Monday, September 15, 2008

Monsieur Jean

um par de dias, em amena conversa com um dos membros do quarteto que, actualmente, gere a já mítica Dr Kartoon (almas santas que salvaram aquela loja providencial, que me permite, e a tantos outros, abastecer-me de BD franco-belga sem ter de o fazer por mail ou ir à Livraria Francesa), discutia-se se a minha geração (os "trinta recentes" - à qual também pertence o rapaz com quem debatia) ainda dispunha de BD (franco-belga, bem entendido) que, de alguma forma, espelhasse e reflectisse as suas vivências e realidades. Ou seja: se o modelo já estava de tal forma estafado que não aguentava arcar com a "responsabilidade" de espelhar os "novos adultos", ou se, pelo contrário, ainda se encontrava suficientemente oxigenado para o fazer com grande qualidade e pouca desadequação.
Escudado pela banca da máquina registadora - que não é especialmente impressionante, mas, enfim, sempre pode conferir algum ascendente junto dos menos cheios de si - o rapaz do Dr. Kartoon esgrimia em defesa da primeira hipótese. Argumentava que hoje já pouco se lia BD franco-belga (em comparação com o boom que, entretanto, conheceu a sua congénere americana e os irritantes Manga). Por essa razão, os autores jovens começavam a ser menos visíveis, e a ter, consequentemente, menos seguidores. E acrecentava que ele próprio, embora gostasse muito do género, a lia cada vez menos - desde logo por ser, hoje, bem mais fácil ler em inglês.
Ora, há aqui um par de incongruências:
1) em primeiro lugar, o mercado português - ou seja, a meia dúzia de interessados que vai seguindo o que se publica no mundo da BD - não influi, na sua modéstia e pequenez, literalmente em NADA no panorama da BD internacional, muito menos da franco-belga! Se é certo que a predominância da cultura francesa se acha, desde há umas décadas a esta parte, em claríssima derrapagem (em todo o mundo, e também entre nós), creio que tal não impede que os autores em causa se vão sucedendo e produzindo com qualidade (nem que seja apenas para os seus mercados internos);
2) por outro, não posso concordar com aquele ponto de vista por uma razão prática. Eu
(a par com tantos outros) conheço uma mão-cheia de álbuns de BD em que me revejo, ou revejo parte dos meus "companheiros de geração".
Hoje falarei de um deles, que acabei de ler. Trata-se de um dos deliciosos álbuns da série "Monsieur Jean", o "Les nuits plus blanches". Com a habitual qualidade gráfica e certeira ironia da dupla que o assina (Dupuy e Berberian), nas pranchas de Mr. Jean apresentam-se questões mais ou menos "universais". Eis um par de exemplos:

Mr Jean faz 30 anos - e (como vários dos que celebram essa data, sendo certo que tal maleita não me afectou) está em profunda depressão/negação. Ler as pranchas fez-me lembrar de amigos muito próximos que passaram por aquelas mesmas crises existenciais;

Mr. Jean tem de trabalhar (é escritor, já se sabe, pelo que estabelece os seus horários). Toma a dura resolução de se fechar em casa e dedicar-me dia e noite à tradução que tem de fazer. Mas, antes disso, vai à procura dos seus vinis preferidos, passa pela mercearia, ouve o vinil comprado... e acaba por nada fazer. Tal como o seu amigo Clement previu, acaba a noite (após ter pedido um alargamento do deadline) numa festa;

Mr. Jean (que devia trabalhar mais) tem insónias, e não sabe como as combater. Um problema muito generalizado, e de dificil resolução, por rapazes e raparigas que queimaram pestanas na FDUC. As suas tentativas de matar o problema, e a angústia de ser o mesmo tão difícil de evitar são, na sua fidelidade, hilariantes. Sente-se uma simpática e compreensiva compaixão por Jean.

Mr Jean, apesar de ser um tipo bem sucedido, tem, por vezes, azar aos amores, e faz descobertas (por vezes inadvertidamente, o que AINDA é pior) nada agradáveis.

Mr. Jean tem de promover a sua obra, e viajar. Desta vez, vem a LISBOA! Imaginem! A cidade é representada como se se tratasse de uma urbe colonial, cheia de africanos. As lisboetas passam por muito giras, mas enamoradas por uma espécie de gigolos. Os serviços da TAP são para esquecer.
Quem já não teve de ir fora de portas mostrar o que vale? É claro que é sempre divertido, e muitas vezes super compensador. Mas há partes mais chatas, é claro!

Mr. Jean começa a ser conhecido. E as críticas podem ser boas ou más. E se aquelas nos afagam o ego, estas soltam em qualquer um dos "trintaneiros" (numa adaptação livre do étimo castelhano) o pior que há em si - é o que acontece a Jean.

Leiam este, e os demais volumes. As semelhanças com algumas das nossas realidades são tão flagrantes quanto hilariantes!

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