catequizando na paragem (II)
Prosseguiu, depois, a persistente anciã, chamando, de forma inegavelmente ousada, à colação uma outra imagem que certamente faria parte do seu imaginário de fé.
"Sabes", persistia, doutrinando, "Jesus almoçava e jantava sempre com os seus amigos, numa enorme mesa, sempre coberta com uma toalha branca".
(Acredito que, neste momento, e caso estivesse a prestar um mínimo de atenção ao que lhe era dito, a criança visualizou uma larguíssima barraca de colmo e palmas, onde, em jeito de refeitório conventual, se estendia, longa e nívea, uma mesa albergando dezenas de pessoas).
A dada altura, porém, e constatando o desinteresse do ouvinte - que, entretanto, já lhe colara um "monstro" na carteira e preparava-se para fazer o mesmo aos seus óculos, deu nova guinada no seu raciocínio de conversão.
A criancinha, manisfestamente, demonstrava o mais óbvio tédio por "casinhas de palha" e "mesas com toalhas brancas" (não obstante o comprimento que tivessem). Havia, pois, que apelar a um argumento suficientemente forte e denso para não só captar a atenção desejada, como também para transmitir o que se desejava transmitir (o que era, ao certo, creio que ninguém sabe!).
Lembrou-se, então, a boa senhora de que todas as crianças gostam de animais. E, ancorada na forte esperança de que a intervenção de um ser animado neste deserto de cabanas e mobiliário iria atiçar a curiosidade do seu interlocutor, deixou para trás todos os episódios que até então evocara, para passar a falar de "S. João".
Ora, o leitor perguntará: qual? S. João Baptista, evidentemente. Mas não um S. João adulto e consciente, arauto da vinda do seu primo. Ao invés - e espelhando, desta forma, uma (que não deixa de ser curiosa, e até um pouco comovedora) forma muito portuguesmente popular de encarar tais personagens - falava de um S. João menino, que brincava sempre com o seu branco e manso cordeirinho.
Neste momento, lembrei-me de uma imagem de um S. João exactamente assim que outrora existiu na capela da VP. É extraordinário pensar que para aquela senhora de 70 anos S. João Baptista surgisse como uma criança loura, gorda e rosada, com um cordeiro tardo setecentista a segurar artisticamente uma bandeira!
O cordeirinho deste S. João Menino - continuava ela, perante o rapaz que se desvanecia olhando para os "monstros" - fazia uma série de acrobacias e malabarismos em prol dos outros, que o tornavam em simultâneo "muito santo" mas um pouco aborrecido.
A criança deve ter achado o mesmo, pois, olhando a avó (?) e interrompendo-a de repente, perguntou, de chofre: "Porque é que o S. João também não tinha um dinossauro brincar".
E agora, caros leitores, o que responderiam vocês?
Como introduziriam este elemento numa estratégia de conversão/ensinamento?
A velha senhora, contudo, que tinha vistas tão curtas e uma cultura tão pouco ginasticada, demonstrou uma impecável agudeza de espírito. Replicou prontamente:
"Mas, filho, é claro que o S. João tinha um dinossauro! Brincava com o carneirinho bonzinho em casa (numa palhota, perguntamo-nos??), mas, no quintal, e quando o cordeirinho estava a dormir, vinha a brincar com o dinossauro. E eram muito amigos!".
Não sei se a estratégia funcionou (duvido, até, seriamente da sua eficácia). Porém, a criança ficou muito mais interessada na narração.
E é bem provável que, nos céus indianos, o velho pregador Xavier não tenha conseguido evitar esboçar um sorriso perante tal estratagema desta sua tenaz seguidora! ;)
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