Saturday, February 07, 2015

Colégios privados, padres e "éclairs"

Pensando também nos meus amigos jesuítas e em todos aqueles que, tal como eu, sentem particular estima pela Companhia

Há uns tempos, esperava pacientemente por um éclair salgado num espaço lisboeta dedicado à confeção dessas especialidades francesas. Casa cheia, clientes exigentes, serviço demorado, pelo que, enquanto me entretinha com uma coca-cola, ia matando o tempo a ler por alto uma velharia qualquer goesa recém-comprada na Bizantina. Uma edição dos anos quarenta do A Mulher Hindu, do Telo de Mascarenhas, se não estou em erro…
Ao meu lado, apartado apenas por uma nesga estreita através da qual os funcionários transitavam a custo, um pequeno grupo composto por quatro senhoras sessentonas demorava-se no seu café (perante os olhares furibundos dos que esperavam mesa para começar a almoçar) e debatia placidamente, entre goles de bica e dentadas em mini-éclairs, temas que me pareciam de uma pasmosa incoerência. Aquelas almas aparentavam estar entusiasticamente empenhadas num jogo complicado de constante ripostar de ideias tontas e comentários incompreensíveis – o que até poderia ser interessante caso não me tivesse apercebido de que não se tratava de jogo nenhum. Ou seja, o que poderia ser encarado como uma tentativa doméstica de recriação da Cantatrice Chauve (foi do que me lembrei, repescando no baú das memórias as minhas aulas de introdução à filosofia do 10º ano!) à beira do Saldanha revelava-se afinal, gloriosa e indiscutivelmente, reflexo da tontice das minhas vizinhas.
Reconheço a minha censurável indiscrição ao ouvir a conversa da mesa contígua, mas a proximidade física das intervenientes e, acima de tudo, o caricato da forma como encaravam os temas que iam tratando revelaram ser argumentos demasiado fortes e acabaram por vencer inapelavelmente qualquer contraofensiva ditada pelo decoro e pela reserva! Dos milhentos assuntos abordados, fixei particularmente bem as considerações tecidas em torno dos benefícios – e insondáveis perigos, na opinião daquelas quatro amigas – do ensino em colégios católicos.
Depressa cheguei a três conclusões fundamentais, em torno das quais o diálogo se contorcia: (i) os filhos de todas tinham frequentado tais estabelecimentos, (ii) nenhuma demonstrava qualquer simpatia pelo catolicismo romano e, (iii) antes pelo contrário, todas temiam de forma quase obsessiva o que designavam por “influência dos padres e das freiras”. Eis uma ilustração:
- O meu andou nas Doroteias.
- Ah, conheço. O meu no S. João de Brito.
- Ai, que inveja. Dizem que é ótimo. Como conseguiste pô-lo lá?
- Foi o pai… Ele é ateu (ênfase!), não acredita em nada dessas coisas, mas tem conhecimentos…
- Estudou no seminário?
- Não, Deus me livre!
- Seja como for, o S. João de Brito é ótimo… conhece-se muita gente…
- E até tem bons professores.
- São todos padres, não são?
- Credo, filha! Nada disso! Eles são muito modernos!
- Também há freiras a dar aulas?
- Não, nem uma coisa nem outra… tudo gente normal!
E, depois de uma breve pausa:
- Padre deve ser só o de religião e moral. Mas eu nem sei se o meu filho teve… olhem, e nem quero saber.
- Mas deves ter cuidado – replicou outra. - Já se sabe que é nessas aulas que eles “caçam” os futuros padres! (o meu queixo começava a cair de forma demasiado óbvia sobre A Mulher Hindu).
- Ainda fazem isso?
- Claro!
- Quem diria!!!
- Mesmo no S. João de Deus?
- Eu sei lá…
- O S. João de Deus não é da Opus?
- Acho que é dos jesuítas…
- Não são a mesma coisa??
- Acho que não, mas trabalham em conjunto…
(e eu já com vontade de pigarrear violentamente)
- Sei lá, não percebo nada dessas coisas. Mas gosto dos jesuítas!
- Eu também!
- E eu!
- Com o meu filho, pus logo os pontos nos iii. Houve uma altura em que andava mesmo ralada. Quando levava o miúdo ao colégio (confesso que não percebi que colégio era….), ele saía do carro disparado a correr para a capela. Ainda cheguei a dizer ao meu marido “Olha que se não nos acautelamos ainda vai para padre!”.
- Ai, filha, que ideia!... E como fizeste?
- Confrontei o miúdo. Preparei-me para a conversa e um dia respirei fundo e perguntei-lhe “Filho, queres ser padre?”.
- E então?
- O miúdo ficou muito espantado. “Porquê, Mãe?”, perguntou. Eu lá lhe respondi: “Vejo-te sempre ir direitinho à capela mal chegas ao colégio. Nem olhas para trás, para a mãe”…
E uma das outras, de chávena suspensa:
- O que te respondeu ele, afinal??
- Nem imaginam: “Oh Mãe! Vou a correr porque é inverno e os meus colegas estão sempre todos na entrada da capela… lá não chove e está mais quente”.
- E acreditaste?
- Olha, não sei… podia ser engodo…
- Mas a verdade é que ele não foi para padre, ficou “normal”.
- Graças a Deus!
- É isso mesmo, filha!
- Mas não sei se os jesuítas seriam capazes disso…
- Esses talvez não…
- Lá está, é por trabalharem com a Opus.
- E não só: é por serem muito desportistas!
- A sério? Não sabia!!
- Ai, filha, são, são. Nem parecem padres! São todos homens dados ao desporto!
- Homens e mulheres!
- Há mulheres jesuítas?
- Claro que há! E também boas desportistas!
- É o que vos digo: dos padres e dessa gente, dos que mais gosto é dos jesuítas!
- Também eu!

- E eu!

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