juridicismos lusófonos
Não há melhor forma de compreender o legado jurídico luso - depurando-o das cegas imitações dos seus congéneres germânico e italiano (para fazer valer a máxima de que o nosso sistema "herda o rigor germânico e o articula com a fantasia latina") - do que analisando o rasto que, ao longo dos séculos, foi deixando nos diferentes pontos onde foi (melhor ou pior, mais ou menos convicentemente, com maior ou menor fidelidade) aplicado. Definitivamente afastadas as teses colonialistas, e à beira de se começarem a ignorar os complexos pós-coloniais, a matéria está aí: fascinante, rica, densa, pronta a ser estudada! Do cotejo - histórico e actual - dos diferentes direitos que surgiram e coexistiram (e coexistem) nessa amálgama comum se pode extrair a originalidade não só do direito português, como de todos aqueles que com ele partilham parte muito considerável (e determinante) da sua essência. Da comparação de sistemas jurídicos, de ordenamentos distintos mas semelhantes, da tentativa de encaixe de institutos em horizontes remotos - e das suas consequências, por vezes desastrosas, outras ridículas, outras, ainda, surpreendentemente eficazes - se pode fazer uma exegese sempre difícil, mas altamente gratificante.
No entanto, não basta, para tal, a fria inspecção de decretos, códigos e leis do passado e presente. O Direito é uma realidade vida, que só se compreende (e interessa, pelo menos ao investigador) se referenciado em função de determinada comunidade, localizada num momento espacial e temporal concretos.
Também é, naturalmente, assim nos domínios daquilo a que se pode chamar - à falta de melhor designação - "Direito lusófono".
Numa simples saída com colegas juristas de vários pontos do Mundo onde o português é língua vigente e o nosso sistema jurídico comum lastro estruturante, ao som de cantares do outro lado do oceano (de onde provêm as modinhas que, há séculos, encantam Lisboa), uma conversa animada pode dar uma ideia da lusofonia jurídica. Sem complexos de identidade nem rigores excessivos (que o local e a altura, se bem que evocativos da académica Coimbra, não eram, de forma alguma, adequados para isso) se vão descobrindo parecenças e dissemelhanças que surpreendem e animam a curiosidade: por exemplo, sabiam que, no Brasil, o dano da propriedade é, por vezes, mais severamente tutelado pelo legislador penal do que o dano pessoal (quando ambos concorrem na mesma situação)?
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