2014 em doze passos
No
momento em que 2014 se aproxima perigosamente do fim e estão cada vez mais
próximos os instantes em todos atacam uma dúzia de passas enquanto desfiam
outros tantos desejos para o ano que estás prestes a principiar, é usual
fazer-se uma pausa de cinco minutos dedicada à reflexão sobre o que se alcançou
(ou não) nos últimos 365 dias. Eu, atrasado, faço-a passado um par de noites.
No
meu caso, 2014 foi, acima de tudo, campo de intenso trabalho – no que,
convenhamos, não se distinguiu muito dos que o antecederam. No entanto,
trouxe-me também uma série de momentos verdadeiramente felizes. Ora, isto cria
alguns conflitos no que toca aos meus sentimentos relativamente ao ano findo:
por um lado, estremecê-lo-ei por ter sido fértil em conquistas e momentos
venturosos. Por outro, desejo vê-lo pelas costas atendendo ao esforço que a
maioria dessas empresas me exigiu.
Num
rápido relance, e em doze passos:
I 2014 foi o ano em que
comecei a treinar ténis com as “manas chinesas” –
que, na verdade, são macaístas e moram em Leiria há que tempos. Tratou-se de
uma decorrência do descontentamento que expressei perante as classificações que
o meu treinador G.J. me deu. “Bom?? Eu
não estou habituado a ter bons!!”. E o G., que já conhece o meu feitio por
vezes difícil e tem a grande qualidade de nunca soçobrar perante os argumentos
que gosto de esgrimir, apenas ripostou “Então
treina mais”. A verdade é que me pôs a fazê-lo com as “temíveis” (bom, eram
temíveis até eu as conhecer – agora até as acho muito simpáticas) manas,
consideradas “matadoras” dos courts à
beira-Lis (ou Liz? eis outra questão debatida nos momentos de pausa dos
treinos, até ser resolvida pela irmã do treinador, especialista na matéria). É óbvio que nunca ganho a nenhuma das
manas, mas também é verdade que me esforço sinceramente para o fazer – o que
tem puxado muito mais pelo meu ténis do que alguma vez imaginei.
II 2014 foi o ano em
que fui padrinho pela segunda vez. É verdade. Já o era
do Zé Gonçalo – que durante este ano continuou a encher o padrinho de orgulho
com os sucessos obtidos na sua carreira de jogador internacional de rugby brilhando nos campos franceses – e
agora sou-o também da minha sobrinha Matilde. O batizado foi também um
acontecimento memorável. Aproveitando o calor estival, os pais e tios da
batizada afadigaram-se em tornar o dia único. A Venda do Porco vestiu as suas
mais belas roupagens e as famílias Rocha e Mello Motta-Veiga Cabral
ataviaram-se o melhor que puderam para receber na sua Beira a mais nova vergôntea
de árvores já tão velhas (a luz quente e vibrante do verão ajuda sempre a
escolher algumas mazelas que a voragem dos séculos não perdoa). A capela foi
animada pelo coro impecável dos primos
Moitinho e do Leonardo V-C, que conseguiram pôr em prática as escolhas por
vezes complicadas do padrinho; o padre Manel veio expressamente de Coimbra e
celebrou uma missa especial em honra da Mati, Nossa Senhora da Conceição da
Rocha recebeu um fio com uma medalhinha onde se encontram gravadas as iniciais
da Zabi e da Mati, e a Mati uma medalhinha com a imagem de N.S. da Conceição da
Rocha; a refeição foi alegrada pelos afamados cozinhados da Teresa, que começou
a fazer os fritos em Coimbra às 5 da manhã; a própria Leiria contribuiu com os
bolinhos secos do Vasco das Raivas,
dispostos artisticamente pela Tia da batizada dada à decoração em velhos pratos
de latão de Macau; a Mati posou com o padrinho numa vetusta cadeira de
mandarim; o bolo foi servido numa salva reluzente entre os brilhos de
madrepérola dos móveis que restaram do antigo salão chinês e toda a gente conversou, riu e passeou animadamente
pelo jardim e no terraço. A minha afilhada continua a crescer a olhos vistos,
cada vez mais gira e com os cabelos mais encaracolados, falando com crescente
entusiasmo num linguarejar que ainda ninguém entende – o que por vezes a
exaspera!
III 2014 foi o ano em
que a minha mana se doutorou e realizou um feito
histórico cá em casa: a população de doutores dobrou. Este ano, se tudo correr bem, eu sigo o mesmo itinerário,
mas já não alcançarei meta tão notável. As provas tiveram lugar entre os
damascos e os retratos austeros da sala dos Capelos, foram concorridas e
decorreram brilhantemente. A candidata escondeu – graças à segurança e ao domínio
do tema de que deu largas provas, bem como talvez às suas conhecidas tendências
de política – de forma eficaz qualquer assomo de nervosismo e respondeu às
perguntas dos arguentes de forma refletida, completa e firme. O resultado não
podia ser outro que não a classificação máxima, para mais adoçada pelos elogios
rasgados do orientador. E eu, antes do começo das provas, recebi um monumental
ralhete de uma das funcionárias da FDUC: Então
e o menino, nunca mais se despacha? Não vê todos os que ficaram pelo caminho?
Siga o exemplo da sua irmãzinha e despache-se, entregue isso de uma vez! A
nova doutora depressa (e justamente) começou a gozar os agradáveis frutos do seu
novo estado: e pela primeira vez marcou presença na semifinal e final do
Estoril Open!
IV 2014 foi o ano em
que casou a minha prima Margarida, isto é, foi o
primeiro enlace dos PL da minha geração. A família rumou em peso para a
Terceira – terra que muitos de nós não visitavam há imenso tempo. Comparecemos
quase todos, e quase todos assistimos ao enlace, abarrotando a igreja de S.
Pedro (o primo mais velho ainda sondou a noiva: Mas porque é que não casas na igreja do Colégio, como toda a gente?,
mas ela manteve-se firme na sua decisão). Tudo no casamento foi divertido. Os
dias que o antecederam, em que tivemos de fazer um sem-fim de tarefas para a
grande data, desde trabalhos manuais (a sorte é que somos uma família de gente
dada às artes, graças ao nosso sangue Reis) – milhares de flores de papel, que
a minha Mãe e madrinha coseram a uma grande tela, centenas e centenas dos mais
variados adereços, dúzias de guiões para a missa etc, etc – a colaborar na
arrumação das mesas e cadeiras (debaixo de uma chuvada inclemente, que resolveu
cair precisamente naquela altura), a dispor milhentos bolinhos em travessas, a
receber convidados… O dia do casamento foi um êxito, e até o dj escolhido pelos noivos, apesar de a
sua seleção musical acabar em 1999, ajudou. Na cerimónia, para além de uma das
leituras, fiquei de alguma forma responsável por ajustar o banco da noiva
quando esta se tinha de levantar e sentar. A parte da leitura foi fácil – já
estou acostumadíssimo. Quanto ao banco, suei um pouco mais esforçando-me para
que a minha prima não tropeçasse ou (o que não podia acontecer de maneira
nenhuma) o vestido ficasse pisado sob um dos pés do móvel. Recebi há um par de
dias mais duas fotos do enlace, estas tiradas por um fotógrafo profissional da
terra ainda novinho – que julguei reconhecer porque me lembrava da cara do pai
dele, com quem ele é bastante parecido… o que leva à conclusão de que os anos
me começam a pesar! LOL Alinhados ao longo das escadas, os primos (muitos
deles, mas não todos) posam – todos tão elegantes como cheios de estilo, já se
sabe! – junto dos noivos, espalhando-se escada acima. No meu caso em
particular, e para lá do episódio bizarro em que a camisa branca que tinha
escolhido usar na cerimónia desapareceu para ressurgir depois do enlace como se
nada se tivesse passado, a ida à Terceira foi (como sempre) profícua. Mesmo,
por estranho que possa parecer, em termos profissionais. Foi quando apanhava
sol na Silveira, depois do banho invariavelmente tomado todas as manhãs
(prática que conto manter pelo menos até aos 90 anos), estendido na toalha e
rodeado por caras que vejo crescer e envelhecer há décadas, que se deram os
últimos acertos mentais relativamente à estrutura da senhora D. Tese.
V 2014 foi o ano em que
dei pela primeira vez aulas a um curso não-jurídico.
Neste ano, na partilha de bens a que se teve de proceder após a saída de vários
colegas, coube-me em quinhão a uc de Bioética & Legislação (enfim: era
Bioética e Legislação, tendo eu
convertido o banal “e” num “&” comercial muito mais interessante). A minha
experiência na matéria era praticamente nenhuma: resumia-se, na verdade, aos
anos em que frequentara o grupo jovem de bioética do CUMN. Resultado: apesar da
tese, dos artigos e dos milhares de frequências e exames que se amontoavam na
secretária, lancei-me a estudar o tema em todos os escassos minutos que podia.
Enquanto chovia, chovia, chovia, eu estudava as relações entre bioética e
direito, procurando tornar a matéria tão laica (o que considerava ser
essencial, num estabelecimento de ensino superior público) e apelativa
possível. Correu bem? Eu creio que sim – e pelo menos diverti-me efetivamente a
estudar e a ensinar o que ia aprendendo e sobre o que ia refletindo. Os alunos
aderiram muito bem a uma linguagem e a um método que não eram os seus e julgo
que alguns chegaram mesmo a interessar-se por certas matérias jurídicas (nunca
os consegui, porém, persuadir a levar a legislação para as aulas – o que lhes
parecia ser uma exigência alienígena). Eu aprendi imenso, desde logo – e logo
na primeira aula – que é uma gaffe imperdoável
tratar os frequentadores dos hospitais e centros de saúde por doentes ou pacientes. “Diz-se utentes
professor!”. E eu nunca mais cometi a mesma argolada!
VI 2014 foi o ano em
que organizei o Dia Aberto – que na verdade (como vim a
descobrir) é mais uma semana aberta
precedida de três meses de intensa preparação. Com a ajuda preciosa e
indispensável da generalidade dos colegas de departamento e dos alunos (que
concorreram em massa, dando assim provas de como somos muitos e sabemos
trabalhar em grupo em prol de uma causa comum), decidi fazer uma série de
inovações. Era preciso cortar radicalmente com a ideia de que os professores e
alunos das Ciências Jurídicas eram gente que pouco tinham a mostrar aos visitantes
não-iniciados nos mistérios do direito, como se de uma seita radicalmente
exclusivista se tratasse. Organizaram-se jogos (os meus alunos políticos da AE e dos Núcleos colaboraram ativamente e
contribuíram com material e fotocópias, tendo contudo impresso tudo em papel cor-de-laranja; quando mo
entregaram explicaram, ao verem que eu ia começar a rabujar, enquanto piscavam
o olho: “Foi uma grande coincidência,
professor!”), promoveram-se ciclos de debates sobre temas fraturantes que
foram muitíssimo participados e fizeram-se duas simulações de julgamentos que
depressa se tornaram na cereja em cima do bolo. Muito foi feito, e praticamente
sem verbas. Fechadas as contas e arrumada a casa, acho que nos divertimos todos
bastante, apesar de termos chegado ao fim exaustos!
VII 2014 foi o ano da
internacionalização. Desde que terminei o curso e comecei a
trabalhar com AMH (isto é, cinco dias depois de concluída a licenciatura), o
meu orientador preocupou-se em que começasse a estabelecer contactos com o
vasto mundo que está para além das nossas fronteiras. E assim tem sido, ao
longo de há já tantos anos. Primeiro, a vizinha Espanha, graças à incursão
sevilhana; depois, Frankfurt e o Max-Planck, do qual fiquei a gostar desde o
primeiro momento, and so long. No
entanto, 2014 foi o ano em que comecei mais ativamente a colaborar em
iniciativas fora de portas: seja no Brasil, seja na elaboração do meu primeiro
artigo em francês (em coautoria com uma das grandes especialistas na minha área
de estudos), seja num trabalho enviado na sequência de um colóquio realizado em
Berlim. Para quem tinha apenas um artigo escrito em inglês e todo o resto da
“obra” publicado em português, é um feito a assinalar!
VIII e IX – 2014 foi o
ano em que terminei a minha tese!!!!!!!!!!!! Não é por acaso
que reservo não um mas dois passos a
este momento que, para mim (e para os que me estão mais próximos, os quais já
não suportavam mais tempo de convivência com tal senhora), foi tão importante.
Um deles é reservado ao processo de fecho
desta imensa empreitada. Eram tantos, tantos, tantos, tantos, tantos,
tantos, tantos, tantos os dados recolhidos que julgo ter usado 1/14 do total –
ficando o resto para uma longa série de outros estudos menores, parte deles já
na forja. A montagem da gigantesca catedral que ergui ao longo dos anos em
torno das relações das elites naturais
católicas com o direito – por vezes intrincado templo gótico-flamejante, outras
barroca basílica repleta de talha – deu-me muito prazer mas exigiu longos
períodos de sofrimento e uma dedicação praticamente total que me impediu de
olhar com calma e seriedade muito do que foi acontecendo nos demais planos que
fazem a vida de cada um de nós. Mas como é aprazível, erguido o zimbório da
cúpula ou terminado o derradeiro arabesco do último arcobotante, sentir que a
empresa está terminada… abrindo o caminho para as muitas outras que estão à
porta, à espera de entrar! O outro passo (o IX) corresponde ao processo de finalização e entrega da
tese: um interminável trabalho de filigrana partilhado com o meu orientador;
uma brutal empreitada de formatações em que a minha Mãe e Mana jogaram um papel
determinante (Mana, nunca te agradecerei devidamente a formatação de quase uma
centena de tabelas!) e a leitura exigente do meu Pai permitiu que não
soçobrasse na redação das conclusões; um trabalho exigente da Sandra na
composição dos volumes e CDs; uma indizível sensação de alívio ao saborear o
primeiro café pós entrega, na
companhia de um amigo de há séculos, agora também estudante da Nova. Todos os
que me conhecem compreendem o quão importante este passo foi para mim e,
consequentemente, percebem bem o destaque que lhe reservo nesta revisão anual.
A conclusão da tese, associada à correção de frequências (imensas!) e trabalhos
e à redação de dois artigos, produziu também – tudo tem o seu lado menos
risonho – uma estranha sensação. Em meados de dezembro, senti nitidamente que
estaaaaaaaaaaaaaaaaaaavaaaaaaaaaaaa aaaaaaaaaa peeeeeeeeeeeeeeeensaaaaaaaaaaaaaaaaar
muuuuuuuuuuito maaaaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiis deeeeeeeeeeeeevaaaaaaaaaaaaagaaaaaaaaaaaaaaar.
Uma reação normal a tantas emoções intelectuais que se cura facilmente com uns
dias mais relaxados – eis o pronto esclarecimento materno, de alguém muito
habituado a semelhantes lides. E foi o que aconteceu: terminado o último
artigo, entrei num ritmo mais aligeirado: a recuperação total deu-se prontamente e a efervescência de sempre retornou numa magra dezena de dias!
X – 2014 foi o ano em
que, desde a entrada na faculdade, passei uma temporada na praia sem trazer nenhum trabalho na mochila – Não foi mais do que uma semana, mas soube-me tão bem como se tivessem sido
três meses. Fui passar uma breve temporada com os Pais, que como é habitual
mudam-se em agosto para Quiaios, dedicando-me a não fazer nada a não ser apanhar sol, tomar banhos no mar, andar de
bicicleta, ler, desenhar e preguiçar – indo de vez em quando ver as vistas na
Figueira. Brutalmente retemperador – e num ritmo a lembrar o Luís de há já
muitos anos atrás.
XI – 2014 foi o ano em
que comecei a arrumar o escritório da Teófilo – tarefa
ainda em curso e que provavelmente se estenderá durante um período bastante
dilatado. Sem tempo para mais nada a não ser pensar na tese e no trabalho,
vinha pelo menos há seis anos a despejar anarquicamente tudo o que fosse livro e papel entre aquelas quatro paredes. Entre
arranha-céus tão depressa compostos de documentos e livralhada muito
interessantes e curiosos como por autênticas inutilidades (a título de mero
exemplo, todas as fichas de inscrição
de exames escritos e orais na faculdade…sem comentários!), encostado aos
torcidos e tremidos da secretária e sob o olhar de velhos avoengos que desde a
poeira de séculos passados lamentavam certamente a desarrumação e caos a que o
seu descendente tinha chegado, rodeado por peças tão díspares como artigos
tintinófilos, velharias goesas, lacreados da Índia e pilhas de esboços
misturados com fragmentos de azulejos, persisto numa limpeza/caça ao tesouro
que tem dado certamente garantido algum trabalho extra aos funcionários
municipais encarregados do despejo quer dos papelões próximos, quer mesmo dos
caixotes de lixo do prédio. Esta profunda e absolutamente necessária arrumação
– sábia medida aconselhada por quem me é chegado – tem também outro efeito.
Como já referi, vivi largos anos apartado de muita coisa: assim, ao fazer
semelhante revista acabo por retomar várias pontas que ficaram soltas e fechar
vários baús (ou malas de cânfora, indubitavelmente mais adequadas ao meu gosto)
que por incúria ou esquecimento permaneceram semiabertos.
XII – 2014 foi o ano em
que o cato do Luís voltou a dar flor
–
Tenho um cato tão velho como eu que durante anos floriu abundantemente. No
entanto, pelo menos no último quinquénio parecia ter desistido dessa atividade.
Como sou uma daquelas pessoas com quem as
plantas se dão bem (na gíria dos amantes de floricultura, mundo ao qual
porém sou totalmente alheio), estranhei… mas pensei que fosse ou maleita passageira
ou irreprimível efeito da idade. No entanto, no final deste ano, o cato do Luís voltou a dar sinais de
vida. E fê-lo exibindo uma exuberância floral de que há muito não dava mostras!
A
conclusão que retiro? Só pode ser bom presságio para 2015!!!
1 Comments:
foi realmente um ano cheioooo de coisas boas :)
ps: adoro que para comentar neste blog tenha de provar que não sou um robot ahahaha
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