Colégios privados, padres e "éclairs"
Pensando também
nos meus amigos jesuítas e em todos aqueles que, tal como eu, sentem particular
estima pela Companhia
Há
uns tempos, esperava pacientemente por um éclair
salgado num espaço lisboeta dedicado à confeção dessas especialidades
francesas. Casa cheia, clientes exigentes, serviço demorado, pelo que, enquanto
me entretinha com uma coca-cola, ia matando o tempo a ler por alto uma velharia
qualquer goesa recém-comprada na Bizantina.
Uma edição dos anos quarenta do A Mulher
Hindu, do Telo de Mascarenhas, se não estou em erro…
Ao
meu lado, apartado apenas por uma nesga estreita através da qual os
funcionários transitavam a custo, um pequeno grupo composto por quatro senhoras
sessentonas demorava-se no seu café (perante os olhares furibundos dos que
esperavam mesa para começar a almoçar) e debatia placidamente, entre goles de
bica e dentadas em mini-éclairs,
temas que me pareciam de uma pasmosa incoerência. Aquelas almas aparentavam
estar entusiasticamente empenhadas num jogo complicado de constante ripostar de
ideias tontas e comentários incompreensíveis – o que até poderia ser
interessante caso não me tivesse apercebido de que não se tratava de jogo nenhum. Ou seja, o que poderia ser encarado
como uma tentativa doméstica de recriação da Cantatrice Chauve (foi do que me lembrei, repescando no baú das
memórias as minhas aulas de introdução à filosofia do 10º ano!) à beira do
Saldanha revelava-se afinal, gloriosa e indiscutivelmente, reflexo da tontice
das minhas vizinhas.
Reconheço
a minha censurável indiscrição ao ouvir a conversa da mesa contígua, mas a
proximidade física das intervenientes e, acima de tudo, o caricato da forma
como encaravam os temas que iam tratando revelaram ser argumentos demasiado
fortes e acabaram por vencer inapelavelmente qualquer contraofensiva ditada
pelo decoro e pela reserva! Dos milhentos assuntos abordados, fixei
particularmente bem as considerações tecidas em torno dos benefícios – e
insondáveis perigos, na opinião daquelas quatro amigas – do ensino em colégios
católicos.
Depressa
cheguei a três conclusões fundamentais, em torno das quais o diálogo se
contorcia: (i) os filhos de todas tinham frequentado tais
estabelecimentos, (ii) nenhuma demonstrava
qualquer simpatia pelo catolicismo romano e, (iii) antes pelo contrário, todas
temiam de forma quase obsessiva o que designavam por “influência dos padres e das freiras”. Eis uma ilustração:
-
O meu andou nas Doroteias.
-
Ah, conheço. O meu no S. João de Brito.
-
Ai, que inveja. Dizem que é ótimo. Como conseguiste pô-lo lá?
-
Foi o pai… Ele é ateu (ênfase!), não
acredita em nada dessas coisas, mas tem conhecimentos…
-
Estudou no seminário?
-
Não, Deus me livre!
-
Seja como for, o S. João de Brito é ótimo… conhece-se muita gente…
-
E até tem bons professores.
-
São todos padres, não são?
-
Credo, filha! Nada disso! Eles são muito modernos!
-
Também há freiras a dar aulas?
-
Não, nem uma coisa nem outra… tudo gente normal!
E,
depois de uma breve pausa:
-
Padre deve ser só o de religião e moral. Mas eu nem sei se o meu filho teve…
olhem, e nem quero saber.
-
Mas deves ter cuidado – replicou outra. - Já se sabe que é nessas aulas que
eles “caçam” os futuros padres! (o meu
queixo começava a cair de forma demasiado óbvia sobre A Mulher Hindu).
-
Ainda fazem isso?
-
Claro!
-
Quem diria!!!
-
Mesmo no S. João de Deus?
-
Eu sei lá…
-
O S. João de Deus não é da Opus?
-
Acho que é dos jesuítas…
-
Não são a mesma coisa??
-
Acho que não, mas trabalham em conjunto…
(e eu já com vontade de
pigarrear violentamente)
-
Sei lá, não percebo nada dessas coisas. Mas gosto dos jesuítas!
-
Eu também!
-
E eu!
-
Com o meu filho, pus logo os pontos nos iii. Houve uma altura em que andava
mesmo ralada. Quando levava o miúdo ao colégio (confesso que não percebi que colégio era….), ele saía do carro
disparado a correr para a capela. Ainda cheguei a dizer ao meu marido “Olha que
se não nos acautelamos ainda vai para padre!”.
-
Ai, filha, que ideia!... E como fizeste?
-
Confrontei o miúdo. Preparei-me para a conversa e um dia respirei fundo e perguntei-lhe
“Filho, queres ser padre?”.
-
E então?
-
O miúdo ficou muito espantado. “Porquê, Mãe?”, perguntou. Eu lá lhe respondi:
“Vejo-te sempre ir direitinho à capela mal chegas ao colégio. Nem olhas para trás,
para a mãe”…
E
uma das outras, de chávena suspensa:
-
O que te respondeu ele, afinal??
-
Nem imaginam: “Oh Mãe! Vou a correr porque é inverno e os meus colegas estão
sempre todos na entrada da capela… lá não chove e está mais quente”.
-
E acreditaste?
-
Olha, não sei… podia ser engodo…
-
Mas a verdade é que ele não foi para padre, ficou “normal”.
-
Graças a Deus!
-
É isso mesmo, filha!
-
Mas não sei se os jesuítas seriam capazes disso…
-
Esses talvez não…
-
Lá está, é por trabalharem com a Opus.
-
E não só: é por serem muito desportistas!
-
A sério? Não sabia!!
-
Ai, filha, são, são. Nem parecem padres! São todos homens dados ao desporto!
-
Homens e mulheres!
-
Há mulheres jesuítas?
-
Claro que há! E também boas desportistas!
-
É o que vos digo: dos padres e dessa gente, dos que mais gosto é dos jesuítas!
-
Também eu!
-
E eu!
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