, rememoram os tempos dourados da universidade (e por “universidade” entenda-se, para os que ainda não a deixaram, licenciatura). É invocando esse sentimento – que alastra brutalmente quando maio desponta, qual prenúncio de uma primavera que hesita em instalar-se – que se justificam pecadilhos como alusões a episódios paleolíticos de cuja versão original já ninguém se lembra verdadeiramente, ou a publicação, no fb, de fotos amareladas (e em geral bastante assustadoras) de eras jurássicas, onde vão desmaiando rostos mais ou menos sorridentes, quase inevitavelmente trajados a rigor (isto é, de capa e batina, ou só de batina e já sem capa, ou mesmo já sem nenhuma delas).
Eu – contrito reconheço esta minha estranha deficiência – não consigo partilhar desse sentimento de prazenteiras reminiscências face a tal período da minha vida (o que, aliás, não deixa de ser irónico, uma vez que navego diariamente nas águas da história e tenho o hábito compulsivo de guardar tudo). Vasculhando os vãos do contador – indo-português, naturalmente – das minhas memórias (é óbvio que eu as arrumo num contador mental, não é?), ao percorrer o conteúdo das gavetas relativas aos tempos da licenciatura, não vejo grandes motivos para demorar o olhar. É claro que saltam à vista uma ou duas lembranças felizes ou alegres: os bons amigos que se fizeram, alguns excelentes momentos que então se viveram (fazer o carro foi uma aventura engraçada, tal como eram divertidíssimas as idas aos convívios das cantinas, depois da seca monumental que era a serenata do mesmo nome, com a companhia perfeita e sempre despachada da Joana que desde então ficou “de Nelas” – e logo na noite em que nos conhecemos “atacámos” a primeiro dessas festarolas!), bem como uma mão-cheia de episódios rocambolescos que tiveram a sua graça: “sim, é verdade; chamo-me Luís Maria da Assunção e o meu avô é merceeiro em França”, os sabonetes “roubados” pela MJ numa noite toda ela passada na “margem sul”, as madrugadas gastas no saudoso – disso, tenho saudades, afinal – “Buraco Negro”, com (uma vez mais) a Joana de Nelas (e a AJ a dançar, lunática, a dançar sozinha na pista nas péssimas noites de 4ª, lembras-te, Joana? Ainda hoje, ao recordar isso, sinto vontade de soltar uma gargalhada!), onde o whisky era tão barato, tão barato… que não devia ser whisky (e, mesmo assim, a nossa perene penúria nos levava a aguentar “um copo por noite”), com a Lobélia (era Lobélia, não era?) vigiando pelos cantos… E o chaveiro-em-forma-de-rim-com-recipiente-para-guardar-pó (sic) que nos deram uma vez, a título de sermos frequentadores já conhecidos da gerência. Também gostei verdadeiramente, por outro lado, da efémera passagem pela secção de esgrima (que calor, aqueles fatos!), pela secção de ténis e pela “Cabra” – e de mais meia dúzia de coisas. Mas tudo isto são acontecimentos episódicos num longo e árido percurso de cinco anos do qual me recordo, sobretudo, da sensação de permanente insatisfação (como é angustiante começarmos uma nova etapa dando um trambolhão sério nas classificações a que estávamos acostumados, e como é irritante nunca termos as notas desejadas, apesar de nos aplicarmos para isso), de constante inadaptação e de algum enfartamento. Os alunos da faculdade – e, note-se, eu friso, os alunos, uma vez que estou convencido de que o problema residia em boa medida neles – entretinham-se em assustar os mais novos, em perpetuar rituais palermas todos assentes em jogos de silêncios e medos tontos, tentando, quiçá, assim afastar os seus próprios fantasmas (é bem sabido que uma das formas mais cobardes de enfrentarmos os nossos medos é procurar que os mesmos se espalhem entre os que nos rodeiam). Havia, naquela chusma de discentes, muita gente (em demasia) e, desculpem-se a franqueza, boa parte dela era intelectualmente muito fraquinha, muito parola e muito mazinha enquanto seres humanos (por isso o 5º ano, quando nos sentimos livres de muitos desses anticorpos, que vão ficando pelo caminho, parece celestial). Prezava-se sobretudo a destruição do amor-próprio (dos outros, bem entendido!), e vários foram os que, menos resistentes, não conseguiram enfrentar este dragão que, afinal, tinha mais de quimera do que aparentava. O saldo foi totalmente negativo? De forma alguma: houve, diga-se o que se disser, professores fantásticos, aprendemos bem umas noções importantes de que até agora nos socorremos e, acima de tudo, desenvolvemos um ritmo de trabalho exigente e treinámos a valer as nossas memórias. Mas nada disso – como, aliás, os amigos grandes que se fizeram ao longo desse périplo – ficou cristalizado naqueles anos. Os amigos continuaram connosco, a memória persiste em ser treinada (cada dia um pouco mais), o ritmo de trabalho manteve-se (quando não se intensificou) e os professores deixaram de ser docentes para passarem muitas vezes a conselheiros, a quem se pode recorrer quando necessário e que nos recebem com afabilidade. Ou seja, se os (comparativamente poucos) aspetos positivos se mantiveram para além e independentemente daqueles anos, o que há a chorar, chegada esta época? O que há a lamentar? Carpir as maratonas de estudo a contra-relógio guiando-nos por manuais intragáveis? Prantear pelos suores frios que nos atacavam antes das provas (Deus meu! O clic-clac das portas dos Gerais a serem abertas ainda hoje me causa calafrios, por me lembrar o stress que um ruído semelhante me provocava, antes de saber qual teria sido a nota da oral em que, apesar de ser de melhoria, eu achava invariavelmente que ia chumbar!)? Lamentar a confiança em nós mesmos que se tentou dinamitar (e que saiu um bocado aleijada, e demorou o seu tempo até recuperar a pujança inicial)? Lastimar aquelas dezenas e dezenas de caras anónimas que enxameiam as fotos do curso e que nos fazem pensar Mas quem diabo é ESTE??!!?? Eu não me lembro sequer de jamais o ter visto! (e vimo-nos, durante cinco anos!).
Não.
Meus caros, não tenho, nem jamais terei, prazer nenhum em rememorar tais coisas. Com os meus amigos de faculdade, munidos do que aprendemos na faculdade, vivi momentos muito mais divertidos, muito mais interessantes, muito mais intensos, depois da faculdade.
Compreendo os que têm uma postura radicalmente diferente da minha e choram melancólicos esses anos. Porventura, foram mais venturosos do que eu, que os não soube (ou não consegui) aproveitar. E, assim sendo, percebo que, nesta época, apreciem sacudir as velhas fitas já um bocadinho bafientas e tirar o bolor dos vetustos álbuns de memórias.
As minhas fitas e os meus álbuns permanecerão no contador (indo-português) da minha memória (não conto deitá-las fora!), numa gaveta das mais rentes ao chão. Têm o seu lugar, mas muito se passou depois delas.
Não voltaria um dia atrás – e, certamente, jamais o faria para tornar aos tempos daquelas fotos amareladas, no meio de uma multidão de caras de que já não faço a mais pequena ideia a quem pertençam (e nem me interessa muito saber, na verdade) e, apesar do semblante sorridente que eventualmente possa ostentar, stressadíssimo com a bodega da matéria que tinha de estudar para a frequência que aí viria. 

1 Comments:

At 6:46 PM, Anonymous Anonymous said...

Tens razão.
Eu só tenho mesmo saudades das pessoas. Que, por dificuldades de agenda ou preguiça, não vejo há meses, anos até. Tenho saudades das conversas de porteira a descascar nuns e noutros no corredor do -1, do arroz doce do bar velho, dos almoços e jantares da cantina (há um padrão!), das minis bebidas no Estádio, do estudo que não era estudo na Reitoria. E daquelas cumplicidades perdidas, que não voltam mais. De resto, melhores anos da nossa vida...que raio! Esses são agora!

Filipa

PS: bons empreendimentos e que as novidades encham o próximo repasto de mimos com castanhas!

 

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